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0000723
A
Faculòaòe Òe Letras
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Universiòaòe Òe Coimbra
ao País
Coimbra
Tipografia França Amaòo
1919
A
Faculòaòe òe Letras
I
Universiòaòe òe Coimbra
ao País
A
Faculòaòe òe Letras
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Universiòaòe òe Coimbra
ao País
Coimbra
Tipografia França Amaòo
1919
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I
A Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra
tem p dever moral de falar
A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
não pode por mais tempo ficar silenciosa perante a
série de ocorrências motivadas pelo seu procedimento
do dia 14 de maio próximo passado. No uso dum
legítimo direito, sempre reconhecido em princípio e de
facto no nosso, como em todos os países civilizados,
resolveu, na sessão ordinária daquele dia, representar
junto do sr. Ministro da Instrução contra a publicação
de dois Decretos da sua autoria imediata :
a) Pelo primeiro desses Decretos era remodelada a
Secção de Filosofia das Faculdades de LetraS — sem
com a Faculdade se ter observado a deferência duma
simples consulta ;
b) Pelo segundo eram providos nos dois logares,
criados por essa remodelação, indivíduos àcêrca dos
quais nada, absolutamente nada, constava aos vogais
da Faculdade, que os impusesse como « pessoas de
reconhecida competência scientífica », — e sobre a
nomeação dos quais também não recaíra a mínima
consulta.
II
Significado do seu protesto
A Faculdade de Letras de Coimbra estranhou o
facto e estranhou-o em termos serenos, correctos,
levantados, olhando a questão sob o .ponto de vista
puramente pedagógico, à luz dos interesses do ensino.
Nada mais do que isto. Onde descobrir nesse proce-
dimento uma falta de respeito ? Onde a sombra dum
incitamento à indisciplina académica ?
Podia a Faculdade calar-se, seria, talvez, melhor
resignar-se, submeter-se, deixar passar, sofrer, enfim, o
vexame. O tempo não vai para protestos, nem para
assomos de altivez, disse-se . . .
Sim. Concordamos. Era uma atitude, por ventura
aquela, que fazia um dia dizer ao filósofo de Koenigs-
berg: — Que admira que nos esmaguem, se nós nos
fazemos vermes ? . . .
Sim. Concordamos. O momento seria inoportuno,
ouvimos classificá-lo de impertinente. Mas alguma
cousa de mais nobre e de mais digno, de mais alto e
de mais puro, se levantou perante a Faculdade —
nobre e digno e alto e puro como o ideal — , e que
era preciso afirmar contra todas as conveniências,
contra todos os comodismos, e quaisquer que fossem
as consequências, que dessa afirmação proviessem.
Confclamava-o o Direito, impunha-o o Dever.
E a Faculdade, para honra sua e do professorado
superior de Portugal, cujos interesses, afinal, estão em
jogo em toda esta questão, não se calou. Tendo exa-
minado numa reunião prévia o assunto e debatido 'os
termos duma « Exposição ao Governo », serenamente,
após uns dias de intervalo, de novo examinou essa
Exposição, corrigindo, limando, aperfeiçoando, de forma
a tirar-lhe o mínimo pretexto de agravo, de maneira a
fazer desaparecer qualquer base de susceptibilidades.
A Faculdade não pretendia agravar ninguém.
Mostrar que se havia sentido, isso sim. Afirmar bem
alto que prezava muito a sua dignidade e indepen-
dência, e que colocava uma e outra muito acima dos
interesses venais, isso ê certo que entrava nos seus
claros propósitos.
E fê-lo, e em tais termos, que os Senados universi-
tários de Coimbra e de Lisboa, grande número de
jornais, muitas das figuras intelectuais do País, aplau-
diram o seu procedimento, perfilhando atê aquelas
altas Corporaçõis a doutrina por ela exarada na acta
da sua Sessão célebre.
8
III
O Sr. Ministro da Instrução responde
Como respondeu o Sr. Ministro da Instrução à
atitude da Faculdade ?
^ Mandando, senão ouvi-la, porque os factos se
achavam consumados, pelo menos, esclarecê-la e eluci-
dá-la, submetendo-lhe, por exemplo, o curriculum
vitae dos dois Professores agraciados, para que se
ficasse sabendo, quanto mais não fosse, quam justa e
merecida havia sido essa escolha? Não.
Respondeu . . . com mais dous Decretos, que vin-
culam o seu nome para sempre á historia desta diver-
tida cousa, que ainda em Portugal se continua a chamar
Pedagogia :
1.0 — Por um desses decretos demitio o Reitor
efectivo da Universidade, Prof. Mendes dos Remédios,
e nomeou para o seu logar o tam tristemente célebre
Sr. Coelho de Carvalho ; e
2.0 — Pelo outro extinguio a Faculdade de Letras
de Coimbra, anexando-a à Universidade do Porto.
Que ferocidade, santo Deus !
Que génio tam sanguinário !
Che fai, alma ? che pensi ? avrem mai pace ?
Avrem mai trégua ? o d aurem guerra eterna ?
IV
o Reitor Sr. Coelho de Carvalho
♦ Arrancar à Universidade de Coimbra a sua Faculdade
de Letras era uma monstruosidade sob o ponto de vista
pedagógico. Seria fastidioso demonstrá-lo.
O Sr. Ministro da Instrução deixou-se vencer de
ódio num momento de hiper-tensão nervosa provocada
por despeitados conselhos mesquinhos, não tendo, como
não tinha, e não tem ainda, — aqui o afirmamos sem
receio de contestação, — o mais simples, o mais perfun-
ctório, o mais elementar conhecimento da Faculdade de Letras
da Universidade de Coimbra — que êle. Ministro, nunca visi-
tou, cujos processos de ensino ignora, cujo material dídático
desconhece em absoluto, e de cujos Professores, talvez só
vaga notícia tenha.
O ódio é máo conselheiro, afirma-o a Sabedoria das
nações, e mais uma vez se provou . . .
Mas ao erro pedagógico acresceu outro, não menos
grave, mas mais irritante, embora de diversa natureza
— a nomeação do Sr. Coelho de Carvalho para o alto
10
carg-o de Reitor. Com efeito, o Sr. Coelho de Carvalho
era um homem a quem totalmente faltavam as qualidades
essenciais para o desempenho desse melindroso cargo.
A sua vida em Coimbra compreende duas fases distintas :
uma dominada pela esperança de ser Prof. da Faculdade
de Letras e Reitor eleito da Universidade ; outra domi-
nada pela decepção dessas aspirações.
Acobertou-se primeiramente com a capa de amigo
da Universidade, proclamando-a até, sem verdade nem
sinceridade, a primeira e única Universidade — as outras
Universidades não passavam de « Escolas Gerais » —
dizendo-se, a quem queria ouvi-lo, um simples manda-
tário das Faculdades, investido numa missão transitória
de pacificação. Nada mais. E foi colhendo adesõis,
algumas simpatias. Era tam amigo da Universidade!
Arquitectava reformas, delineava projectos, esboçava
grandezas — desenvolvimento hospitalar compreen-
dendo um grande sanatório para tuberculosos, compra
de prédios para rasgadas instalações, congressos scien-
tíficos, tudo muito grande, tudo com muito dinheiro,
enfim, miragens, verdadeiros deslumbramentos de Fata-
Morgana.
Como se desfez este sonho de blasé, que declarava
odiar Lisboa com os seus dissolventes cafés, os seus
duvidosos bastidores de teatro, a sua política de intri-
gantes, e aborrecer por egual um fim-de-vida nas terras
cálidas do Algarve, onde nem sequer a linda flor das
amendoeiras conseguiu dar um raiozinho de policromia
11
aos seus versos desbotados, aos quais se poderia aplicar
o que Boileau escreveu um dia de Chapelain:
De son rude marteau martelant le bon sens
II fit de mauvais vers douze fois douze cents ?
Ruío tudo 'Com fragor na vida tràg-ico-hilariante deste
homem, desde que adquirio a convicção irrefragavel de
que nunca seria proposto Prof. da Faculdade de Letras
de Coimbra.
Nunca 1
Não experimentaria a sensação desse look-out exces-
sivamente perigoso para os seus cansados anos, tam
repletos de imprevistas peripécias.
Nunca !
Estava primeiro a ala-de-namorados dos Novos, entre
os quais o Dr. Gonçalves Cerejeira, o Dr. Joaquim de
Carvalho . . . , depois mais novos, nimbados de mirtos viri-
dentes e de talento, e depois ainda outros mais novos,
já a trepar à encosta do monte, onde começa de asso-
mar o sol em raios prometedores de esperança . . .
Nunca 1
E assim chegou o periodo da decepção, o segundo
periodo da vida do Sr. Coelho de Carvalho. E então é
que aparece o homem, que aí está — afrontando o
Professorado, a Academia, a Cidade, que enredou tudo,
que emaranhou tudo, iludindo até o Governo, que dele
confiou, em hora aziaga, o encargo de restabelecer a paz
e a tranquilidade nesta linda terra de Coimbra . . .
12
V
Supostas acusaçõis
à Faculdade, — isto é — a 4 dentre os seus
19 Professores e Assistentes!
. . . Mas quais sam os crimes da Faculdade de Letras
de Coimbra, dos seus Professores? Ninguém ainda
os apontou, ninguém pôde concretizá-los. Ouvem-se
somente acusaçõis vagas e sem consistência, idênticas,
afinal, às que, em todos os tempos, teem assacado à
Universidade de Coimbra.
Quere-se fazer acreditar que a Faculdade ê consti-
tuida por Professores da extincta Faculdade de Teologia.
Insinua-se que, sendo assim, esses Professores não
podem deixar de ser inimigos das instituiçõis, republi-
canas, adversos, naturalmente, às doutrinas liberais.
Mas esconde-se que dos dezanove Professores e Assis-
tentes atuais, afinal, apenas quatro vieram da Faculdade
de Teologia.
Quatro !
E não é essa origem para aqueles tam poucos que
rialmente provieram dessa gloriosa Faculdade, senão
um título, de que muito se orgulham.
O primeiro, — o Dr. António de Vasconcelos está
não longe do termo desta selva selvagia, áspera e
forte . . . Tem mais de 32 anos de Professorado.
13
O Dr. Mendes dos Remédios tem 22 anos de
ininterrupto ensino superior, cumulado com mais de
12 na direcção da Biblioteca Central da Universidade.
O Dr. Oliveira Guimarães tem mais de 16 anos de
vida professoral, àlêm duma constante lide como inte-
merato e infatigável Pedagogo, que é.
VI
Da Faculdade de Teologia à Faculdade
de Letras
Agora, oiçam os que quiserem ouvir — não palavras
de recriminação, nem de ódio, mas palavras de ver-
dade e de justiça, que hão-de ajudar a definir os Pro-
fessores apontados à ira inconsciente das multidões
desorientadas.
A Faculdade de Teologia tem uma história das mais
gloriosas, servindo sempre a Pátria e a Religião nobre-
mente, com muito notável espírito de independência e de
superioridade. A convivência mútua de Professores e
de Estudantes dentro do meio intelectual, que sempre
foi Coimbra, dava a todos um logar de destaque nas
lutas da cultura. Eram citados os actos grandes da
Faculdade como os duma grande Escola de agudeza
de espírito, de erudição e de saber. Muitas das inova-
14
çõis scientificas, mal apontavam lá fora, logo eram
conhecidas na Atenas lusitana.
Citavam-se sem medo nas suas aulas os livros mais
avançados nos domínios interdependentes ou laterais
das doutrinas, que lá se professavam. Pode vêr-se
ainda pelos registos da Biblioteca Central até onde ia
a atualização do seu ensino. O estudante nas suas
aulas não tinha nada o ar bisonho e tímido dum ini-
ciado ou dum esotérico. Era alguém a quem se conce-
dia o livre exame das doutrinas, que expendia. Nenhum
Professor tinha o espírito intolerante nem nas maté-
rias, que ensinava, nem na forma como as expunha.
Era a verdadeira Escola da maior tolerância no alto
e nobre sentido da palavra, porque não excluía a mais
sincera estima.
Ainda então não dominava no glorioso baluarte da
Sciéncia um famigerado lápis verde denunciando inqui-
sitorialmente alguma Hberdade de opinião . . . Esse lápis
verde que define, só per si, uma mentalidade e uma .
consciência e que seria, séculos atrás, o tição execrando
que condenaria implacavelmente a nossa Bíblia nacio-
nal, os Lusíadas, que todavia outro lápis — e dum
frade ! — deixou escapar intacta à nossa admiração !
As aulas eram, por vezes, a Agora, onde se declama-
vam teorias de arripiar os mais fleugmáticos.
Que de recordaçõis de nomes e de scenas inesque-
cidas !
Pois bem !
Nessa Escola nos educávamos todos ; aí se cimenta-
vam amizades. para a vida.
15
Nessa oficina, onde se temperava a inteligência e o
caracter, tinham logar preferente na estima de todos
os Professores da Faculdade de Teologia. Quando
veio a Republica, a Faculdade foi suprimida, não por
lhe ser hostil, ou sequer adversa, mas por ser consi-
derada como que inútil, como que um órgão sem
função.
Com efeito, nos últimos anos do antigo regime, a
frequência da Faculdade de Teologia deminuira dia a
dia e progressivamente. Não analisaremos aqui as
causas, que eram múltiplas, mas não deixaremos de
apontar como uma das principais a acusação, que lhe
era feita, de ser uma Faculdade demasiadamente secular
— pas assez écclésiastique, como a classificou Lião XIII.
Essa fama pl-oviera-lhe da chamada Questão da Facul-
dade de Teologia, em que esta, só, abandonada dos
Governos, sem influência política, nem acção diplo-
mática, teve^ de sustentar tremenda luta pela liber-
dade do seu ensino, como uma instituição do Estado,
de quem dependia e a quem tinha de prestar contas.
Olhada com desconfiança pelos poderes eclesiásticos,
a Faculdade, desde então, principalmente, arrastou uma
vida inglória. Por seu lado, os Governos parece que
não tinham compreendido bem a função importante,
que no nosso meio ela podia e devia desempenhar. Era
então o caso de parafrasear um dito célebre e dizer —
que a Faculdade estava de mal com os Bispos por
causa do Estado, de mal com o Estado por causa dos
Bispos.
O que se não disse então ! O que se não escreveu !
16
Mas a vida da Faculdade estava terminada. E quando
um dia a própria Faculdade disso se convenceu, ela
mesma resolveu pedir a sua transformação numa h acui-
dade de Letras.
VII
o Dr. António José de Almeida
cria a Faculdade de Letras
Ela própria, ou melhor, a Universidade. Foi em 1907.
Uma comissão composta de Professores das diversas
Faculdades universitárias foi a Lisboa para de propósito
procurar entender-se com o Presidente do Conselho,
ao tempo o Sr. João Franco, a quem dirigio o pedido.
Surgiram depois diversos e numerosos embaraços e
estorvos, que não vêem para o caso. Apareceram
protestos, abrio-se a campanha nos jornais, estabele-
ceu-se a luta.
Podia ser invocadq aqui o testemunho, entre outros,
do Dr. António José de Almeida, para declarar, se
fosse preciso, com quem se encontrou desde essa
primeira hora, e como o problema lhe era exposto com
o maior desassombro, mas também com a mais absoluta
lialdade, e que assim se podia cifrar — a Faculdade de
Teologia, como a quere Roma, não a quere o Estado ;
e como a quere o Estado não convém a Roma.
Não havia' conciliação possivel. E não houve.
17
O problema tinha de ser resolvido, como o foi.
O Dr. António José de Almeida, uma vez no governo
provisório, auxiliado poderosamente pelo Dr. Angelo
da Fonseca, Director Geral da Instrução Pública, meteu
ombros à dificil empresa da remodelação do ensino.
Dois Decretos resolveram, com justiça e notável sereni-
dade, um assunto, a tantos títulos delicado, que se caísse
nas mãos de outrem tam facilmente se prestaria a atos
de vingança e de desprimor — o Decreto de 23 de
outubro de 1910, que virtualmente extinguia a Facul-
dade de Teologia, e o Decreto de 9 de maio de 1911,
que no seu art. 61 .o dispunha que os Professores da
extinta Faculdade fossem colocados, conforme as suas
aptidões, nas Faculdades de Letras de Lisboa ou de
Coimbra (1).
VIU
o "Curriculum vitae"
dos 19 Professores e Assistentes
da Faculdade de Letras
Sam em número de dezanove os Professores e Assis-
tentes, que estão prestando serviço na Faculdade de
Letras de Coimbra. Quem sam? Quais os seus títulos
scientificos ? Veja o curriculum vitae publicado no l.o
(1) Cfr. mais o Decreto com força de lei de 19 de abril de 1911 e
o Decreto de 17 de junho do mesmo ano.
2
18
Apêndice deste opúsculo quem tiver interesse ou curio-
sidade de o saber. Aqui só queremos acentuar que
esse grupo de Professores foi recrutado, mercê mais
das circunstancias do que da lei, por uma verdadeira
selecção de aptidõis. Como dissemos já, da Faculdade
de Teologia só ha 4 Professores. Dos outros, sam 3
da Faculdade de Sciencias — os Professores Gonçál-
vez Guimarãis, Ferraz de Carvalho e Tamagnini ; 1 da
Faculdade de Direito, o Dr. Magalhães Colaço ; 2 sam
estrangeiros os Srs. John Opie (inglês) e Marius Riquier
(francês)., Eugénio de Castro entrou na Faculdade,
como a Senhora D. Carolina Michaélis de Vasconcelos,
par droit de conquête. Dos Assistentes, que todos sam
graduados por esta Faculdade, um veio da Faculdade
de Letras de Lisboa, outro tem um curso em Roma,
três sam diplomados já por outra Faculdade, e dois só
enfim, sam exclusivamente da Faculdade de Coimbra.
Todos podem dizer-se self rnade men. Se fossem vivos
alguns que à Faculdade prestaram relevantes serviços
orgulhar-nos hiamos de referir os nomes dos Professores
Francisco Martins e Carlos de Mesquita, e se tivesse
podido corresponder ao apêlo, que oportunamente lhe
foi, com amiga insistência, dirigido, no grupo dos
Professores brilharia com o seu grande mérito o nome
do Prof. António Augusto Gonçalves.
Pode haver melhor; há, decerto, corporaçõis scienti-
ficas mais distintas no País, mas não envergonha a
Nação quem assim apresenta titulos, que nam sam
inteiramente, parece-nos, dos que pode conceder o
favoritismo politico ou outro, não importa o nome.
19
IX
Dois Assistentes
Não podemos traçar aqui o perfil intelectual de cada
um dos colaboradores da grande obra, em que todos
trabalhamos. Ficam estas simples notas, cumprindo-nos
destacar, de justiça, dous nomes, que foram trazidos à
ribalta com os torvos intuitos . . . que já diremos ; os
Drs. Gonçalves Cerejeira e Joaquim de Carvalho.
Dr. Gonçalves Cerejeira. — Tem uma formosa inte-
ligência este moço já diplomado em duas Faculdades.
Os seus cursos foram sempre brilhantes e haviam-no
designado de há muito, por eleição tácita de condiscí-
pulos e contemporâneos, para o logar que já começava
a desempenhar com aplauso de discípulos, e não-discí-
■pulos, pois as suas aulas eram concorridas de vários
rapazes de diversos cursos, ansiosos de ouvirem a sua
palavra elegantíssima e erudita. Os dous trabalhos,
que escreveu com destino à Faculdade de Letras, intitu-
lam-se O Renascimento em Portugal — Clenardo, de
183 e 191 -f 156 páginas, respectivamente. Que digam
do valor desses trabalhos todos os que já lhe poisaram
os olhos ! Através dessa complicada figura de renas-
cente e humanista, é uma sociedade que se desenha a
agoa-forte no quadro geral da história da civilização
20
quinhentista. Pela primeira vez se pqcle apreciar em
bela tradução literária, onde não chega a babugem de
certos plumitivos, o que de mais interessante para nós
aparece nas Cartas do grande flamengo. E por todas
essas páginas do claro sol do pensamento se afirma
uma erudição sólida, ao mesmo tempo que brilhante,
um saber extenso e fundo, em que não se sabe que
mais admirar — se o paisagista da história, se o filósofo
da civilização, se o intérprete-filólogo dominador dum
latim, que só encanecidos mestres poderiam atingir.
Dr. Joaquim de Carvalho. — Fale em favor deste
moço-Professor, também já diplomado em duas Facul-
dades, a sua dedicação ao estudo, a sua incansável ânsia
de saber, que de longe, ainda assim, se divisam através
dos seus livros — António de Gouveia e o Aristotelismo
da Renascença^ e Leão Hebreu, Filósofo, que honrariam
qualquer Académico de nome, em qualquer meio inte-
lectual. Inteligência lúcida, espírito penetrante, inclina-
ção preferente de analista de almas, o Dr. Joaquim de
Carvalho trouxe à luz, como fizera o seu colega, figuras
mal esboçadas, que se perdiam a distância, episodica-
mente, e que sam, entretanto, personagens da estatura
dos gigantes intelectuais. Quem em Portugal ouvira
falar de Leão Hebreu ? ^ Estes medíocres tradutores, que
fizeram uma reputação cambaleante de café através de
traduçõis, onde defrontaram tal personagem ? Custou-
Ihes a leitura das páginas cerradas, de profunda inves-
tigação e íntima análise desse sectário do Platonismo,
e não querem confessar a vergonha de não chegarem
21
ao fim dessa viagem de penetração de espíritos, guiados
pelo talento superior do moço vigofoso, fisicamente
tam frágil, que é Joaquim de Carvalho.
Estes foram os candidatos que a Faculdade de Letras,
na impossibilidade de concluir as provas dum concurso,
como todos preferiam, propôs ao Governo, ao abrigo
do disposto na lei Universitária, que fossem promovi-
dos a Professores. Eis aqui a proposta votada por
unanimidade :
Proposta
Temos a honra de propor ao Conselho da Faculdade de Letras,
baseados no art. 55.° do Estatuto universitário, que ao governo seja
proposta a nomeação, com dispensa das provas públicas, do Dr.
Manuel Gonçalvez Cerejeira para o logar vago de professor ordinário
do 4.0 grupo (Sciências históricas), e do Dr. Joaquim de Carvalho
para o logar vago de professor, ordinário do 6.0 grupo (Sciências
filosóficas).
Servem de base a estas propostas os importantes trabalhos de
investigação original por estes Doutores realizados, e de que teem
dado sobejas provas : — a) nos seus exames brilhantes de Bacha-
relato e de Doutoramento, respectivamente na secção de Sciências
históricas e geográficas e na de Sciências filosóficas, nos quais obti-
veram a classificação de Muito bom, o primeiro com 19 e 20 valores,
o segundo com 19 valores; — b) nas provas de concurso para Assis-
tentes desta Faculdade y — c) nos dois volumes que cada um deles
publicou, os do primeiro subordinados ao título geral — O Renasci-
mento em Portugal — os do segundo intitulados — António de Gou-
vêa e o Aristotelismo da Renascença — e — Leão Hebreu, filósofo ;
— d) nos serviços de que foram incumbidos pelo Conselho da Facul-
dade, e de que se teem desempenhado pela forma superior, na regên-
cia das cadeiras de História antiga e História medieval o primeiro, e
de Filosofia e História geral da civilização o segundo ; — e) nos
22
diversos júris de exames de Bacharelato e Licenciatura de que teem
sido vogais ; -- /) finalmente o primeiro nos trabalhos que tem reali-
zado no Arquivo da Universidade, de que é arquivista-paleógrafo, e
na direcção dos trabalhos práticos dos cursos de História de Portu-
gal, Paleografia, Epigrafia e Diplomática de que se acha incumbido.
Coimbra, em sessão do Conselho da Faculdade de Letras, aos 7 de
maio de 1919.
(a) Dr. António de Vasconcelos, professor ordinário da secção de
Sciências históricas.
(a) Dr. Alves dos Santos, professor ordinário da secção de Sciên-
cias filosóficas.
X
Uma scena histórica
Esta proposta foi entregue ao Reitor a 8 de maio, e
a 14 passava-se na Reitoria uma scena, que ha-de ficar
marcada na história, porque nesse dia alguma cousa se
passou a dentro daquelas salas, que nunca jamais ali se
vira, nem nos tempos ominosos em que dominava em
Portugal despoticamente o tribunal de ódios e de
sangues, que se chamou o Santo-Ofício.
Nessa Reitoria, onde dominou, não há muitos anos, o
génio bondoso de Manoel de Arriaga, cuja figura nós
ainda divisamos, simpática, serena, atraente, — aí, o moço
Joaquim de Carvalho infligio ao Reitor sr. Coelho de
Carvalho uma tremenda lição de nobre e altiva inde-
pendência — declarando-lhe que não aceitava a nomea-
ção, que o separasse do seu colega, como ele, Reitor,
23
pretendia. Ambos propostos pela Faculdade de Letras
com a mesma base em valores pedagógicos, a sua
proposta, isolada, fazia surgir um coeficiente, que ele
não admitia.
Não enrubesceu, talvez, o sr. Coelho de Carvalho,
mas havia de tremer. Essa nobreza de consciência
ser-lhe hia opressiva. Havia de queimá-lo, lá dentro,
tanta altivez, tam galharda sobranceria.
XI
Orientação do ensino da Faculdade
O que poderia escrever-se sob esta rubrica não seria
positivamente um capítulo, dava uma monografia. Mas
é forçoso apresentar, embora de fugida, uma idéa do
que se diz e do como se diz no ensino das diversas
disciplinas da Faculdade. Esta matéria compreender-se
ia melhor com a publicação dos Sumários, que agora é
totalmente impossível fazer. Note-se também que há,
de momento. Professores ou doentes, ou ausentes, cuja
consulta foi impossível realizar.
Por outro lado a Faculdade não teve até hoje o
mínimo auxílio financeiro, afora o fornecido para as
obras do seu edifício. — Mobiliário, instrumentação
scientifica, livraria . . . tudo tem saído dos seus mingoí^-
dos recursos.
24
O que é mais de lamentar é não se poder dispender
qualquer verba, embora modesta, para viagens scienti-
ficas, que urge fazer, numerosas e repetidas, e para
custear a vinda de Professores estrangeiros, em que há
tanto tempo se pensa. Faculte este intercâmbio quem
tem a missão de governar, que é, decerto missão mais
justa, mais gloriosa e mais patriótica que a de inutilizar
iniciativas.
. Mas digamos como se ensina na Faculdade.
Seguiremos a ordem das secções estabelecidas na
Lei orgânica.
%
1 - FILOLOGIA CLÁSSICA. [ Profs. - Oliveira Guimarãis,
Gonçálvez Guimarãis ; Assistentes — Carlos Ventura e
J. Neves J.
São três as disciplinas abrangidas por aquela desi-
gnação : 1) Gramática comparada do grego e do latim,
primeiro denominada Filologia Clássica; 2) Lingua e
literatura latina e 3) Literatura grega.
1) — Gramática comparada do grego e do latim.
O titulo anterior não tem precisamente o mesmo
sentido. Há até diferenças notáveis. A Filologia
Clássica aplica ao grego e ao latim os principios e
as leis da sciência linguística geral, ao passo que a
gramática comparada tratando sobretudo da estrutura
da lingua e das regras, que auxiliam a sua compreensão
e prática, completa com o exclusivo do seu objecto
25
o estudo, precedentemente efectuado, das duas outras
cadeiras. Nestas, sendo ainda a lingua o objecto
principal, há com efeito outros assuntos, que não
podem apartar-se como a história da literatura, a
mitologia, a religião, a arqueologia, etc, que teem de
expor-se onde e quando vem a propósito para melhor
inteligência dos textos. Se anteriormente na Filologia
clássica e agora na Gramática comparada, se segue
este critério é porque é absurdo professar em uma
única cadeira as numerosas matérias incluidas por
Salomão Reinach, por ex., no seu Manual de Filologia
clássica, quase todas objecto doutras tantas cadeiras
ensinadas nas Faculdades de Letras. Quanto mais não
fosse, a analogia com o que se faz nas Filologias româ-
nica e germânica, devia excluir toda a dúvida.
No ensino desta disciplina não se perde nunca de
vista que a Filologia é, por todas as razões, uma
sciência na verdadeira acepção do termo, compreen-
dendo o estudo da linguagem como fenómeno natural.
A teoria dos sons é exposta com a observância rigo-
rosa dos principios da acústica. Pela teoria musical,
cujo conhecimento é dos mais poderosos auxiliares para
quem pretenda realizar estudos na Fonética (veja-se de
• quanto pode servir nas investigações sobre a acentua-
ção) fazem-se numerosas digressões.
O estudo do mecanismo da produção dos sons é
sempre precedido do estudo fisiológico dos órgãos,
que compõem o aparelho fonador. A história do
alfabeto, que tanta importância tem para a fixação da
pronúncia das línguas clássicas, é todos os anos
26
tratada com a amplitude requerida (1). Observações
idênticas se aplicam pelo que respeita ao rigor empre-
gado nos outros assuntos tanto da fonética, como da
morfologia, das línguas grega e latina.
2) Língua e literatura latina e 3) Lingua e literatura
grega. O oue vamos dizer aplica-se, mutatis mutandis,
à lingua e literatura grega. O mesmo método, a mesma
fé nos resultados, que esperamos colher e que já foram
em parte colhidos.
Um dos primeiros cuidados do Prof. no seu ensino
deve ser o alijamento dos velhos processos rotineiros
e viciosos. Na Filologia clássica, particularmente, come-
çou-se pela pronúncia — do latim e do grego — dum
modo especial, e por motivos óbvios, da do latim.
Além do exemplo da Inglaterra, América, etc, aí
estavam os trabalhos de fonética histórica e compa-
rativa a atestar que, para proceder a qualquer estudo
sério, se tornava indispensável desembaraçar-nos pre-
viamente duma pronúncia que, sobre ser falsa, é até
ridícula.
^ Que maior absurdo do que querer ensinar segundo
critérios scientíficos a língua latina ou qualquer outra
sem procurar pronunciá-la convenientemente ?
Rompemos pois com a rotina.
(1) Sobre o alfabeto, o Prof. de Gramática comparada, Dr. Gon-
çálvez Guimarãis tem pronto a entrar no preio um trabalho em que
há novidades não só para os nacionais como para os estrangeiros,
novidades que há quatro anos teem gozado o privilegio de ouvir os
alunos, que passam pela referida cadeira.
27
O estudo da evolução das línguas clássicas e a
comparação das formas duma língua para a outra, ou
seja a aplicação dos métodos histórico e comparativo,
é um trabaliio constante. Na tradução tem-se em vista
fazer que o aluno aprenda a tirar do texto o máximo
de sentido, o que só se consegue analisando com
método e rigor os pontos em que possa haver dificul-
dades de qualquer natureza. E a melhor maneira de
fazer compreender o valor das regras, que se lhe
ensinam. O conhecimento da História das literaturas
clássicas é, tanto quanto possível, feito sobre os textos.
Relativamente à métrica o que os livros dizem é
quase nada e isso ainda não isento de defeitos.
^ Será preciso mencionar que procuramos fazer a
leitura títmica ao mesmo tempo que a gramatical?
Foi a Faculdade de Letras de Coimbra a única que
até hoje seguio tal método no nosso país. E que série
de efeitos melódicos se não arrancam á combinação
das duas leituras ! Além desses efeitos meramente
melódicos, gratos ao ouvido, a acentuação rítmica
desperta idéas, dirigindo-se portanto, em certos casos,
ao pensamento.
II — FILOLOGIA ROMÂNICA. [ Profs, Mendes dos Remédios,
Eugénio de Castro. Prof. contratado — Marius Riquier j.
A) — Historia da Literatura Portuguesa. — O
estudo da Filologia Românica tem merecido à Facul-
dade as maiores atenções. Tanto os Cursos de lingoas,
como os das literaturas, teem-se dirigido sempre no
28
intuito de despertar nos alunos a curiosidade de saber
e de investigar, o gosto, o interesse, a sugestão de
vocaçô^es.
As indicações que passamos a fornecer sam muito
rápidas e, além disso, incompletas pela impossibilidade
de apresentar dados sobre as disciplinas propriamente
filológicas, pelos motivos já apontados atrás.
A Literatura Portuguesa que figurava até 1917 apenas
como um curso anual desdobrou-se, desde o começo
do ano lectivo dessa data, em cadeira bienal. Pôde
assim estudar-se com mais atenção o programa, que, se
dividio em duas secçõis : a) uma desde as origens até
o século XVI e b) outra do século XVII à atualidade.
O livro dos SuTTiários, a que já se tem aludido, e que
pode ser consultado por quem quer que seja, diz da
extensão, natureza, e espírito, com que é feito o curso.
Repetidamente se afirma a necessidade do trabalho
pessoal, a indispensabilidade da leitura das obras, que
se analisam, o interesse das pesquisas nos Arquivos, a
surpresa, que pode coroar tais fadigas, com e pela
descoberta de documentos originais. A opinião do
Professor pode tomar-se como um ponto de partida ;
fazê-la nossa, quando o queiramos, por convicção fun-
damentada e não por dogmatismo, tal é o objectivo.
As liçõis sam, quanto possível, de literatura compa-
rada, fugindo-se ao perigo de exposiçõis restritamente
cronológicas. As Bibliotecas Central e a privativa da
Faculdade fornecem um material de ensino precioso,
estando longe todavia, por motivos que não vêem ao
caso, dos desiderain dos Professores. A bibliografia
29
dos assuntos é seguida com o maior cuidado — saber
onde se estudam os assuntos já é meia conquista na
investigação e na cultura. O l.o curso do corrente
ano lectivo terminou com o seguinte tema: « Gil Vicente
representa o espírito da sua época, sendo, pela sua
obra, um verdadeiro Poeta, mais que nacional, um
Poeta peninsular e um eco do espírito do seu
século. Tratar- se hia de Camões, se. . . >
Estava-se a 23 de maio, em que se conhecia de cer-
teza o que parecia inacreditável — a extincção da
Faculdade.
No 2.0 curso o boletim da última lição, a 22 do
mesmo mês, diz assim : « O teatro no século XVIII
representado, por uni lado, na sua feição eru-
dita em Quita, em Figueiredo, pelo outro, pelo
seu aspecto popular em António José da Silva.
A "Castro" de Reis Quita e alguns "tipos'' das
comédias do Judeu ».
Dada a importância dos trabalhos escritos na atual
reforma fez-se sentir aos alunos quanto convinha que
lhes dedicassem toda a sua atenção. As matérias eram
primeiramente tratadas com largueza. E assim depois
de ter exposto a natureza das escolas clássicas, do sim-
bolismo, do futurismo, etc. passou-se aos alunos este
trabalho : « A que condições deve satisfazer um docu-
mento literário para ser verdadeiramente considerado
tal? » Era toda uma filosofia de gosto, de crítica, de
arte, que se pedia. Depois de ter analisado a obra de
D. Francisco Manoel de Melo deu-se lhes este tema :
«Analise do ultimo Apôlogo (Hospital das Letras),
30
aclarando os problemas bibliográficos que ele
levanta >. Era um largo, um profundíssimo trabalho
de averiguações critico-bibliográficas, exageradamente
difícil, talvez, mas era uma tentativa de experiência,
uma « experiência para vêr >, na frase de Claude Ber-
nard. Procurou-se sempre manter viva a curiosidade
dos alunos, atualizando os problemas, mostrando como
nas outras Universidades se procedia, comemorando
quando a propósito o falecimento dos grandes Mes-
tres das Literaturas Românicas, como o de Ernesto
Mónaci, de Egídio Gorra, que ocorreram durante o ano
lectivo, etc.
Frequentemente eram lidos trechos para documentar
os juízos ou afirmaçõis feitas, e ainda para despertar o
interesse dos alunos, mostrar as belezas ou defeitos
dos autores, etc.
B) — Historia da Lingiia e da Literatura
Francesa. — No curso de « Historia da Língua e da
Literatura Francesa », faz-se principalmente o estudo
da historia da literatura, procurando sempre e acima
de tudo despertar e desenvolver o gosto literário.
O ensino, evitando a menor afirmação dogmática,
baseia-se na leitura comentada dos textos, não se
abandonando um instante a preocupação de velar
discretamente pontos de vista pessoais, e deixando-se
assim a máxima liberdade de emoção e de crítica,
mas intervindo zelosamente ao parsar duma beleza
despercebida ou de qualquer expressão obscura.
Na impossibilidade de, nos dois escassos anos do
curso, fazer o estudo de toda a história da literatura
31
francesa, tem-se escolhido para objecto das lições os
escritores mais representativos, que vão desde o princí-
pio do século XVII até 1870 pouco mais ou menos, e
feito a leitura integral das seguintes obras : Le Cid e
Horace de Corneille, Art poétique de Boileau, Femmes
Savantes de Molière, Phèdre de Racine, Atala e René
de Chateaubriand, Premières méditations poétiques de
Lamartine, Hernâni de V Hugo, e a leitura de trechos
caraterísticos de Malherbe, Pascal, La Fontaine, M.me
de Sévigné, Voltaire, Montesquieu, J. J. Rousseau,
Diderot, B. Saint-Pierre, Buffon, A. Chénier, M.me de
Staêl, A. de Vigny, etc.
Ill - FILOLOGIA GERMÂNICA. | Profs. D. Carolina Michaêlis
de Vasconcelos; Assistentes — Ferrand e Providencia da
Costa; Prof. contratado — J. Opie].
Os programas das cadeiras de Lingua e Literatura
alemã e inglesa comportam o estudo de : a) épocas lite-
rárias, como a Elizabethana, a de Frederico o Grande,
etc; b) movimentos literários, como o romantismo inglês
ou alemão ; c) géneros literários, como o teatro inglês,
a novela na literatura alemã, a balada artística alemã,
etc. ; d) grandes autores, ou autores mais caraterísticos
duma época ou dum movimento, como Shakespeare,
Milton, Pope, Goethe, Schiller, etc.
O desenvolvimento destes assuntos é baseado na con-
sulta constante dos documentos literários mais impor-
tantes, de que, em geral, há vários exemplares na
Biblioteca da Faculdade e que são distribuídos pelos
alunos durante a lição. À apreciação desses documentos,
à sua análise literária, histórico-literária ou linguistica,
dedica-se um cuidado especial, procurando interessar no
estudo e na investigação literária os alunos, pedindo-
Ihes que analisem eles próprios os documentos, que se
teem de consultar nas lições magistrais, obrigando-os
depois a um estudo mais demorado, se porventura estes
documentos voltam a ser lidos nas aulas práticas.
Procura-se desenvolver, acima de tudo, o gosto lite-
rário pela leitura e crítica das jóias destas literaturas
e dá-se sempre a mais completa liberdade de apre-
ciação.
Uma cadeira importante deste grupo é a de Filologia
Germânica, onde se tem dado desenvolvimento especial
ao estudo da fonética comparada do inglês e do alemão,
visto que o conhecimento dos fenómenos fonéticos cons-
titui a base de todo o estudo consciencioso em matéria
de filologia. É assim que nas lições da Gramática
Comparada se tem insistido particularmente no estudo
do vocalismo e do consonantismo germânico, e sobre-
tudo no do anglo-alemão. O estudo histórico-filológico
do vocalismo inglês, indispensável para a compreensão
da singular discordância entre a grafia e a pronúncia
do inglês atual, tem merecido particular atenção ao
professor desta cadeira. Para que o estudo da filologia
tenha uma feição essencialmente prática, as lições magis-
trais são completadas com a análise e o comentário
filológicos de trechos ingleses e alemães, análise e
comentário feitos pelos alunos sob a direcção do res-
pectivo professor.
33
O estudo desenvolvido e profundo da fonologia tem
outro-sim a vantagem de despertar nos futuros profes-
sores liceais de inglês e de alemão o interesse pela
fonética e justa pronúncia das duas línguas, interesse
que é condição essencial para que um professor daque-
les idiomas possa cabal e proficuamente desempenhar a
sua missão.
IV — SCIÉNCIAS HISTÓRICAS. [ Profs. — A. de Vasconcelos
e Magalhães Collaço ; Assistente — Gonçalves Cerejeira ].
O ensino da História ainda não é certamente o que
pode ser ; mas ^ em oito anos, havendo que fazer tudo
de novo, sem auxílios do Estado, podia sequer conse-
guir-se mais e melhor ?
O carácter do ensino. — De todo o princípio
( sem casa, sem material de estudo . . . ) o ensino visou
a ser ensino superior^ e tem a Faculdade a consciência
de que não tem sido inteiramente baldado o seu
esforço. Havia que evitar o perigo de fazer do ensino
da História um ensino de . . . histórias, porventura
brilhante rememoração de factos notáveis, que de um
género retórico nunca elevaria a História á dignidade
de sciéncia. Enriquecia-se a memória, mas nem se
aprendia a compreender o passado, nem a reconstituí-lo
por meio de rigoroso processo crítico.
Outra tem sido a orientação na Faculdade de Letras
de Coimbra : o seu ensino da História tem ficado fiel,
sem prejuízo da particular feição de espírito de cada
professor, a estes caracteres :
3
34
A) objectivo, — Apoiando-se sempre que é pos-
sível na análise directa das fontes e indicando constan-
temente a bibliografia especial do assunto, toma mais
a feição de repensamento de determinado processus
lógico a que o professor convida os seus alunos, do
que a de um ensino dogmático. Não se dirige tanto a
fornecer uma doutrina feita, como a iniciar o discípulo
nos processos do trabalho scientífico. E antes uma
colaboração, ou talvez iniciação, que a exposição cate-
drática de resultados. Longe de atrofiar a iniciativa
intelectual do aluno, procura-se despertá-la, criando
quanto possivel vocações de investigadores.
B) crítico. — A crítica exerce-se em dois sentidos,
segundo o assunto e o professor, quasi sempre simul-
taneamente : a crítica dos documentos e a crítica dos
factos. Pela primeira estabelecem-se os factos, pela
segunda julgam-se. Entende a Faculdade que, posto
deva ( quanto possa ) excitar vocações de investigadores
pelo exercício da crítica heurística, não pode renunciar
a uma função de cultura, que não será plenamente
realizada sem a segunda — procurando saber, com-
preender e definir o sentido da evolução histórica.
C) atualizado. — Basta considerar os livros citados
nas diversas cadeiras e cursos, e os esforços na organi-
zação da biblioteca privativa. Se há ensejo, não se
desinteressa tão pouco o ensino das questões que
agitam a opinião : haja vista as lições que na cadeira
de História Medieval foram feitas, durante a guerra,
enaltecendo as conquistas do espírito latino nas origens
da nossa civilização e criticando o livro pangermanista
35
de Chamberlain, La génese du A7A'.*"'' siècle, como
consta dos registos respectivos.
Porque o ensino da História tem visado a ser um
ensino superior, não há razão para admirar que fique
antes intensivo que extensivo, como sucede nas Faculda-
des de Letras das Universidades estrangeiras. Fazer um
ensino extensivo na Faculdade seria reeditar inutilmente
o ensino secundário, com o inconveniente de ser ainda
mais . . . superficial, por menos largueza de tempo : em
vez de se criar sciencia, repetir-se ia sempre a anedocta
histórica (que é preciso conhecer, mas em que se não
pôde ficar) ; não se educariam possíveis aprendizes de
historiadores na severa disciplina do método histórico,
mas cultivar-se-iam superficiais declamadores ; o profes-
sor teria que esterilizar as suas aptidões de criação
pessoal para a sacrificar a um exclusivo trabalho de
memória.
O material de ensino. — Que o espirito do ensino
é o mais moderno, obedecendo a estes caracteres
apontados, é o que se conclui do material de ensino,
que é já hoje — em oito anos de vida, em que êle foi
criado ao mesmo tempo que tudo o mais ! — único no
nosso país. Apontemos sem comentários :
a) as notáveis colecções de mapas, modelos em
relevo, nomeadamente a reprodução do local onde se
feriu a batalha de Aljubarrota, etc.
Z>) o amplo salão de exercícios de investigação histó-
rica, dotado com todos os indispensáveis utensílios e
comodidades, anexo ao riquíssimo Arquivo da Univer-
sidade ;
36
c) as colecções paleográficas (história do alfabeto,
evolução ilustrada das diversas escritas nacionais, quadro
recentíssimo representando a história do escudo português
e brevemente reproduções numerosas de brasões armo-
riados ) que ornam as paredes da sala de paleografia ;
d) a galeria epigráfica, que, não sendo ainda o que
o seu organizador quer que seja — todo o Portugal
epigráfico — tem merecido os rasgados elogios de
Joaquim de Vasconcelos, Leite de Vasconcelos, David
Lopes, e quantos a visitam ;
e) a já iniciada (e todavia única no país) colecção
esfragística, com selos nacionais e estrangeiros, de
cera, chumbo e papel;
/) a colecção de numisipática romana é portuguesa,
que não será exagero classificar de importante, etc. etc.
Cs exercícios práticos. — Tem-se realizado todos os
géneros de exercícios que a lei orgânica da Faculdade
ordena — e estão arquivados os escritos. Na cadeira
de História de Portugal (que mais especialmente se
presta, com a de Paleografia) estes exercícios tem ver-
sado trabalhos originais de investigação — no Arquivo
da Universidade ou de história local. O pensamento
do professor é o de, alem de formar investigadores,
reunir os materiais da história da Universidade e refor-
mar a nossa história local. Por parte da Arqueologia,
algumas visitas a monumentos se tem promovido, ape-
sar de todas as dificuldades . . .
O trabalíw realizado. — ^^ Poderá exigir-se que
apresente já, neste pequeno decurso de tempo, uma
Faculdade a bem dizer ainda em formação, uma grande
37
lista de trabalhos ? E todavia a Faculdade de Letras
tem todo o orgulho em dizer ao País que tem realizado
o . . . impossível. Podem citar-se como estudos origi-
nais: — Do Dr. António de Vasconcelos, os já publi-
cados "na Revista da Universidade, a saber :
1) Brás Garcia de Mascarenhas (longo estudo bio-
gráfico ) ;
2) Um documento precioso (o diploma por êle des-
coberto da fundação da Universidade ) ;
3) Estabelecimento primitivo da Universidade em
Coimbra ;
4) D. Jorge de Almeida, bispo de Coimbra, 2° conde
de Arganil;
5) Visita do Marquês de Pombal a Universidade de
Coimbra ;
6) Origem e evolução do foro académico (publ. no
Boletim da Faculdade de Direito).
— Do Dr. Gonçalves Cerejeira, os dois volumes de
investigação e críticas sobre O Renascimento em Por-
tugal — Clenardoy e no Arquivo da Universidade a cata-
logação das Matriculas a ordens ( entre outros trabalhos
menores) que andavam dispersas e alcançam os anos
desde 1400 a 1657. — Dos alunos, em via de próxima
publicação, trabalhos de investigação, sobretudo no
Arquivo da Universidade, por exemplo : o mapa esta-
tístico da frequência da Universidade, entre a reforma
joanina (1537) e a pombalina (1772), distribuída em
quinquénios e por Faculdades ; um documentado estudo
sobre o Colégio dos Militares; e bastantes monografias
locais, algumas importantes.
38
O assistente de Geografia Amorim Girão (agora
gravemente doente) tem quasi pronta uma memória
de arqueologia pre-histórica da sua região de Vouzela,
que tem minuciosamente explorado, onde com riquíssi-
mos dados inéditos p©r ele desenterrados, se revela
incidentalmente o aproveitado aluno que foi da Facul-
dade, em Epigrafia, como de resto no mais . . .
Acrescentemos, apenas, algumas palavras sobre uma
sciéncia auxiliar da História — a Arqueologia. Nesta
disciplina tem-se chamado a atenção dos alunos para
alguns dos mais interessantes capítulos da arqueologia
grega: evolução das formas arquitetónicas e da orna-
mentação do templo grego, desde as construções
rudimentares do monte Ocha até à sumptuosidade do
Parthenon ; a habitação na época homérica e na época
histórica ; palestras, gimnásios, ágoras, hipódromos ; o
teatro ; o vestuário ; o mobiliário, etc.
V-SCIENCIAS GEOGRÁFICAS. [ Profs. Ferraz de Carvalho
e Tamagnini; Assistente — Girão],
Dentro duma secção com a historia, a geografia tem
tido na Faculdade de Letras o seu ensino organisado
pela forma seguinte :
a) Geografia física, curso semestral da Faculdade de
Sciencias. E regido no 1.» semestre com três lições
semanais e trabalhos práticos sob a direcção dum assis-
tente de sciencias geológicas.
b) Geografia geral, cadeira anual com duas lições
semanais.
39
c) Geografia política e económica, cadeira anual.
d) Geografia de Portugal e colónias, cadeira anual.
Pela reorganisação de julho de 1918, foi creado o
curso semestral de antropogrografia geral, que ainda
não foi aberto.
*
a) A frequência do curso de Geografia física é de
importância fundamental. Necessariamente terá que
transformar-se numa cadeira anual. Do seu programa
dependem os das restantes cadeiras.
Embora regido no primeiro semestre e com três
lições semanais, o tempo é demasiadamente escasso
para que se percorra o programa desenvolvendo igual-
mente as suas partes. Dada a sua importância o
professor procura em cada ano percorrê-lo todo, esco-
lhendo alguns assuntos para exposição mais minuciosa.
Merecem em geral mais atenção os estudos de clima-
tologia, diastrofismo e erosão.
No curso prático os alunos fazem exercicios sobre
coordenadas geográficas e projecções ; meteorologia
e climatologia; geotectónica e morfologia. O Museu
possue já algum material para estes exercicios : atlas
como os de Bartholomew e Perthes, colecções de cartas
geográficas e geológicas, as folhas da carta geral dos
oceanos do Museu de Mónaco ; modelos geotectónicos
elementares, colecção de modelos representando a tectó-
nica e as formas superficiais de certas regiões bem
estudadas de Jura, dos Alpes, etc, fragmentos do
modelo da Suiça, de Perron, modelos do Monte Branco,
de grande numero de regiões vulcânicas e certo número
40
de modelos de regiões portuguesas executados pelo
pessoal do laboratório, como os da bacia do Mondego,
incluindo a Serra da Estrela, do Maciço do Porto de
Moz e Serra de Aire, etcJ "
Os alunos teem feito e estudado numerosos perfis
longitudinais de rios, perfis de vales, de montanhas;
e, como base de estudos regionais, teem executado
sobre folhas das cartas topográficas portuguesas mode-
los, alguns tão perfeitos que não ficam mal num Museu.
Para grande número de estudos geográficos é intui-
tiva a utilidade dos modelos. Sobre ela insiste Davis
nalguns dos seus magistrais Geographical Essays.
b) Na cadeira de Geografia geral completa-se o
estudo analitico do curso de geografia física e entra-se
largamente no campo das sinteses geográficas.
Tendo que basear-se os estudos sintéticos na paleo-
geografia é indispensável fazer uma exposição elementar
das suas conclusões mais importantes.
As linhas fundamentais da fisionomia terrestre são
dependentes da existência de grandes regiões deprimi-
das, as bacias oceânicas e de grandes regiões elevadas,
os planaltos continentais. Expõem-se neste lugar as
teorias geomorfológicas que chamamos gerais, de Elie
de Beaumont, Lowthian Green, Ed. Suess, Lapworth.
Tem-se passado depois ao estudo dos blocos conti-
nentais e às relações diferentes entre eles e os Oceanos
Pacifico e Atlântico, salientando também o papel des-
empenhado pela depressão mesogea.
41
Faz-se o estudo da morfologia e morfogenia terres-
tre, baseando-o na consideração dos ciclos geográficos.
As formas terrestres são evolutivas, podendo agru-
par-se em duas grandes categorias os agentes da sua
evolução : internos — diastrofismo e vulcanismo j exter-
nos, agentes da erosão tomada no sentido geral. Anali-
sando-se tipos diversos de formas e respectiva evolução,
preparam-se elementos para a classificação das formas
num sistema natural como o de Passarge.
Faz-se depois aplicação do estudo geral ao dos blocos
continentais, dividindo-os nos seus elementos funda-
mentais em relação com a estrutura e relevo.
c) Desde os primeiros anos que o estudo da Geogra-
fia Política e Económica se tem enquadrado no da
Antropogeografia, da qual se tem apresentado os dois
aspectos : estudo das influências que as condições natu-
rais exercem sobre o homem ; estudo da acção do
homem como agente modificador da superfície.
A Antropogeografia de Ratzel e especialmente a
obra de Jean Brunhes tem sido estudados pelos alunos,
procurando-se desenvolver o gosto por esse novo ramo
de estudos geográficos e aproveitar as sugestõis para
um grande número de estudos interessantes de geogra-
fia regional portuguesa.
Problemas como os da emigração e colonização, as
relaçõis entre o Clima e a civilização e a actividade
humana, tem sido estudados com largueza.
42
Questõis como a da partilha da Africa não tem sido
esquecidas.
*
d) Na geografia de Portugal foram sempre larga-
mente estudadas a estrutura, o relevo e a orogenia de
Portugal. Os alunos tem sido levados a colaborar no
estudo do clima de Portugal, tomando como base os
elementos formados pelos poucos observatórios e pos-
tos meteorológicos do país.
Os rios portugueses; os aspectos dos nossos costas
marítimas; as regiõis naturais de Portugal são objecto
de número razoável de liçõis. Têm-se estudado um
certo número de questõis de geografia humana, como
as da distribuição, emigração, de exploração agrícola e
mineira.
*
•
O professor tem sempre combatido a união da Geo-
grafia com a História constituindo ambas uma das
secçõis da Faculdade. Mesmo na última reorganização
ficou o grupo de geografia apenas com três cadeiras e
um curso, enquanto o grupo de história tem cinco
cadeiras, das quais uma bienal, e oito cursos.
Os alunos são absorvidos pelos estudos históricos,
para os quais trazem preparação dos cursos secundários
e abandonam o estudo da geografia, para a qual
poderão trazer apenas a preparaçp.o em sciencias físicas
e naturais que corresponde ao curso geral dos liceus.
São evidentes as relações entre a geografia c a his-
tória, mas (será preciso repetir as frases de Davis)
43
« relaçõis da mesma ordem tem a botânica e a medi-
cina ». ^ « Pode o botânico contentar-se com ensinar a
sua sciéncia ou os elementos dela limitando-se ao que
basta saber a um herbanário ou a um médico ? » « Pode
um geógrafo contentar-se com a exposição da sua
sciéncia, tão breve quanto seja suficiente para atender
ás conexões com a história ? »
E preciso que se faça o ensino da geografia como
geografia.
Assim feito não pode aproveitar, nas condições
actuais de recrutamento de alunos, senão àqueles que
devotadamente consigam suprir a deficiência dos seus
estudos secundários de sciéncias físicas e naturais.
Para atenuar os efeitos dessa deficiência, em relação
á mineralogia e geologia, quasi sempre mesmo com-
pleta ignorância, vê-se anualmente o professor obri-
gado nas cadeiras de geografia geral ou geografia de
Portugal a sacrificar grande número de liçõis, minis-
trando os elementos daquelas sciéncias. Por seu lado
os assistentes de sciéncias e letras tem que mostrar aos
alunos exemplares dos minerais e rochas mais vulgares,
mas que de todo desconhecem.
Daqui resulta ser raro o aluno que estuda geografia
como deve fazel-o. Poucos se apresentam regular-
mente, nos seus exames, poucos executam exercícios
dignos de louvores. Por dificiéncias do ensino, certa-
mente, mas também como consequência da ligação com
os estudos históricos, de índole diversa, exigindo uma
preparação diferente. Os estudos históricos e geo-
gráficos conduzem por caminhos que num ou noutro
44
ponto se encontram, mas na maior extensão considera-
velmente se afastam.
Curso de Etnologia. — Começamos naturalmente
por acentuar o caracter essencialmente histórico-natural
desta disciplina, e por conseguinte o largo emprego
que noá estudos etnológicos se faz do chamado método
comparativo.
Afirmamos, e fazemos a demonstração que a Etno-
logia é um ramo da Antropologia, cujo objecto é
« o estudo de todos os problemas que se referem às
relaçõis recíprocas entre as diferentes raças humanas,
consideradas tanto sob o ponto de vista físico como
mental ».
Como a preparação naturalística dos alunos é mais
do que insuficiente ( apenas o 5.o ano do curso liceal )
insistimos sobre as noçõis de espécie, raça e variedade,
de modo que no seu espírito fique perfeitamente
radicada a significação exacta destes termos.
O problema da evolução humana constitue o objecto
fundamental do ensino ; o homem, como os outros
animais, teve uma evolução física e mental ; sam
analisadas minuciosamente as provas morfológicas,
paleontológicas e arqueológicas dessa evolução, e
estabelecido O esquema da genealogia humana, fazendo,
sempre que é possível, intervir todos os elementos
conhecidos referentes à península ibérica.
Passando do ponto de vista his*^órico, para a consi-
deração dos problemas respeitantes à actualidade étnica,
abordamos largamente a classificação das raças huma-
nas, com o auxílio dos critérios morfológico e linguís-
45
tico, determinando simultaneamente as relaçõis recí-
procas, tanto sob o ponto de vista físico como mental,
que existem entre os diferentes elementos étnicos que
é possível caracterizar com nitidez.
Habilitamos assim os alunos a formarem um juizo
seguro àcêrca do valor intrínseco dos vários agrupa-
mentos étnicos existentes, e a poderem apreciar e
prever o futuro a que naturalmente estam condenados.
As liçõis teóricas sam sempre acompanhadas das
respectivas práticas laboratoriais, onde os alunos se
iniciam nos métodos e técnica seguidos na observação
e estudo dos caracteres físicos mais importantes para a
Etnologia.
VI - SCIÉNCIAS FILOSÓFICAS. [ Prof. - Alves dos Santos;
Assistente — Joaquim de Carvalho ].
O ensino da filosofia não teve nunca um carácter
confessional ou livresco. O prof. e o assistente desta
secção, quaisquer que fossem as suas opiniõis — e não
são escolásticas, como o provam os seus trabalhos,
incutiram sempre aos alunos a mais ampla e criadora
liberdade, curando mais de lhes despertar o filosofar
que sugerir propriamente uma filosofia, exigindo-lhes
apenas probidade intelectual. A oposição das teorias e
dos sistemas era desenvolvidamente exposta, precisa-
mente para que o aluno, apercebendo-se da relatividade
e variabilidade dos problemas filosóficos e das suas
soluçõis, atingisse com plena independência mental essa
desobstrução do espírito, que é a dúvida metódica, e em
46
vez da satisfação do saber possuísse a actividade viril
do duvidar, corrigir e avançar o já sabido. Por isso a
iniciação nos métodos de investigação e correção, as
leituras e comentários de textos tinham um tão grande
logar na actividade docente desta secção. São do prof.
de Psicologia, ao tomar conta desta cadeira, as seguin-
tes palavras : «... Direi que, tanto na orientação do
ensino, que se professa nas aulas, como nas investiga-
çõis, que se realizam no laboratório, o fim que, d'ora
avante, me proporei, consistirá menos em subministrar
a sciência feita, facilmente assimilável pela leitura dos
livros, do que em iniciar os meus alunos nos métodos
scientíficoSy de cuja aplicação dependem os progressos
da psicologia.
Nesse intuito, tenho resolvido empreender, desde já,
por uma forma que possa aproveitar ao maior número,
uma série de trabalhos práticos, que sejam de natureza
a criar ou a desinvolver faculdades de iniciativa e de
espontaneidade intelectual, e a habituar os que estudam
a esse esforço obstinado, sem o qual nenhuma desco-
berta é possivel no terreno da sciência » (1).
Oito anos de magistério não desmentem estas pala-
vras : nas aulas teóricas, ausência de dogmatismo e de
um compêndio para o exame ; nas aulas práticas, no
laboratório de psicologia, demonstração e iniciação nos
(1) Cf. Alves dos Santos, Psicologia e Pedologia, (Uma missão de
estudo no estranjeiro ), in Revista da Universidade de Coimbra, vol. 11,
n.o 1, e reproduzido in O ensino primário em Portugal, (Porto, 1913)
do mesmo Prof.
47
processos scientíficos. Se nem todos os trabalhos dos
alunos tem valor scientífico, alguns há dignos de consi-
deração, acusando um processo de ensino e o esforço
dum professor (1).
Nos outros cursos da secção, na medida do possível,
a mesma atitude.
Em lógica, nenhum formalismo, e em vez de súmulas,
medievais ou modernas, os inquietantes e sugestivos
problemas do conhecimento, ensinados não só como
esfera particular da especulação filosófica, mas como
complemento dos estudos de psicologia.
Em Moral, dada a pequena duração do curso, versa-
va-se sobretudo o problema da obrigação moral, com-
prazendo-se o Prof. em solicitar a actividade dos alunos
para uma solução pessoal ou a adesão consciente a um
sistema, patenteando-lhes o valor cultural e humano dos
problemas éticos e a sua importância na democracia
portuguesa, dentre outros motivos, pela separação do
estado e das confissões religiosas.
Nas aulas práticas comentava-se Kant e Guyau, tes-
temunhando a probidade e o espírito que as orientava
os trabalhos de dois alunos em anos diversos : um, tra-
duzindo do original os Fundamentos da Metafísica dos
Costumes, do filósofo de Koenigsberg ; outro, o comen-
(1) Vid. o relatório do antigo aluno A. Freire de Matos sobre a
Medida da atenção, por meio dos tempos de reacção, pub. in Revista
da Universidade de Coimbra, vol. IV, n.o» 2-3. Aqueles trabalhos tem
versado principalmente sobre psicologia quantitativa e em especial
sobre a sensibilidade táctil, atenção, memória e trabalho mental.
48
tário de Buchenau — A doutrina kantiana sobre o
imperativo categórico.
Na História da Filosofia, expunham-se os problemas
filosóficos na sua origem e evolução, familiarizando-se
paralelamente os alunos com os textos, considerados,
não como fósseis, mas como estádios vivos do pensa-
mento humano.
Na filosofia helénica, comentaram-se, em face do
próprio original grego, alguns fragmentos dos ante-
Socráticos; e inquiriu-se da leitura e entendimento do
Fédon, Apologia de Sócrates, etc, de Platão.
Na filosofia medieval, estudaram-se em particular as
origens da escolástica e as suas primeiras manifes-
taçõis, comentando-se S. Justino, Origenes, Alcuino e
Escoto Erigena ; e na história da filosofia moderna,
expos-se largamente o período do renascimento, um
poíico por método, muito pela ampla lição de huma-
nidade e de actividade pessoal, que colhe quem entra
no seu convívio. Ultima cadeira do curso filosófico,
em vez de se expor o seu objecto em extensão,
estudava-se de preferência um período ou um filósofo,
para que os alunos apreendessem integralmente e sob
todos os aspectos um sistema filosófico, e na sua
intimidade colhessem uma lição viva do que é e repre-
senta para o homem a filosofia. Descartes foi, por exce-
lência, o filósofo comentado ; e do espírito de iniciativa
que alguns alunos acusaram rez? a tradução colectiva
dos Principios do conhecinienio humano, de Berkeley.
Será isto fossilizar o pensamento, escolastizar o
espírito, fazer apenas erudição livresca?
49
Não. A Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra, professando a existência duma sciéncia das
letras, de par que inicia os seus alunos no estudo
crítico da letra e do espírito dos textos, qualquer
que seja o seu conteúdo, procura igualmente des-
pertá-los para a cultura, aspirando que, na medida
das suas qualidades pessoais, uns criem, outros saibam,
mas que todos trabalhem com proba austeridade.
Todos os seus professores e assistentes, na sua acti-
vidade docente, tem o orgulho de só confiarem na
razão, de poderem atingir verdades úteis no domínio
das sciéncias morais e de contribuírem para a verda-
deira democratização da cultura, elevando as inteli-
gências médias, sem deniinuir a elite.
XII
Material de ensino e instalaçõis
da Faculdade
A Faculdade funciona desde a sua criação num
espírito de desenvolvimento e de progresso, que se
acentua diá a dia. Ainda até hoje nela se não fez uma
só lição, de que não ficasse o respectivo registo —
muito rápido, é claro, muito simples, mas o suficiente
para se ficar sabendo o que constituio o objecto da
lição em qualquer dia lectivo. Acabada a aula o Pro-
4
50
fessor redige imediatamente o seu boletim, que é trans-
crito para um Livro-registo, facultado aos alunos, sempre
que o desejam, sendo os originais arquivados cuidado-
samente.
Para conhecimento do público vão oportunamente
imprimir-se os sumários do último ano lectivo.
As liçõis dos Professores sam dadas em salas
amplas, arejadas, providas de excelente material peda-
gógico, mobiladas confortavelmente e elegantemente
segundo um plano, que nacionais e estrangeiros, que
as visitam, sam unânimes em elogiar. Merecem refe-
rências especiais a sala de História, com a sua soberba
colecção de mapas, o seu enorme globo, único talvez
em Portugal ; o salão anexo ao rico Arquivo da Uni-
versidade, onde trabalham os alunos de História^ de
Portugal, e os de Paleografia Diplomática ; as colecçõis
de Epigrafia, de Esfragistica e de Numismática, orga-
nizadas umas, outras em via de organização ; o Labora-
tório de Psicologia, já funcionando há anos debaixo da
direcção do Prof. Alves dos Santos, onde alguns
aparelhos, do mais perfeito acabamento, servem ás
experiências de Psicologia experimental dos alunos, sob
a direcção do respectivo Professor.
A Faculdade pôde orgulhar-se da sua Biblioteca, do
que ela é materialmente como instalação, e do que é,
por dentro, como instrumento e auxiliar de saber.
E amplo o salão onde a Biblioteca do antigo Colégio
universitário de S. Pedro foi instalada com todo o cui-
51
dado, de modo a nada alterar à sua fisionomia típica e
privativa, tal qual se fez na nossa Biblioteca Nacional
de Lisboa à Livraria do Varatojo. Esta Biblioteca é rica
em livros de Direito^ nos de História geral e eclesiástica,
de Literatura, possue alguns incunábulos, esplêndidas
ediçõis de autores portugueses, como D. António Cae-
tano de Sousa, e de estranjeiros, como uma edição das
obras latinas de Petrarca, raríssima, a Enciclopédia do
sec. XVIII, etc.
A este fundo acresceu modernamente por herança
da Faculdade de Teologia, a colecção completa e
integral da Patrologia Migne, a Grega e a Latina, que
faz o orgulho de qualquer Biblioteca do mundo, e
que supomos ser, tan^bém, como está, única no nosso
País.
Mas estes livros, aliás prestando ótimos serviços,
não seriam quase nada para nós, restritos no seu
âmbito como sam. Precisavam-se livros novos, moder-
nos, que preenchessem as lacunas necessariamente
existentes. Nessa tarefa andamos. Pouco a pouco, sob
o melhor critério, a biblioteca vai-se desenvolvendo em
duas novas salas. Acudio às mais urgentes necessida-
des a acquisição por compra da pequena, mas selecta,
livraria do falecido Prof. Carlos de Mesquita. Foi um
núcleo de livros ingleses e alemãis, que melhor se apre-
ciaram , quanto mais dificilmente se poderiam obter
durante o conflito europeo.
Algumas das secçõis da Faculdade teem Bibliotecas
privativas, por exemplo, a de Sciéncias filosóficas, que
já possue um núcleo de espécies apreciáveis.
52
Todos os livros estão cuidadosamente catalogados,
quer os modernos, quer os antigo^, num tríplice Catá-
logo, que demonstra o carinho com que esta particula-
ridade da vida da Faculdade, aliás essencial, é amoro-
samente tratada.
Teem assim professores e alunos alguns milhares de
volumes à sua disposição.
Na sala de leitura exclusivamente destinada ás senho-
ras que frequentam a Faculdade há também, seleccio-
nada, uma pequena colecção de livros, -nacionais e
estranjeiros, que nos intervalos das aulas e durante o
tempo em que a Faculdade está aberta, servem para
uma leitura, já útil, já meramente recreativa.
As obras do edifício, que progridem lentamente, não
deram ainda ensanchas para se preparar sala idêntica
para os alunos. E questão de tempo, que não vem
longe. Aí se instalará também uma Biblioteca privativa.
No grande salão de Museu, que funcionará sob a luz
ampla coada através dos vitrais, obra de A. A. Gon-
çalves, dominarão as reproduçõis de tudo que constitue,
nos Institutos similares aos nossos, as obras de Beleza,
como temas de estudo.
E começava a formar-se a galeria dos grandes génios
da Literatura nacional, já iniciada, nas telas de Sá de
Miranda e de Damião de Góes, devidas ao pincel de
António Carneiro.
53
XIII
Concluindo
Chegfado ao fim desta rápida exposição, todo o espí-
rito bem formado formulará algumas presuntas : —
porque foi toda esta perturbação, que alterou tam
profundamente a serenidade da vida escolar portuguesa ?
Quem é o responsável desta agitação, sem exemplo
entre nós, num período em que tanto se precisava de
tranquilidade, de paz, e de amor ao trabalho e às respec-
tivas profissõis de cada um ?
Acaso a Faculdade de Letras cometeu algum delito
contra as leis do País? contra a ordem social? contra
o regime e os governos da Nação? Instigou à revolta?
Deixou a sua missão de obreira da Sciéncia, para se
transformar numa taiba de malfeitores ? Que fez a
Faculdade ? Absolutamente nada, que explique tal
movimento, como se acaba de vêr.
A sua correcção em tudo é absoluta. Aconteceu-lhe
pura e simplesmente o mesmo que ao viajante, surpreen-
dido no ardor do seu caminhar por alcateia faminta de
lobos vorazes.
E a onda dos incompetentes, que avança. E a vasa,
é o ódio. A Universidade de Coimbra faz medo, assom-
bra, irrita. Chamam-lhe reaccionária, jesuítica ! . . . Não I
54
Não! O que a Universidade de Coimbra é — vê-o
bem quem olhar por cima da alcateia das feras ululantes
— um grande Instituto, onde a par da Sciéncia, se presta
culto à Honra, ao Dever, à Consciência e à Moral.
Falam em nome da liberdade os que a atacam. Mas
sam eles os déspotas, eles é que sam os prevaricadores
da Ordem e da Justiça. A Universidade honrou-se sem-
pre com a convivência dos espíritos mais notáveis
através de toda a história de Portugal. Será uma
grande sombra do Passado ? Será. Mas que diga a
própria história contemporânea, que diga onde foram
educados os homens que se tornaram os arautos das
novas formas de governar — a principiar nos próprios
Presidentes da República...
E a essa Escola gloriosa de Coimbra, que pertence-
mos. Este o nosso orgulho, de que ninguém, com
direito, nos esbulhará.
Com direito, oiçam bem !
Há leis neste país, há tribunais, há juizes. Se querem
demitir-nos, hão-de averiguar primeiro dos nossos actos.
Venha o inquérito ! interroguem bem, esquadrinhem
bem, chamem testemunhas, inquiram, analisem.
Temos livros — leiam-nos !
Somos velhos no ensino — prescrutem as nossas
liçõis !
Inquérito ! Há leis disciplinares para todos os fun-
cionários, apliquem-no-las.
Não pedimos favoritismos, nem queremos excepçõis.
Não nos aplicar leis que se aplicam até a criminosos
comuns, isto é que não pode ser, porque acima do
55
rancor mesquinho dos que se arvoram em déspotas, há
a consciência g^eral do Pais, que está do nosso lado, e
não se consentiria essa prepotência sem nome.
Hão-de sumir-se no pó do nada e do esquecimento,
os vaidosos, os petulantes, os odientos. A Universidade
ficará, sobranceira, indene, acrescida da força moral
desta luta. E ficará, porque está com o espírito da
Nação, com o Povo, que vê nela um dos seus títulos
de grandeza, e com a Raça, que se santifica com o
trabalho honesto e abomina os falsos políticos e os
aventureiros.
Nascida na g-loriosa era medieva, afrontou de plena
luz o Renascimento, atravessou o crepúsculo castelhano,
as invasõis, as lutas civis. Não lhe faltaram inimigos,
através da história. Mas . . . passaram I
Se os Tebanos . atravessassem o istmo, destruiriam
Esparta,
— Se..., respondeu o Lacedemónio lacònicamente.
Se estes homens conseguissem subverter a Naciona-
lidade, destruiriam a Universidade de Coimbra.
- Se...
respondemos nós.
Apênòices
Apênòice l;
*' Curricula vitae" dos Professores
e Assistentes
A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
tem actualmente no seu corpo docente os seguintes
Professores e Assistentes encarregados de regência,
♦ cujo curriculum vitae apresentamos, reduzido ás suas
linhas essenciais, para elucidação do País :
Dr. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos. —
Nasceu em S. Paio de Gramaços, concelho de Oliveira
do Hospital, a 1 de junho de 1860. Matriculou-se no
l.o ano da Faculdade de Teologia em outubro de 1878;
tendo perdido o ano por doença, abriu nova matrícula
em 1879, e fez a sua formatura em junho de 1884.
O curso teològico-jurídico, de que fez parte, era excepcio-
nalmente distinto, deixando na Universidade tradições
gloriosas. Muitos dos seus alunos teem ocupado e
ocupam com brilho elevadas posições sociais. Dele
•
(4)
saíram para o professorado universitário quatro douto-
res: António de Vasconcelos, Francisco Martins, e
Porfírio da Silva para a Faculdade de Teolog-ia ;
Manoel Dias da Silva para a de Direito. Obteve
durante o curso o doutor Vasconcelos o segundo
prémio no l.o ano, as honras de Accessit no 2.o ano,
e o primeiro prémio nos três anos restantes. Fez
exame de licenciatura e recebeu o respectivo grau a
21 de fevereiro de 1885 ; teve o acto de conclusões
magnas a 12 de maio de 1886, realizando-se a soleni-
dade do doutoramento a 27 de junho seguinte ; obteve
a classificação de muito bom com 18 valores.
Despachado lente substituto a 26 de maio de 1887,
tomou posse a 1 de junho, e foi promovido a catedrá-
tico a 11 do mesmo mês. Desde o dia da sua posse
de substituto, regeu sucessivamente várias cadeiras,
vindo por fim a fixar-se na primeira de Estudos bíblicos,
(Isagoge e Arqueologia), em que se conservou até à
extinção da Faculdade de Teologia.
Criada pelo Governo provisório da República uma
Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra por
Decreto com força de lei de 19 de abril de 1911, nela
foi colocado o doutor Vasconcelos como professor
ordinário por Decreto de 17 de junho do mesmo ano.
Na sessão inaugural do Conselho da nova Faculdade,
a 29 de julho, foi eleito director por um triénio, sendo
esta eleição confirmada pelo Governo a 4 de novembro
seguinte. Reeleito duas vezes, a 20 de julho de 1914
e a 21 de junho de 1917, tem dirigido ininterrupta-
mente a Faculdade.
(5.)
Reg^eu a princípio as cadeiras de Filologia portuguesa,
e de História antiga ; actualmente rege História de
Portugal, e os cursos de Epigrafia, Paleografia e
Diplomática.
Nos termos da lei foi-lhe conferido o grau de
doutor em Letras (secções de Filologia românica, e
de Sciéncias históricas e geográficas) a 1 de julho
de 1916.
Em 1897 foi encarregado, por Despacho ministerial
de 21 de maio, de organizar o Arquivo da Universi-
dade e proceder à sua catalogação. Pelo Decreto
n.o 4 de 24 de dezembro de 1901, art.os 155-160 foi o
Arquivo, então já organizado, elevado à categoria de
estabelecimento universitário. Pouco depois o Decreto
de 6 de maio de 1902 nomeou-o seu director.
Tem-lhe sido cometidas por vários Governos algumas
comissões especiais de serviço de instrução, cheias de
dificuldades e de melindres.
Por duas vezes foi reitor do Liceu central de
Coimbra, em circunstâncias bastante difíceis ; e os
serviços que ali prestou, ainda não foram esquecidos.
E sócio correspondente da Academia das Sciéncias de
Lisboa, da Real Academia de la História de Madrid, e
de outros institutos scientíficos.
O doutor António de Vasconcelos, além da sua
variada cooperação em revistas literárias do país e do
estrangeiro, tem publicado numerosas monografias,
memórias e estudos, destacando as obras seguintes :
— De divortio, quatenus sociali progressui adversatur
(Dissertação para o doutoramento) — Coimbra, 1886.
(6)
— Pluralização da linguagem (Dissertação de con-
curso) — Coimbra, 1887.
— Faculdades de Teologia. — Coimbra, 1890.
— D. Isabel de Aragão (Estudo de investigação
histórica, em 2 volumes com estampas) — Coimbra,
1894.
— Viriatho (Um capítulo da história da Lusitânia) —
Coimbra, 1894.
— Ayres de Campos (Elogio histórico de um bene-
mérito; com um retrato) — Coimbra, 1895.
— Francisco Suárez — Doctor eximias (Comemora-
ção tricentenária da incorporação do grande mestre no
professorado da Universidade de Coimbra, com dois
retratos e numerosos fac-similes). — Coimbra, 1897.
— Gramática portuguesa — Paris, 1899.
— Gramática histórica da língua portuguesa — Paris,
1900.
— Universidade de Coimbra. — Alguns documentos
do Arquivo — Coimbra, 1901.
— Notas e dados estatísticos para a história da
Universidade de Coimbra — Coimbra, 1901.
— Real Capela da Universidade (Apontamentos e
notas para a sua história; 1 vol. com estampas) —
Coimbra, 1908.
— Nota chronològico-bibliográfica das Constituições
diocesanas portuguesas (com 2 estampas) — Coimbra,
1911.
— Faculdades de Letras (Lição inaugural na aber-
tura solene da Universidade de Coimbra) — Coimbra,
1912.
(7)
— Um documento precioso (Notícia e descrição do
diploma original de fundação da Universidade portu-
guesa em 1290; com estampas) — Coimbra, 1912.
— Estabelecimento primitivo da Universidade em Coim-
bra (com estampas) — Coimbra, 1912.
— ' D. Jorge de Almeida (Alguns apontamentos para
a sua biografia; com estampas) — Coimbra, 1916.
— Reinos cristãos da península hispânica (Tabela
cronológica) — Coimbra, 1917.
— Origem e evolução do foro académico privativo da
antiga Universidade portuguesa — Coimbra, 1917.
— Brás Garcia de Mascarenhas ( Estudo de inves-
tigação histórica, em 2 volumes, com estampas) —
Coimbra, no prelo.
Dr. J. Mendes dos Remédios. — Nasceu em
1867. l.a matricula na Universidade 1888-1889. Licen-
ciado a 15 de fevereiro de 1894. Acto de Conclusões
Magnas a 6 e 7 de março de 1895. Doutoramento a
28 de abril de 1895. Concurso em Dezembro de 1895.
Despacho de Professor a 4 de janeiro de 1896. Director
da Biblioteca da Universidade desde 1900 até 1913.
Reitor eleito da Universidade desde 1911 até 1913.
2.a vez Reitor eleito desde março de 1918 até 20 de
maio de 1919. Bibliotecário da Faculdade de Letras,
desde 29 de julho de 1911. Vogal eleito do Conselho
Superior de Instrução Pública, como representante das
Faculdades de Letras de Coimbra e de Lisboa, desde 1
(8)
de julho de 1913; Secretário do Conselho de Arte e de
Arqueologia da 2.a Circunscrição, onde publicou a
Exposição dirigida pelo Conselho de Arte e Arqueologia
de Coimbra á Camará Municipal sobre a Quinta de
Santa Cruz (1913).
Dirige desde 1898 a colecção Subsídios para o estudo
da Historia da Literatura Portuguesa, atualmente com
21 volumes publicados. O l.o vol. da Colecção foi o
Auto do Fidalgo Aprendiz de D. Fr. Manoel de Melo;
o vol. 21 .o, saído dos prelos há poucos meses, intitula-se
Obras de Fr. Agostinho da Cruz conforme a edição
impressa de 1711 e os Códices manuscritos das Biblio-
tecas de Coimbra, Foi to e Évora. Nessa Colecção apa-
receram as Obras completas de Gil Vicente com largo
estudo de introdução; a ed. dos Lusíadas; alguns
inéditos, entre eles o Códice de Madrid contendo a
Vida do Infante Santo, outros raríssimos como a Con-
solação ás tribulações de Israel de Samuel Usque,
Coimbra, 1906, etc, etc. ; Os Judeus Portugueses em
Amsterdam, Coimbra, 1911 ; Introdução á Historia da
Literatura Portuguesa, 3.» edição, 1911 ; Filosofia ele-
mentar, 2.a edição, 1916.
Na revista O Instituto publicou : Giordano Bruno
(1892); Bilqis, rainha de Sabá (1895); As Cartas de
Abgaro, rei de Edessa (1895), etc.
Organizou a Colecção de Numismática da Biblioteca
da Universidade, sobre que publicou o opúsculo Moedas
romanas, Coimbra, 1905 ; criou o gabinete dos Cimélios,
dos quais descreveu Uma Biblia Hebraica, (1903) e as
Horas de Nossa Senhora, (1906); organizou um Gabi-
(9)
nete de Super-libros e Ex-libris e fundou e dirigiu desde
1901 até 1912 o Arquivo Bibliográfico da Biblioteca da
Universidade de Coimbra ; remodelou os serviços de
Catalogação, sobre que publicou os trabalhos precisos,
estabelecendo também relações com os Institutos
nacionais e estrangeiros, etc. Em 1903 publicou as
Cartas inéditas de D. Pedro V, com largo estudo sobre
esse monarca.
Tem colaboração em diferentes revistas e jornais
sobre assuntos de carater literário e publicou mono-
grafias e opúsculos diversos. Na La Reitoria fundou a
Revista da Universidade de Coimbra (1912) e publicou
a Universidade de Coimbra perante a Nova Reforma
dos Estudos (1913). Na Faculdade de Letras regia
História da Literatura Portuguesa, em dous cursos,
e acidentalmente a cadeira de Lingiia Hebraica.
Dr. Augusto Joaquim Alves dos Santos. —
Nasceu em 14 de outubro de 1866. Formou-se em
Teologia em 1898. Doutorou-se em 1900. Obteve o
primeiro despacho para o magistério em 25 de janeiro
de 1901. Extinta a Faculdade de Teologia, foi colo-
cado na Faculdade de Letras, na secção de Sciéncias
Filosóficas, onde criou o Laboratório de Psicologia
Experimental. Em 1912 foi enviado em missão scientífica
ao estrangeiro, havendo seguido na Suiça o curso do
Prof. Claparède. E professor da Escola Normal Superior
e Director da Biblioteca Central da Universidade. Regia
(10)
na Faculdade de Letras, os cursos de Psicologia,
Lógico, História da Filosofia antiga e medieval,
e a cadeira de História Moderna e Contemporânea.
Tem publicado até hoje, entre outros trabalhos : A nossa
Escola Primária, O ensino Primário em Portugal, O cres-
cimento da criança portuguesa, e destinado ao ensino
secundário, o manual. Elementos de Filosofia Scientí-
fica.
D. Carolina Michaèlis de Vasconcelos. —
Nasceu em 15 de março de 1851 em Berlim. Seu pai,
c professor Dr. Gustav Michaèlis, morreu em 1895; sua
mãe, perdeu-a ela ainda muito nova.
Dos sete aos dezaseis anos frequentou a Luisenschule
de Berlim, exercendo a maior influência no seu espírito
o professor Dr. Karl Goldbeck. Em poucos anos se
distinguiu notavelmente, sobretudo no conhecimento
das línguas, sendo a primeira que aprendeu a espa-
nhola, que aos 14 anos ela compreendia perfeitamente.
Em 1868 publicou — Erlàuterung zu Herders Cid^ em
Leipzig- (1).
Vieram, a seguir, os estudos das línguas afins e
depois, alargando e completando, os das línguas
orientais, o sânscrito, e o árabe. Na sua casa de
Berlim, entre os irmãos, um dos quais, Carlos Teodoro,
era professor, e uma irmã — Henriqueta, autora dum
(1) É o vol. 15 da Bihliothek der deutschen Nationalliteratur.
(11)
Dicionário Português- Alemão — entre as pessoas amigas,
Carolina Michaêlis de Vasconcelos era a menina
sabedora e prodigiosamente erudita, mas simples,
simpática e afável, como sempre o foi.
Em 1876 apareceu o seu livro importantíssimo de
linguística — Studien zur romanischen Wortschòpfung,
Leipzig, no mesmo ano em que ligava, pelo casamento,
os seus destinos aos de Joaquim de Vasconcelos, o
erudito arqueólogo, que todos admiramos.
Na Norddeutsche Allgemeine Zeitung, de Berlim, de
17 de maio de 1877, escrevia por ocasião do apareci-
mento desta obra o Dr. Eduard Engel : <^ in demselben
lahre, in welchem Diez, fur die Wissenschaft ewig zu
friih uns entrissen wurde, erchien das besprochene
Werke von Frau Michaêlis-Vasconcelos ; sie trit da mit
wiirdig in die Fusstapfen ihres grossen Vorbildes und
ist vielleicht dazu bçrufen, in vielen Beziehung seine
geistige Erbschaft anzutreten > (1). Deste período por
diante a ilustre escritora não fez mais do que avançar
na senda dos conhecimentos, dando-nos, de vez em
quando, já em livros, já em revistas, o produto das
suas locubrações, sempre acolhidas com alvoroço.
Não há dúvida de que a sr.a D. Carolina é uma
mentalidade superior, verdadeiramente excepcional, a
que as mulheres teem razão em erguer o seu nome por
entre os maiores elogios, exclamando como esta sua
compatriota alemã : « Wir deutschen Frauen . . . durfen
(1) O artigo do Dr. Engel saiu em folhetim sob o título : FAne
deutsche Romanistin.
(12)
mH Stolz sagen: Diese Frau, gleich hochstehend ais
Mensch, Gaitin, Mutter und Gelehtte: Sie ist unser » (1).
Professora da Faculdade de Letras de Lisboa, pediu
a sua transferência para a Universidade de Coimbra.
Este requerimento foi acolhido com entusiástica satisfa-
ção pelo Conselho da Faculdade de Letras coimbrã, e
realizado o despacho, tomou a Senhora D. Carolina
posse com singular solenidade a 19 de janeiro de 1912.
Sendo doutorada em Filosofia pela Universidade de
Friburgo, a Faculdade de Letras de Coimbra honrou-se
conferindo-lhe a 1 de julho de 1916 o grau de doutora
em Letras. *
Algumas das suas obras mais importantes :
Uma obra inédita do Condestavel D. Pedro de Por-
tugal. (Extrato de Homenaje á Menendez y Pelayo,
Madrid, 1899), 96 pags.
Lais de Bretanha. Capítulo inédito do Cancioneiro
da Ajuda. (Separata da Revista Lusit., VI, Porto, 1900),
43 pags.
Pedro de Andrade Caminha. Extrato da Révue his-
panlque, VIII, Paris, 1901, 117 pags.
Zum Sprichwôrterschatz des Don Juan Manuel. ( Son-
derabdruck aus Bausteine zur romanischen Philologie ;
Festgabe fur Adolfo Messafia). Halle, 1905, 16 pags.
Algumas palavras a respeito de púcaros de Por-
tugal. Separata do Bulletin hispanique, VII, 1905,
pags. 140-196.
(1) Vld. Die Frau Monatschrift fiir cias gesamte Frauenleben
unserer Zçit, 1.» ano, fase. II, agosto de 1894, pag-. 718.
(13)
As capelas imperfeitas e a lenda das devisas gregas.
Porto, MDCCCCV, 14 pags. -\~ A gravs.
Lucius Andreas Resendius Lusitanas. Extrato do
Archivo Histórico Português, III, Lisboa, 1905, 22 pags.
Lucius Andreas Resendius^ inventor da palavra « Lusia-
das ». Separata do Instituto, LII, Coimbra, 1905, 16
pags.
Contribuições para o futuro dicionário etimológico das
linguas hispânicas. Separata da Revista Lusitana, XI,
Lisboa, 1908, 62 pags.
Investigações sobre sonetos e sonetistas portugueses
e castelhanos. Extrato da Révue hispanique, XXII, New
York, 1910, 121 pags.
Estudos sobre o romanceiro peninsular^ romances
velhos em Portugal. Extrato da Cultura Espanola,
Madrid, 1907-1909, 368 pags.
Geschichte der portugiesischen Litteratur. In Grun-
driss der romanischen Philologie, De Grõber, II-2, 1894.
Randglossen zum altportugies. Liederbuch in Zeits-
chrif fiir romanische Philologie, desde 1896 em deante.
Poesias de Francisco de Sá de Miranda. Edição feita
sobre cinco manuscritos inéditos. Halle, 1885, 949 pags.
Cancioneiro da Ajuda. Edição crítica e comentada.
Halle, 1904, 2 vols. publicados (falta o terceiro).
W. Storck — Vida e obras de Luis de Camões, versão
anotada, l.o vol., Lisboa, 1897.
A Infanta D. Maria de Portugal e as suas Damas»
Porto, 1902, 123 pags.
Os LusladaS' Edição crítica com Introdução. (Biblio-
theca Românica, 10-14). Strasburgo, 1904.
(14)
Mestre Giraldo e os seus tratados de alveitaria e
cetraria. Separata da Rev. Lus., 1 vol., Lisboa, 1911.
Notas Vicentinas (in Revista da Universidade de
Coimbra), etc. etc.
Dr. José Joaquim d'Oliveira Guimarães. —
Nasceu em 5 de abril de 1877. Formou-se em Teo-
logia em 1899. Doutorou-se em 1901. Obteve o l.o
despacho para o magistério em 1902. E' professor na
Escola Normal Superior. Na Faculdade de Letras rege as
cadeiras de Língua e Literatura, grega e latina. Tem publi-
cado até hoje os seguintes trabalhos, além de vários
artigos em revistas nacionais e estrangeiras sobre assun-
tos de filosofia e pedagogia : De Morali responsabili-
tate, Origens do Episcopado, A personalidade moral.
Publicou vários discursos. Foi fundador, organizador, e
é Director do Colégio Moderno, sito em Coimbra.
Dr. Eugénio de Castro e Almeida. — Nasceu
em Coimbra a 4 de março de. 1869; diplomado pelo
Curso Superior de Letras, Sócio da Academia das
Sciéncias de Lisboa, da Real Academia de Espanha e
da Academia Brasileira de Letras, Professor da Escola
Industrial e Comercial Brotero, da Escola Normal Supe-
rior e da Faculdade de Letras ( secção de Filologia
românica) da Universidade de Coimbra. Tomou posse
(15)
do logar de professor da mesma Faculdade em 13 de
novembro de 1914, e nela tem regido as cadeiras de
História da lingua e literatura francesa, Historia das
literaturas espanhola e italiana e Arqueologia. Recebeu
o grau de Doutor em Letras ( secção de Filologia româ-
nica ) a 1 de julho de 1916.
Tem publicado as seguintes obras :
Cristalizações da Morte (18S4).
Canções de Abril {ISS4.).
Jesus de Nazaré th ( 1885 ).
Per umbram {1881).
Horas tristes (1888).
Oaristos (1890-1900).
Horas (1891-1912).
Silva (1894-1911).
Interlunio (1894-1911).
Belkiss (1894-1910).
Tiresias (1895).
Sagramor (1895).
Salomé e outros poemas (1896-1911).
A Nereide de Harlem ( 1896).
O Rei Galaor(lS91).
Saudades do Céo ( 1899).
Constança (1900).
Depois da Ceifa ( 1901 ).
Poesias escolhidas ( 1902).
O melhor retrato de João de Deus ( 1905).
A sombra do Quadrante (1906).
O Anel de Polycrates ( 1907 ).
A Fonte do Sátiro ( 1908).
(16)
Poesias de Goethe (1909).
O Filho pródigo (1910).
Noticia histórica e descriptiva dos principais objectos
de ourivesaria existentes no Tesoiro da Sé de Coimbra,
de colaboração com A. Gonçalves (1911 \
Guia de Coimbra (1916).
O Cavaleiro das mãos irresistíveis (1916).
O P.'^ Francisco Suarez em Coimbra (1917).
Muitas destas obras estão traduzidas em espanhol,
francês, italiano, inglês e alemão.
Dr. António José Gonçálvez Guimaràis. — Nas-
ceu em Tavira a 13 de junho de 1850. Matriculou-se
no l.o ano das Faculdades de Matemática e de Filosofia
em outubro de 1870. Formou-se em Filosofia em 1874,
tendo frequentado, simultaneamente com o 5.o ano desta
Faculdade, o l.o ano médico (anatomia, e fisiologia
geral ).
Obteve durante o seu curso as classificações de
accessit, prémio e partido. F^ez a sua Licenciatura a
22 de fevereiro de 1873 ; o acto de conclusões magnas
a 14 de junho de 1876; intituíando-se a dissertação
inaugural — « Estudos sobre a especialização das raças
dos animais domésticos > ; doutorou-se a 2 de julho
deste último ano.
Escreveu a dissertação de concurso sobre as teorias
da electrolise. O seu despacho de lente substituto tem
a data de 28 de fevereiro de 1877, e o de catedrático
(17)
é de 27 de novembro de 1879. Nomeado vice-reitor
da Universidade a 11 de agosto de 1900, entrou em
exercício a 17 do mesmo mês, vindo a ser exonerado,
a seu pedido, e em termos muito honrosos, por decreto
de 23 de maio de 1902.
E doutor em Letras, secções de Filologia clássica e
de Filologia românica.
Regeu várias cadeiras na antiga Faculdade de Filo-
sofia ; na actual de Sciéncias está colocado na secção
de Sciéncias històrico-naturais, grupo de Sciéncias geo-
lógicas. Na Faculdade de Letras é professor de Filologia
clássica e de Língua e literatura latina.
Foi reitor do Liceu central de Coimbra, onde prestou
inolvidáveis serviços.
Tem colaborado em várias revistas scientíficas, tanto
nacionais como estranjeiras, escrevendo artigos de
sciéncias naturais e filológicas. Das suas obras que
existem publicadas destacamos as seguintes :
— O Grego em Portugal — História do estudo desta lin-
gua em Portugal, e demonstração da sua utilidade como
preparatório para as sciéncias naturais. — Coimbra, 1893.
— Elementos de Geologia, para o ensino nos Liceus.
- Coimbra, 1895 (2.a ed. 1897).
— Tratado elementar de Mineralogia, adoptado como
compendio na Universidade. — Porto.
— Tratado de cristalografia geométrica. — Encontra-
se publicada a l.a parte, compreendendo os processos
gerais de cálculo cristalográfico.
— Elementos de Gramática latina pelo método histó-
rico e comparativo. — Coimbra, 1900 (2.a ed. inteira-
6
(18)
mente refundida, e acomodada aos actuais programas
da 4.a e 5.a classes dos Liceus, Coimbra, 1907).
— Primeiro curso de latim, pelos profs. Hiram Tuell
e Harold North Towler, acomodado às classes portu-
guesas, e consideravelmente ampliado pelo DR. A. J.
GONÇÁLVEZ GUIMARÃES. — Coimbra, 1904.
— Curso de Mineralogia e Geologia, segundo os
novos programas dos Liceus. Em 3 fascículos : 1. Noções
de Geologia ; — II. Elementos ; — III. Princípios. —
Coimbra, 1907.
— Táboas de Kobell para a determinação dos mine-
rais por via química. Tradução portuguesa ampliada
com uma sinopse tassionómica dos minerais e várias
tabelas anexas. — Coimbra, 1910.
— Ensino normal primário. — Elementos de Mine-
ralogia, Petrologia e Geologia. — Coimbra, 1910.
— Breviário da pronúncia normal do latim clássico,
e rudimentos de métrica latina. — Coimbra, 1913.
Dirige além disso a publicação das Jóias literárias,
em edição esmeradíssima conforme à edição princeps
de cada uma das obras, juntando-Ihes prefácios, índices
vários e minuciosos, e trabalhos originais, que lhes
aumentam o valor. Acham-se publicadas as obras
seguintes :
I. Crónica do Príncipe D. João, de Damião de Gois
(1 vol.).
II. Cancioneiro geral, de Garcia de Resende (5 vols.).
III. Os Lusíadas, de Luís de Camões (1 vol.).
(19)
Dr. Anselmo Ferraz de Carvalho. — Nasceu
em Tondela a 14 de dezembro de 1878. Matriculou-se
no l.o ano das Faculdades de Matemática e de Filo-
sofia em outubro de 1895. Concluiu a sua formatura
nesta última Faculdade em 1899, com a informação
final de Muito bom, depois de obter elevadas classifi-
cações durante o curso. Fez exame de Licenciatura e
recebeu o respectivo grau a 7 de abril de 1900. O acto
de conclusões magnas realizou-se a 30 de março de 1901;
para ele publicou a dissertação — Fenómenos magneto-
ópticos. Doutorou-se na secção de sciéncias físico-
químicas a 5 de maio de 1901.
Para o concurso ao magistério compôs a dissertação
— Equilíbrios químicos. Tem a data de Iz de julho
de 1902 o decreto que o nomeou Lente substituto,
sendo promovido a catedrático por decreto de 28 de
outubro de 1903.
Nos primeiros tempos do seu professorado regeu o
curso de Análise química, dirigindo os respectivos
trabalhos de laboratório. Passou depois para a secção
de Sciéncias geológicas, regendo primeiro as cadeiras
de Mineralogia e Petrologia, e actualmente as de
Geografia e Geologia.
Publicou em 1909 a primeira edição do seu livro —
Geografia geral elementar, destinado aos cursos com-
plementares dos Liceus.
Na Faculdade de Letras acha-se encarregado da .
regência das cadeiras de Geografia.
(20)
Em 1912 foi em missão scientífica estudar a organi-
zação do ensino da Geografia e da Geologia a alguns
dos mais notáveis meios scientíficos estranjeiros.
Estre os seus estudos mencionaremos um, publicado
na Revista da Universidade de Coimbra com o título —
Modernas idêas sobre a acção ígnea, e outro que saiu
na Revista da Sociedade Broteriana, sobre as Rochas
de S. Tomé, incluído no estudo geral desta ilha, feito
pelo Dr. Júlio A. Henriques.
DR. Eusébio TAMAGNINI. — Professor de Antropo-
logia e Zoologia dos Vertebrados na Faculdade de
Sciéncias, de Metodologia das sciências naturais na
Escola Normal Superior e de Etnologia na Faculdade
de Letras.
Nasceu em Tomar a 8 de Julho de 1880 ; matri-
culou-se no l.o ano da antiga Faculdade de Filosofia
em outubro de 1898, tendo completado a sua forma-
tura no ano lectivo de 1901-1902 com a informação
final de M. B. 18 valores.
Fez exame de licenciado e recebeu o respectivo grau
em 23 de dezembro de 1903; fez acto de conclusões
magnas a 16 de julho de 1904 e recebeu o grau de
doutor a 17 do mesmo mês. Foi nomeado, precedendo
concurso, professor substituto da secção de sciências
histórico-naturais da referida Faculdade em 4 de feve-
reiro de 1905.
(21)
Por alvará de 17 de outubro de 1906, foi nomeado
professor provisório do Liceu Central de Coimbra,
onde prestou serviço até ao fim do ano lectivo
de 1910-1911.
Foi escolhido, em sessão conjunta das Faculdades
de Letras e de Sciéncias, para Professor de Metodologia
das sciéncias naturais da Escola Normal Superior.
Foi duas vezes eleito Vice-Reitor da Universidade,
em Assembleia Geral dos Professores.
Publicou as segfuintes dissertações académicas:
Fitometria — Aplicação do método estatístico ao
estudo da evolução orgânica.
Mecânica do sistema sanguíneo dos vertebrados.
Psicologia feminina,
E autor dum Tratado elementar de Botânica, oficial-
mente aprovado para o ensino desta sciência nos
Liceus, e de monografias e estudos de carácter antropo-
lógico na Revista da Universidade de Coimbra e no
Movimento Médico,
João Maria Tello de Magalhães Collaço. —
Nasceu em Lisboa a 4 de março de 1893. Concluiu
a formatura em Direito em 1913 com a informação
final de « M. B. », 18 valores. Fez concurso para a
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra em
fevereiro de 1915. Despachado assistente por decreto
de 6 de março de 1915. Promovido a professsor
(22)
extraordinário em 1916 e a professor ordinário em
1918. Na Faculdade de Direito, tem regido Direito
administrativo e Direito dos cultos. Por despacho
ministerial de 26 de março de 1915, e sob proposta
do Conselho da Faculdade de Letras, encarregado da
regência do curso de História das religiõis na referida
Faculdade.
Tem publicado até hoje, alem de outros, os seguintes
trabalhos :
Um ensaio de registo civil entre nós em 1834 (1914).
Concessõis de serviços públicos (1914).
Ensaio sobre a inconstitucionalidade das leis no direito
português (1915).
A Constituição e o Quorum (1916).
O regimen de separação (1919).
Dr. José SiMÕIS Neves. — Nasceu em Ceira, con-
celho de Coimbra, em agosto de 1888. Concluiu a
formatura em Letras em 1914. Doutorou-se em 1916
com a classificação de Muito Bom (18 valores). P^oi
nomeado assistente provisório da l.a secção (Filologia
Clássica) em 1916. Regeu na Faculdade as cadeiras de
Filologia Portuguesa e Latim medieval e bárbaro.
Professor de Latim e Português na Escola Nacional
de Agricultura.
(23)
Tem publicado até hoje as dissertaçõis de Doutora-
mento e Concurso, intituladas — A Estrofe Lírica, e
Origem da Poesia Rítmica.
DR. Joaquim de Carvalho. — Nasceu na Figueira
da Foz em 1892. Formou-se em Direito em 1914 e em
Letras, secção de Filosofia, em 1915. No ano lectivo
de 1916-17 foi nomeado assistente provisório, dirigindo
as aulas práticas de História da Filosofia Antiga, de
História da Filosofia Moderna, e de Moral. Doutorou-se
em fevereiro de 1917 com a classificação de M. B. (19
vai. ), escrevendo a dissertação António de Gouveia e o
Aristotelismo da Renascença — Vol. I -- António de
Gouveia e Pedro Ramo, (Julho de 1916).
Em setembro de 1917 apresentou no Congresso de
Granada uma memória sobre A teoria da verdade e do
erro nas « Disputationes Metaphysicae » de Francisco
Suárez. ( Publ. in Revista da Universidade de Coimbra,
vol. VI, n.os 1 e 2).
No ano lectivo de 1917-18 foi-lhe confiada a regên-
cia do curso teórico e prático de História de Filosofia
Moderna e, desde janeiro de 1919, a cadeira de História
Geral da Civilização. Em outubro de 1918 apresentou a
dissertação de concurso á assistência — Leão Hebreu, Filó-
sofo. (Para a História do Platonismo no Renascimento).
No actual ano escolar (1918-19) regeu os cursos
teóricos e práticos de História da Filosofia Moderna, e
de Moral, e a cadeira de História Geral da Civilização.
(24)
Dr. Carlos Simões Ventura. — Nasceu em 1893,
em Coimbra. Foi aluno da Faculdade de Letras de
Lisboa de 1911 a 1913, e da Faculdade de Letras
de Coimbra de 1913 a 1915. Bacharelou-se neste ano
de 1915 em Filologia Clássica e doutorou-se em 1917,
apresentando e defendendo a dissertação intitulada —
Tácito, Vida de Júlio Agricola. Obteve a classificação
de M. B. (19 valores). E assistente desde 1916, tendo
dirigido os cursos práticos de Grego, Latim e Filologia
Clássica, e regendo ultimamente as cadeiras de Grego
Elementar e Filologia Românica.
Dr. Manuel Gonçalves Cerejeira. — Nasceu em
1888. Frequentou as Faculdades de Teologia e Direito,
tendo-se formado na primeira, e doutorou-se em Letras
(secção de sciéncias históricas e geográficas) com a
classificação de Muito bom com 20 valores.
Formado em Letras em outubro de 1916, foi nomeado
assistente provisório do 4.» grupo por decreto de 11
de Novembro do mesmo ano — começando logo a
reger a cadeira de História Medieval. No presente
ano lectivo de 1918-1919 foi mais encarregado da
regência de História Antiga e de Propedêutica Histó-
rica.
E arquivista-paleógrafo do Arquivo da Universi-
dade, onde tem realizado trabalhos de investigação.
(25)
Apresentou como dissertações respectivamente para
o seu Doutoramento e Concurso os dois volumes sobre
O Renascimento em Portugal. — Clenardo, 1917 e 1918.
Ferrand Pimentel de Almeida. — Matriculou-se
na Faculdade de Letras em 1912, tendo concluído a
sua formatura em 1916 com a informação de M. B.
(19 valores). Nomeado assistente provisório em 1916
para a 3.» Secção ( Filologia germânica ), sendo desde
logo encarregado da regência das cadeiras de Filologia
germânica e Lingua e Literatura inglesa. No ano
lectivo de 1916-1917 regeu por algum tempo, no impe-
dimento da Prof. Snr.a D. Carolina Michaélis de Vas-
concelos, duas das cadeiras de Literatura alemã. Em
outubro de 1918 foi-lhe confiada a regência do curso
de Literatura espanhola e italiana. Publicou como
dissertação para o acto de Doutoramento O Sentimento
da Natureza no Fausto de Goethe.
João da Providência Sousa Costa. — Nasceu
em 1893 na cidade de Viana do^Castelo. Formou-se
em 1916, com a classificação de M. B. (18 valores).
Foi despachado assistente provisório em 1916. Rege
ha três anos duas cadeiras de Lingua e Literatura
inglesa, e bem assim regeu, durante algum tempo, uma
(26)
cadeira de Língua e Literatura alemã, no impedimento
da professora Dr.a D. Carolina Michaêlis de Vascon-
celos.
Dirige as aulas práticas das cadeiras que rege, e da
de Lingua e Literatura Alemã II.
Publicou como dissertação de doutoramento o tra-
balho : A Balada — A Balada Popular — A Balada
Artística Alemã.
Aristides de Amorim Girão. — Nasceu em Fataun-
ços, concelho de Vouzela, em 1895. Realizou a sua
primeira matricula na Faculdade de Letras em outubro
de 1912, e concluiu em 1916 a formatura na secção de
Sciências históricas e geográficas com a classificação
final de Muito bom com 18 valores.
No ano lectivo de 1916-1917 seguiu com grande
assiduidade o curso geral de Mineralogia e Geologia do
Dr. Gonçálvez Guimarãis. Coligiu neste ano grande
parte dos materiais para o trabalho que tenciona apre-
sentar para o seu exame de doutoramento : — Estudo
geográfico da bacia do Vouga.
Nomeado assistente provisório para o grupo de
Sciências geográficas por decreto de 8 de fevereiro de
1918, foi-lhe confiada a regência da cadeira de Geo-
grafia política e económica.
Publicou um trabalho com o título : -— A Geografia
moderna — Evolução — Conceito — Relação com as
outras sciências. — Coimbra 1918.
(27)
John OPIE. — Súbdito inglês, bacharel formado na
Faculdade de Artes pela Universidade de Cambridge
no ano de 1884, ascendeu depois ao grau de Magisier
Artium na mesma Universidade. Dedicou-se ao ensino
secundário em diversos colégios, leccionando prin-
cipalmente as linguas modernas, francesa e alemã.
Completou os seus conhecimentos dessas linguas em
frequentes visitas aos países respectivos. Obteve notas
distintas em provas públicas de francês, alemão, espa-
nhol e português. Pela Faculdade de Letras da Uni-
versidade de Coimbra, devidamente autorizada pelo
Governo, foi em 1912 contratado professor dos cursos
práticos de conversação e redacção em inglês. E pro-
visoriamente professor dos cursos práticos de alemão*
MaRIUS RiQUIER. — Nasceu em 1881, em Bettembos
(Somme). Foi, com autorização do Governo, contra-
tado pela Faculdade de Letras de Coimbra para a
regência dos cursos práticos de conversação e redac-
ção em francês, a 9 de janeiro de 1919. Possui os
seguintes títulos scientíficos :
Baccalauréat de l enseignenient secondaire classi-
que (Lettres — Philosophie) — Faculte des Lettres de
Lille (1899).
— Licence-ès-lettres (mention Philosophie) — Faculte
des Lettres de Lille (1902).
é
(28)
— Diplome de Sciences Physiques — Faculte des
Sciences de Lille (1903).
— Diplome dEtudes Supérieures de Philosophie (suget
de these: « La philosophie sociale de Spinoza ») —
Faculte des Lettres de Paris (1908).
Exerceu o magistério no « Lycée Français » de Salo-
nica (1904-1906) e exerce-o actualmente na Escola
Nacional de Agricultura, de Coimbra, desde 1912.
Apênòice 2."
Documentos
Decreto que reformou a secção de Filosofia
Atendendo a que no quadro das disciplinas que cpnstituem o
6.0 grupo das Faculdades de Letras das Universidades de Lisboa e de
Coimbra faltam matérias indispensáveis ao aperfeiçoamento e expansão
da alta cultura intelectual no domínio das sciências filosóficas ;
Em nome da Nação, o Governo da República Portuguesa decreta,
e eu promul|fo, para valer como lei, o seguinte :
Artigo 1." As disciplinas que constituem o 6.° grupo, sciências
filosóficas, das Faculdades de Letras das Universidades de Lisboa e
de Coimbra são as seguintes :
Matemáticas gerais — ( cadeira anual ).
Física geral — ( cadeira anual ).
Química geral — ( cadeira anual ).
Biologia — ( cadeira anual ).
Sociologia — (cadeira anual).
Psicologia — ( cadeira anual ).
Curso prático de psicologia — ( curso anual ).
Teoria da experiência ( sciência, arte, moral ) — ( cadeira anual ). .
Metafísica — ( cadeira anual ).
História da filosofia antiga — ( cadeira anual ).
História da filosofia medieval — ( curso semestral ).
História da filosofia moderna e contemporânea — ( cadeira anual ).
Curso prático de história da filosofia ( leitura e interpretação de
textos ) — ( cinco semestres ).
(30)
Art. 2.° O quadro dos professores do 6." grupo é aumentado de
dois professores ordinários.
§ único. O primeiro provimento definitivo das vagas que fiquem
existindo no quadro dos professores deste grupo poderá ser feito nos
termos do artigo 55." do decreto com força de lei n." 4:554, de 6 de
Julho de 1918, ou livremente pelo Governo, devendo neste caso as
nomeações recair em pessoas de reconhecida competência scientífica.
Art. 3.0 A fim de ocorrer aos encargos resultantes do aumento do
quadro dos professores das Faculdades de Letras das Universidades
de Lisboa e de Coimbra, durante o ano económico corrente, serão
utilizadas as disponibilidades necessárias das dotações inscritas no
capítulo 5.0, artigo 32.» da tabela orçamental autorizada para o ano
económico de 1918-1919, reforçada pelo crédito aberto pelo decreto
com força de lei n.o 4:985, de 31 de Outubro de 1918, com aplicação
ao pagamento de vencimentos e gratificações do pessoal docente dos
estabelecimentos de ensino universitário.
Art. 4.0 Constituem habilitação para a matrícula na secção de
sciências filosóficas os cursos complementares de letras ou de
sciências dos liceus.
Art. 5." O Governo regulamentará o presente decreto, determi-
nando quais as disciplinas que devem constituir o plano de estudos
da secção de sciências filosóficas.
Art. 6. o Este decreto entra imediatamente em vigor e revoga toda
a legislação em contrário.
Determina-se portanto que todas as autoridades, a quem a execução
do presente decreto com força de lei pertencer, o cumpram e façam
cumprir e guardar tam inteiramente como nele se contêm.
Os Ministros de todas as Repartições o façam publicar. Paços do
Governo da República, 2 de Maio de 1919. — JOÃO DO CaNTO E
Castro Silva Antunes — Domingos Leite Pereira — António
Joaquim Granjo — Amílcar da Silva Ramada Curto — António
Maria Baptista — Vítor José de Deus de Macedo Pinto — Xavier
da Silva Júnior — Júlio do Patrocínio Martins — João Lopes
Soares — Leonardo José Coimbra — Augusto Dias da Silva —
Jorge de Vasconcelos Nunes — Luís de Brito Guimarães.
(31)
Decreto de nomeação de professores
Tendo em vista o disposto no decreto n.» 5:491, de 2 de Maio
de 1919;
Usando da faculdade que me confere o n.^ 4.° do artigo 47.'^ da
Constituição Política da República Portuguesa : hei por bem decretar,
sob proposta do Ministro da Instrução Pública, que sejam nomeados
para o 6.° grupo ( sciências filosóficas ) das faculdades de letras das
Universidades de Coimbra e de Lisboa os seguintes professores
ordinários :
Francisco Romano Newton de Macedo e Lúcio Alberto Pinheiro
dos Santos, para a Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra.
Amadeu de Almeida Rocha e Manuel de Sousa Coutinho Júnior
para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
O Ministro da Instrução Pública assim o tenha entendido e faça
executar. Paços do Governo da República, 2 de Maio de 1919. —
João do Canto e Castro Silva Antunes — Leonardo José
Coimbra.
Representação da Faculdade de Letras-
contra os Decretos anteriores
Ex.f"o Senhor Ministro da Instrução.
A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, tendo
tomado conhecimento do Decreto n.» 5:491, publicado no Diário do
Governo de 2 de maio corrente com o propósito, como nele se
afirma, de remediar a falta, que se notava no quadro das Faculdades
de Letras, de matérias indispensáveis no aperfeiçoamento e expansão
da alta cultura intelectual no domínio das sciências filosóficas, ficou
desde essa hora sobresaltada com esse imprevisto documento, e
resolvida a proceder segundo os ditames, que a consciência e o dever
impõem, só esperando a complementar regulamentação desse diploma,
anunciada no artigo 5.o do mencionado Decreto. »
(32)
Mas como este regulamento, aliás urgente em matéria de tanta
ponderação, não apareceu até hoje, a Faculdade de Letras da Univer-
sidade de Coimbra não pôde, nem quere, adiar por mais tempo o
propósito de levar ao conhecimento de V. Ex.» a extranheza e mágua
causadas pela leitura do aludido Decreto.
A Faculdade não pretende apreciar o Decreto sob os múltiplos
aspectos em que ele poderia ser encarado. Não é aqui o logar, nem
a oportunidade. A Faculdade quere tam somente referir-se a consi-
derações de ordem pedagógica, únicas, que poderiam ter inspirado
esse documento. E, sendo assim, como explicar, a pouco mais dum
mês do termo do ano lectivo, a publicação desse Decreto, remode-
lando uma secção completa do quadro das Faculdades de Letras, sem
se ouvirem os respectivos Professores dessas Faculdades ? Se o ano
vai terminar brevemente, se não ha alunos, nem ha possibilidade de
matrícula, como pôr em prática a doutrina do Decreto já no ano
corrente ? Se foi para atender a uma imperativa necessidade scien-
tífica, dificilmente se explicará a exclusão de matérias mais intima-
mente relacionadas com as especulações filosóficas, que algumas das
que figuram com larga representação e como privativas do quadro.
Se estas considerações são razoáveis, como se nos afigura, a
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra ousa pensar que a
sua colaboração, se fosse solicitada, só auxiliaria os bons propósitos
de V. Ex.'"*, servindo simultaneamente os altos interesses do ensino.
Mas a sua colaboração não só não foi solicitada, como nem sequer
lhe foi dado conhecimento prévio do importante diploma, a que vimos
aludindo. Tal atitude só pode ser interpretada como um profundo
agravo feito á Faculdade.
E' tendo essa demonstração, injusta e imerecida, partido do próprio
Ministro da Instrução, até V. Ex.^ levamos desassombradamente a
razão do nosso protesto como cidadãos amantes do nosso País, como
professores ciosos das nossas responsabilidades, e, acima de tudo,
orgulhosos da nossa Universidade, a que pertencemos e em que
fomos educados.
E, se a Faculdade lamenta não ter podido colaborar com V. Ex.a
na remodelação do quadro das sciéncias filosóficas, maior motivo de
(33)
reparo tem por não ser ouvida quanto á designação das pessoas
nomeadas pelo Decreto de 2 do corrente. Claro que não se trata da
legalidade das nomeações. Esta está assegurada pela doutrina do
Decreto citado, n.» 5.491. Mas, tratando-se de professores, que
amanhã ingressarão na Faculdade, porque não observar com ela, pelo
menos, a simples deferência duma consulta 7
Exige o Decreto que sejam pessoas de reconhecida competência
scientifica ; mas o facto é que os professores da Faculdade laboram
no mais profundo desconhecimento dos méritos dos nomeados,
tornando-se, por isso, indispensável que lhes tivesse sido dada notícia,
pelo menos, dum simples curriculum vitae para sua elucidação. Nestes
termos recorrer á nomeação directa, pura, simples, formal, sem pro-
posta, nem consulta da Faculdade, pode ter precedente com que sç
abone, mas «não se nos afigura a mais conforme com os interesses do
ensino, o prestígio da Universidade, e o bom nome dos próprios
agraciados.
A Faculdade de Letras de Coimbra apresentando, pois, com a
maior sinceridade, os seus reparos á doutrina do Decreto n.» 5^491 e
a sua profunda estranheza pela forma por que, em relação a Coimbra,
começou a ter execução, resolve vir junto de V. Ex.* requerer a
imediata suspensão do mencionado Decreto n.» 5.491 de 2 de maio
corrente, bem como a daquele que proveu os dous logares de
professores por êle criados, isto até que aquele Decreto seja subme-
tido á consulta das Faculdades de Letras.
Foi votado por unanimidade o presente protesto pelo Conselho da
Faculdade de Letras de Coimbra, na sessão ordinária de 14 de maio
de 1919, segundo consta da respectiva acta, da qual por deliberação
do mesmo Conselho se extraiu esta cópia, para ser enviada ao Ex."™*»
Ministro da Instrução.
Está conforme.
Coimbra, 15 de maio de 1919. O Secretário, (a) Dr. EuGENIO DE
Castro e Almeida.
(34)
Decreto demitindo de Reitor o Dr. Mendes dos Remédios
Tendo o Conselho da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra resolvido por unanimidade, que a Faculdade estranhasse ao
Governo o facto, aliás autorizado por lei, de terem sido nomeados
para professores do 6.° grupo da Faculdade de Letras de Coimbra
duas pessoas não conhecidas dos seus professores ordinários e assis-
tentes sem que previamente lhes tivesse sido comunicado documento
provativo da competência e honorabilidade dos escolhidos pelo
Governo, este documento é o que chamam curriculum vitae, e que
em consequência desta falta do Governo e também pela Faculdade
considerar o decreto com força de lei n.o 5.491 de 2 de maio corrente,
incompleto e contrário aos bons princípios pedagógicos, pedisse a
suspensão do dito decreto até ser ouvida e sobre ele dar parecer a sua
consulta ;
Considerando que a acta desse referido Conselho da Faculdade,
que este pediu fosse oficialmente comunicada ao Governo, está
redigida em termos desrespeitosos e ofensivos aos professores
recentemente nomeados ; e
Considerando que, sem dúvida em resultado dessa atitude tomada
pelos professores da Faculdade de Letras, os alunos da mesma Facul-
dade se reuniram em assembleia magna e dirigiram directamente ao
Ministro da Instrução Pública, em 15 de maio corrente, uma represen-
tação em termos inconvenientes pedindo a revogação imediata do
decreto n.o 5.491 e a daquele que nomeou os novos professores ;
Considerando que a atitude do professorado da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra constitui um acto de intencional
indisciplina, agravada da consequente provocação á rebelião dos alu-
nos, o que tudo é digno de censura, devendo o Governo tomar opor-
tunamente as necessárias medidas pa*"a que se não repita ; e
Considerando, finalmente, que do dito Conselho da Faculdade de
Letras faz parte o Dr. Joaquim Mendes dos Remédios, reitor da
Universidade de Coimbra, o qual, por motivo de terem sido suspen-
sos alguns professores da Faculdade de Direito, voluntariamente
(35)
declarou ao Governo considerar-se também suspenso das suas fun-
ções reitorais, em virtude do que foi nomeado um reitor, interino, da
absoluta confiança da República, como a lei autorizava, se bem que a
lei também autorizasse a nomeação, também definitiva, que se não fez
por deferência para com o reitor que fora eleito pelo professorado
universitário de Coimbra ; mas
Considerando também que essa qualidade de reitor que ainda não
fora retirada ao Dr. Joaquim Mendes dos Remédios mais agrava as
responsabilidades deste acto de ihdisciplina e incorrecção da Facul-
dade de Letras da Universidade de Coimbra para com o Governo ;
Por todas estas circunstâncias ; e
Usando da faculdade que me confere o n.o 4.» do artigo 47.o da
Constituição Política da República Portuguesa :
Hei por bem decretar, sob proposta do Ministro da Instrução Pú-
blica, que o Dr. Joaquim Mendes dos Remédios seja demitido do
logar de Reitor da Universidade de Coimbra e nomeado, definitiva-
mente, nos termos do decreto n.o 5:229, de 11 de março do corrente
ano, para o referido cargo, o actual reitor, interino, bacharel formado
em Direito, Joaquim Coelho de Carvalho, antigo presidente da Aca-
demia das Sciéncias de Lisboa,
O Ministro da Instrução Pública assim o tenha entendido e faça
executar. — Paços do Governo da República, 19 de Maio de 1919.
(Diário do Governo, 21 maio 1919, ii série, n.° 116).
Decreto desanexando a Faculdade,
da Universidade de Coimbra
Atendendo à conveniência do ensino e especialmente considerando
que das Faculdades de Letras de Coimbra e Lisboa é que saem os
diplomados que se destinam ao professorado liceal, completando a
sua habilitação nas escolas normais superiores :
Convindo que quem se destina ao ensino secundário — que neste
é que se forma o carácter dos alunos e porque não pode ser bom
educador quem não tenha conhecimento prático da vida — siga os
seus estudos superiores num meio social em que as mais variadas
manifestações da actividade se exerçam ;
(36)
Considerando que a cidade de Coimbra é um meio essencialmente
universitário, vivendo o professorado e corpo docente da Universidade
como que insulados no seu trabalho especulativo, literário ou scientífico ;
Considerando que, sendo as condições sociais da cidade do Porto
de mais larga actividade que a de Coimbra, convêm que na Universi-
dade do Porto haja uma Faculdade de Letras ;
Considerando que, a Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra tem orientado, embora notavelmente, a cultura dos alunos
de modo a darem preferência à erudição livresca sobre as especula-
ções originais do espírito moderno, manifestando-se na filosofia reve-
lada nas obras dos seus principais professores e alunos laureados
uma quási completa orientação tomista de forma escolástica:
Em nome da Nação o governo da República Portuguesa decreta,
e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte :
Art. Lo E desanexada da Universidade de Coimbra a Faculdade
de Letras, criada em substituição da extinta Faculdade de Teologia,
e colocada na Universidade do Porto.
Art. 2.0 Poderá o governo colocar na disponibilidade os professo-
res da Faculdade de Letras extinta por este decreto quando assim o
julgue conveniente.
§ Lo O governo poderá aproveitar os serviços dos professores
colocados nesta situação na direcção de investigações literárias,
bibliotecas eruditas ou quaisquer comissões de estudo ou presidência
de exames.
§ 2.0 Aos professores colocados na situação de disponibilidade em
virtude deste artigo será abonado o respectivo vencimento de cate-
goria sendo-lhes também abonado o vencimento de exercício quando
sejam incumbidos dos serviços a que se refere o § L»
Art. 3.0 Aos professores da língua e literatura francesa e da cadeira
de estética e história da arte na Faculdade de Letras na Universidade
de Coimbra, é-lhes facultado ficarem fazendo parte do professorado
da Faculdade Técnica de Coimbra, criada por este decreto, ou do
professorado da de Letras, do Porto, contanto que optem por um dos
lugares, no prazo de 15 dias, a contar da data do presente decreto
que entra desde já em vigor.
(37)
Art. 4.0 Os alunos que no presente ano lectivo completem as
suas frequências para exame de terminação de cursos deverão vir
fazel-os na Faculdade de Letras de Lisboa. Os outros alunos que
tenham as suas frequências completas mas que não terminem o curso
são dispensados de exame.
Art. 5.0 E criada na Universidade de Coimbra uma Faculdade
Técnica.
§1.0 Anexa à Faculdade Técnica haverá uma escola de Belas
Artes.
§ 2.0 Fica o g-ovêrno autorizado a publicar o plano de estudos e
regulamentos necessários para a execução deste artigo.
Art. 6.0 O edifício onde está instalada a Faculdade de Letras da
Universidade de Coimbra, será entregue à reitoria da mesma Univer-
sidade para nele serem instaladas as Escolas Normal Superior e a de
Belas Artes, criada pelas disposições do § 1.° do art. 5.°
Art. 7.0 Para execução das disposições do presente decreto, fica o
governo autorizado a abrir sem dependência da lei de 29 de abril de
1913, os créditos especiais necessários.
Art. 8.0 Fica revogada a legislação em contrário.
Determina-se portanto que todas as autoridades, a quem o conhe-
cimento e a execução do presente decreto com força de lei pertencer,
o cumpram e façam cumprir e guardar tam inteiramente como nele
se contêm.
Paços do Governo da República, 10 de maio de 1919. — (Seguem
as assinaturas do Presidente da República e dos Ministros).
( Decr. n." 5.770 iii Diário do Governo, 10 maio 1919, l."^ série, n.° 98, 14.° suple-
mento. (listi'ibní(.lo em Coimbra a 28 do maio ).
Excerpto da acta da última sessão do Conselho
da Faculdade de Letras
Sessão extraordinária de 23 de maio de 1919
Nesta altura da sessão foi recebido o seguinte ofício do Ex."^»
Reitor da Universidade : — « Universidade de Coimbra — Reitoria —
L.o 7 n.o 42 — Ex.mo Sr. Director da Faculdade de Letras — Tendo
(38)
sido desanexada desta Universidade de Coimbra, por um decreto com
força de lei, a Faculdade de Letras de que V. Ex.^ é Director, e colo-
cada na Universidade do Porto ; e sendo mandada pôr logfo em vigor
esta nova lei ; cumpre-me informar V. Ex.a de que esta Reitoria deixou
de considerar o corpo docente e os alunos, que o são exclusivamente
dessa Faculdade, como fazendo parte da Universidade de Coimbra.
— E' portanto com a autoridade administrativa, à qual igual comuni-
cação fiz, que V. Ex.a terá de tratar tudo o que lhe fôr necessário
para poder dar cumprimento ao citado decreto com força de lei, excepto
no que se refira à entrega dos bens do Estado em posse da Faculdade
de Letras, agora transferida desta Universidade de Coimbra para a
do Porto ; porque para este serviço da recepção, que por lei me
compete, nomearei os meus delegados. — Saúde e Fraternidade.
— Paço das Escolas, em 22 de maio de 1919. — O Reitor (a)
Joaquim Coelho de Carvalho ».
Lido este ofício, mandou-se buscar o Diário do Governo, que aca-
bara de chegar do correio, e viu-se então o Suplemento onde vem
pubHcado o Decreto n.» 5:770, de 10 de maio de 1919, que des-
anexava da Universidade de Coimbra a sua Faculdade de Letras.
Tomando conhecimento do referido decreto, e dos considerandos
que o precedem, o Conselho resolveu fazer inserir nesta acta o voto
e declaração final, que segue :
« O Conselho Escolar desta Faculdade, pela última vez reunido,
toma a peito deixar bem claramente expressa nesta acta a sua estu-
pefacção perante a letra de tal decreto, que nem pelos seus conside-
randos, nem pelas suas disposições, encontrará aplauso, ou justificação
sequer, no mundo culto. Julgando e condenando o ensino desta Facul-
dade, sem dele haver previamente inquirido, dispondo aliás de todos
os meios para esse efeito, exprobrando na sua orientação aquilo que
constitui o seu mais natural predicado, extinguindo-a, e mutilando
assim a gloriosa e florescente Universidade de Coimbra, sem outro
verdadeiro motivo que não fosse a atitude do Conselho da Faculdade,
na defesa digna e respeitosa dos únicos princípios que, segundo as leis
vigentes, as Universidades teem por conformes ao prestígio da sua
missão — o Governo desatendeu inteiramente o direito de defesa que
(39)
às corporaçõeSjComo aos cidadãos, a Constituição reserva, e puniu até
o exercício do direito de petição, de que a Faculdade usou em termos
cuja dignidade e acerto a Universidade e a Nação hão de julgar.
Sobre o agravo nesta hora recebido, o Conselho Escolar da Faculdade
de Letras da Universidade de Coimbra sente principalmente ver assim
amputada esta grande Universidade, na qual renasceu no ano de 1911.
E pois à face dela e da Nação que, tendo vivido e ensinado com honra
pelo espaço de oito anos, a Faculdade de Letras pode proclamar, e
tem o dever de proclamar, na hora em que é extinta, que jamais traiu
o pensamento ou a inspiração com que na Universidade foi fundada ».
Resolveu-se que o Ex.i"» Director enviasse imediatamente à Reito-
ria um ofício nos termos seguintes : — « Ex.»"» Sr. Reitor da Uni-
versidade de Coimbra. — Em resposta ao ofício de V. Ex.» n.» 42,
liv. 7, de hoje, tenho a declarar a V. Ex.^ que me não cabe fazer
comunicação alguma à autoridade administrativa, quanto à execução
do decreto que desanexou da Universidade de Coimbra a Faculdade
de Letras, e por isso me limito a aguardar a chegada dos delegados,
cuja vinda V. Ex.^ anuncia para procederem á recepção dos bens
do Estado em posse da Faculdade. Unicamente espero ser avisado
da hora da sua chegada. — Saúde e Fraternidade. — Coimbra, 23 de
Maio de 1919. — O Director da Faculdade de Letras (^ssmaíura) ».
Como terminou neste momento a acção administrativa do Conselho
da Faculdade de Letras, deu-se ordem ao encarregado das obras
para despedir todo o pessoal operário nelas empregado, e ao encar-
regado da contabilidade para fazer o pagamento dos salários e dos
fornecimentos da corrente semana até hoje, sexta feira, e para encer-
rar imediatamente as contas. Suspendeu-se a sessão durante duas
horas afim de se executarem estas deliberações, e para se lavrar a
presente acta até esta altura.
Reaberta a se$são, o Ex.i"o Director apresentou ao Conselho as
contts das despesas feitas com a obra do edifício e mobiliário respec-
tivo, desde 1 de abril último (pois já haviam sido aprovadas as con-
tas anteriores, na sessão ordinária de 5 de abril) até hoje 23 de Maio,
na importância de 1.940$88, e notou-se que, tendo-se dispendido nos
(40)
anos anteriores, desde que a obra principiou em 1912, e no corrente
ano até 31 de Março, a quantia de 81.064$17,6, a despesa total feita
até hoje com a construção do edifício da Faculdade fica sendo de
83.005$05,6. Existe em cofre um saldo da verba orçamental de
1.898$10. Foram estas contas analisadas com os respectivos docu-
mentos e unanimemente aprovadas.
Em seguida apresentou também o Ex.i"» Director as contas da des-
pesa feita pelas forças das restantes verbas orçamentais, desde 1 de
Julho de 1918 até à data presente, em face do livro respectivo e do
processo documentado com os recibos autênticos. Verificou-se o
seguinte. — Pessoal: Da verba orçamental n.o 1 de 182$50, dispen-
deram-se 167$20 e restam em saldo 15$30; da verba n.o 2 de 100$00
foram dispendidos 91 $63, restando 8$37; a verba n.o 3 de 50$00, e
a n.o 4 de 10$00 esgotaram-se ; da n.o 5 de 36$50 dispenderam-se
33$30 e restam 3$20; a n.o 6 d^70$77 esgotou-se. — Material: —
Da verba n." 1 de 1.000$00 gastaram-se 138$16, e restam 861$84 ; -a
n.» 2 de 60$00 esgotou-se; da n.« 3 de 400$00 estão dispendidos
393$11 havendo em saldo 6$89 ; da n." 4 de 400$00 dispenderam-se
398$70 e existem 1$30; da n." 5 de 112$00 estão gastos 100$50 e há
em saldo 11$50; da n." 6 de 161$86 há dispendidos 127$08, e em
saldo 34$78. Foram estas contas aprovadas também por unanimidade.
Como esclarecimento se declara que a verba orçamental para as
obras de construção do edifício da Faculdade foi no corrente ano
económico de 10.614$20, que se levantou integralmente do cofre da
Universidade para se realizarem os pagamentos. Havia porem do
ano antecedente o saldo de 6.434$34, que com a verba orçamental do
corrente ano prefaz a quantia de 17.048$54. Desta quantia dispende-
ram-se até 31 de março 13.209$56, e de 1 de abril até hoje 1.940$88,
o que prefaz a quantia gasta de 15.150$44, havendo portanto neste
momento no cofre da Faculdade o saldo supramencionado de 1.898$10,
que foi presente com o respectivo balancete ao Conselho.
Por último o Ex.n^o Director propôs, e o Conselho resolveu, consi-
gnar nesta acta um voto de louvor ao pessoal da Secretaria e ao pes-
soal menor pelo zelo e dedicação com que teem desempenhado os
serviços que lhes incumbem.
(41)
E nada mais havendo a tratar, foi encerrada a sessão, de que se
lavrou a presente acta, logo aprovada, que eu, Eugénio de Castro,
secretário, subscrevo.
(Seguem-se as assinaturas ),
(Livro das Actas, foi. 139 verso e seguintes).
Telegrama dirigido ao Ex.*"^ Presidente da República
pelo Conselho da Faculdade de Letras
a 21 de maio.
Ex.>"o Presidente da República portuguesa. — Lisboa.
O Conselho da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
reunido hoje, tendo notícia, pelos jornais, da publicação anunciada de
um decreto contendo censura à Faculdade, taxando de incorrecto e
indisciplinado o seu procedimento pelo facto de haver representado
ao snr. Ministro da Instrução Pública, acerca da reforma da secção de
sciências filosóficas e nomeação de professores sem conhecimento,
voto ou consulta do Conselho, pede licença a V.» Ex.» para exprimir
a sua surpreza e profunda mágua j>or haver sido assim capitulado o
facto de a Faculdade ter exercido, em termos dignos e correctos,
como é próprio da honorabilidade de todos os seus membros, o
direito de representação, que com efeito dirigiu ao Snr. Ministro da
Instrução Pública, e onde concluiu por pedir a suspensão dos
referidos diplomas até que fossem submetidos à consulta da Faculdade.
Em face do exposto, o Conselho da Faculdade de Letras da Univer-
sidade de Coimbra resolve usar, uma vez mais, deste direito, e agora
junto de V.^ Ex.^», a quem solicita a sua criteriosa atenção para o
documento que enviou.
O Director da Faculdade, (a) Dr. AnTÓNIO DE VASCONCELOS.
Moção do Senado da Universidade de Coimbra
O Senado da Universidade de Coimbra examinou atentamente a
acta da sessão do Conselho da Faculdade de Letras de 14 do corrente,
(42)
que deu lugar ao decreto de censura à mesma Faculdade, bem como
ao decreto n.o 5:770 que a dexanexou, embora se dê a curiosa ano-
malia de este decreto ser de data anterior à daquela sessão ; ponderou
devidamente todos estes factos e circunstâncias assim como as suas
possíveis consequências ; e :
Considerando que a representação extraída daquela acta traduz o
legítimo uso do direito de petição a todos garantido pela Constituição
Política da República ;
Considerando que a atitude da Faculdade de Letras, longe de se
filiar em quaisquer intuitos desrespeitosos ou ofensivos, apenas obe-
deceu — como se diz na acta — a considerações de ordem pedagógica
e só teve em vista defender os interesses do ensino e autonomia das
Faculdades, tal como está consagrada no Estatuto Universitário ;
Considerando que a doutrina afirmada pela Faculdade de Letras
relativamente à nomeação extraordinária de Professores é a única
compatível com a dignidade e o prestígio do Corpo Docente das
Universidades ;
Considerando que a referida representação se acha redigida em
termos os mais correctos e que particularmente a expressão « curri-
culum vitae », que provocou reparos das Instâncias Superiores, é uma
fórmula consagrada até na legislação da República, para designar a
exposição documentada da carreira scientífica e dos títulos pedagó-
gicos e scientíficos (decreto de 14 de julho de 1911, art. 127.° n.o 2.°,
decreto n.o 2:652 de 12 de julho de 1918, art. 29.o n.o l.o) ;
Considerando que ao senado cabe promover o progresso da orga-
nização universitária e por isso não pode ficar indiferente perante a
supressão de qualquer das suas Faculdades ou Escolas ;
Considerando que não há hoje Universidades bem organizadas onde
não exista uma Faculdade de Letras com a função de representar a
alta cultura filológica, literária, histórica e filosófica, que é indispen-
sável a um verdadeiro centro universitário ;
Considerando, portanto, que o decreto n.o 5:770, extinguindo a
Faculdade de Letras na Universidade de Coimbra, constitui um
grave ataque à sntegi idade universitária e que ao .Senado cumpre
evidentemente pugnar por esta integridade ;
(43)
Considerando que a Faculdade de Letras, como todas as Facul-
dades e Escolas da Universidade de Coimbra, teem dado as mais
exuberantes provas de se acharem perfeitamente integradas no
movimento scientífico moderno ;
Considerando que os fundamentos do decreto n.o 5^770 em vez de
justificarem a desanexação da Faculdade de Letras, justificam ao con-
trário, a sua conservação em Coimbra, pois é em meios essencialmente
universitários que teem razão de ser as Faculdades de Letras e em
meios essencialmente industriais e activos que teem utilidade as
Faculdades Técnicas ;
Considerando que o decreto n.o 5:770 pode ser o início da des-
truição da velha e gloriosa Universidade de Coimbra ;
O Senado Universitário resolve :
Lo Dar a sua inteira adesão à doutrina da acta da Faculdade de
Letras de 14 do corrente, por ser inteiramente harmónica com as
disposições do Estatuto Universitário •'
2.0 Pedir que seja publicado no Diário do Governo o extracto da
mesma acta, afim de que o país possa julgar, com perfeito conheci-
mento de causa, o procedimento da Faculdade de Letras ;
3.0 Significar a sua absoluta discordância com o decreto que des-
anexou da Universidade de Coimbra a referida Faculdade ;
4.0 Pedir que a «xecução deste decreto seja sustada até que o Par-
lamento se pronuncie.
( Da acta da sessão do Senado de 24 maio 1919 ),
Representação dos Professores da Universidade
contra o Reitor
Ex.mo Sr. :
Os professores da Universidade de Coimbra, abaixo assinados, res-
peitosamente expõem a V. Ex.^ os seguintes factos :
Em 18 de março deste ano foi nomeado Reitor interino da Univer-
sidade de Coimbra o Dr. Joaquim Coelho de Carvalho, nomeação
que se converteu em definitiva por decreto de 19 do corrente.
E, declarando o artigo 5. o do Estatuto Universitário « que o governo
das Universidades pertence à Assembleia Geral, ao Senado, ao Con-
(44)
selho Académico, a Junta Administrativa e ao Reitor », a verdade é
que, desde o acto da sua posse até hoje, o actual Reitor tem gerido
discricionáriamente os interesses da Universidade, votando ao mais
completo desprezo os corpos representativos da vida universitária e
postergando as disposições do Estatuto, que não consta tenha sido
revogado ou suspenso.
Pelos artigos 12.o, I6.0 e 17.o do Estatuto Universitário o Reitor é
obrigado a convocar mensalmente, para reunião ordinária, o Senado,
o Conselho Académico e a Junta Administrativa. Há mais de dois
meses que o actual Reitor se encontra à frente da administração da
Universidade; pois até hoje não convocou uma única sessão de qual-
quer dos três corpos universitários !
E todavia têem-se produzido, neste lapso de tempo, acontecimentos
do mais alto interesse e da maior gravidade para a vida e para os
destinos da Universidade, que seriam suficientes, só por si, quando
não existisse mesmo a obrigação legal, para levar um Reitor, media-
namente escrupuloso, a aproximar-se dos organismos universitários e
a procurar saber quais os seus votos, as suas aspirações e os seus
desejos.
Houve primeiro o inquérito ao procedimento político dos professo-
res, no exercício e fora do exercício das suas funções, e a solução da
questão que tinha provocado esse inquérito.
Veio depois a reforma da secção de filosofia da Faculdade de
Letras e a nomeação extraordinária de professores, sem audiência
prévia da Faculdade.
Seguiu-se a representação da Faculdade de Letras contra o facto
de não ter sido ouvida nem quanto à reforma nem quanto à
nomeação.
Veio finalmente a extinção da mesma Faculdade, ataque profundo
ao princípio da integridade universitária.
Nem perante este último facto, que mutilou a velha e gloriosa Uni-
versidade de Coimbra, o Reitor tomou a iniciativa de convocar qual-
quer dos seus altos corpos representativos !
Mas o que é mais grave ainda, e mais tristemente significativo, é
que, tendo sido pedida a convocação do Senado pelos directores das
(45)
Faculdades e Escolas, o Reitor, numa atitude impertinente, opôs a
mais viva resistência a tal convocação ; e se, perante a insistência dos
directores, acabou por declarar que reuniria o Senado, e que seria até
esse o seu primeiro acto do dia seguinte, faltou à sua palavra, tendo
afinal o Senado de se reunir por direito próprio^ facto sem preceden-
tes nos registos universitários !
Deu-se então um caso curioso : o Reitor, que até aí vivera em
regime de puro arbítrio, sem respeito algum pelo Estatuto universitá-
rio, enche-se de escrúpulos legalistas e faz saber ao Senado que não
presidiria à sessão por a considerar ilegal, pois o objecto de que se ia
tratar não estava compreendido em nenhum dos números do artigo
13.0 do Estatuto.
O n.o l.o deste artigo atribui ao Senado competência para « pro-
mover o aperfeiçoamento da organização universitária e de tudo
quanto concorra para o progresso do ensino ». Ora o Reitor enten-
dia que « tomar conhecimento do decreto n.*> 5:770 », que extinguia
uma Faculdade e criou outra, era assunto estranho às atribuições do
Senado, como se a supressão e a criação de Faculdades fosse maté-
ria absolutamente indiferente para o maior ou menor aperfeiçoamento
da organização universitária.
A sessão do Senado abriu sob a presidência do Vice-Reitor. Ven-
tilada a questão da legalidade, reconheceu-se logo, sem hesitação nem
discrepância, que o objecto da convocação cabia evidentemente den-
tro do texto do n.o l.o do artigo 13.° do Estatuto ; e, transmitida ao
Reitor esta resolução por uma comissão de três professores, S. Ex.^
manteve~se na sua recusa, permitindo-se ainda, numa emergência tão
grave e tão delicada, um gracejo do pior gosto, que teve de ser ime-
diatamente corrigido.
Ao desprezo pelos altos corpos universitários acresce o desprimor
e a falta de consideração para com alguns visitantes ilustres da Uni-
versidade.
A Academia das Sciências de Portugal anunciou a vinda a Coim-
bra duma deputação com o fim de saudar a Universidade e trazer-lhe
as suas mais altas distinções, resolvendo o Reitor recebê-la com as
(46)
maiores honras. Sem ter dado conhecimento oficial deste facto à Uni-
versidade, combinou com o presidente da Sociedade de Defesa e
Propaganda de Coimbra que esta preparasse aos dignos Académicos
uma luzida recepção. Pois, na véspera do dia em que devia chegar a
Coimbra a deputação, o Reitor ausentou-se para Lisboa, sem a menor
atenção para com o presidente da Sociedade de Propaganda, sem
deixar as necessárias instruções, a quem de direito o devia substituir,
sobre as deferências a prestar aos ilustres visitantes, colocando assim
no mais grave embaraço e na mais delicada situação a Universidade
e a Sociedade de Propaganda !
O professor Hadamard, do Colégio de França, visitou nos dias 13
e 14 do corrente a Universidade e fez em 14 uma conferência na Sala
dos Capelos. E costume sempre seguido em Coimbra que o Reitor
faça a apresentação do conferente à assembleia e que, no fim, ou êle
ou o director da respectiva Faculdade exprima perante o auditório os
devidos agradecimentos. O director da Faculdade de Sciências infor-
mou o Reitor desta praxe ; e ficou assente que a apresentação seria
feita pelo director e o agradecimento seria dado pelo Reitor. O dire-
ctor da Faculdade de Sciências cumpriu ; mas o Reitor esqueceu-se do
compromisso que tomara, limitando-se no fim da conferência a aper-
tar a mão ao professor Hadamard e dizer-lhe em voz baixa : « je vous
remercie ».
Teve o director da Faculdade de Sciências de apresentar desculpas
ao professor Hadamard, visivelmente magoado.
Mais digno de reparo é ainda o procedimento do Reitor em relação ao
professor Meillet. Tinha o Reitor sido avisado, com a necessária ante-
cipação, de que esse professor chegaria a Coimbra em determinado
comboio e faria uma conferência na Universidade. Pois o Reitor não
tomou a mais insignificante providência para que a um tão insigne repre-
sentante da alta cultura francesa fosse dispensada qualquer atenção !
O professor Meillet chegou a Coimbra ; viu-se inteiramente só ;
ninguém o esperava; ninguém o procurou oficialmente; de sorte que,
enfadado e desgostoso, retirou-se sem ter feito a conferência.
(47)
Todos estes factos revelam, da parte do Reitor, uma falta inadmissível
de consideração para com os corpos universitários e uma indiferença
profunda pelo bom nome e pelo crédito do estabelecimento que dirige.
Mas pior do que tudo o mais, são os actos positivos e insidiosos
de hostilidade, da sua parte, aos interesses da Universidade.
Tendo recebido da Faculdade de Letras oficialmente a cópia da acta
da sessão de 14 do corrente, o Reitor declarou que concordava com a
representação, dizendo : « Estou absolutamente com os Senhores e
eu próprio comecei logo por protestar em telegrama para Lisboa » !
Ofereceu-se para ir a Lisboa como portador do protesto da Facul-
dade ; e, como esta tivesse proposto para duas vagas de professores
ordinários os Doutores Joaquim de Carvalho e Gonçalves Cerejeira,
acrescentou que levaria consigo as dissertações desses candidatos, a
fim de comprovar os seus méritos scientíficos.
O Reitor partiu com efeito, para Lisboa ; mas, tudo nos leva à con-
vicção de que, em vez de defender a Faculdade, promoveu, pelo
contrário, a sua censura e extinção.
Os considerandos dos dois decretos, e sobretudo o último conside-
rando do decreto n.*» 5:770 em que se faz referência, aliás injusta e
inexacta, à « orientação tomista de forma escolástica », não nos deixam
a mais pequena dúvida de que o Reitor da Universidade cooperou nos
decretos de censura e de extinção da Faculdade de Letras de Coimbra.
Havia muito, com efeito, que o Reitor, em conversas particulares,
qualificava de escolásticas e tomistas as dissertações dos candidatos;
e agora, extinta a Faculdade, declara que sempre foi sua opinião que
os defeitos da Universidade vinham da Faculdade de Letras, que era
preciso extinguí-la, pois o seu espírito estreito e reaccionário transpa-
recia nos trabalhos dos professores e estudantes laureados. Confessa
mesmo que marcou certas passagens a lápis verde, a fim de que o
Governo reparasse nelas.
Por que estranho conjunto de circunstâncias é que um Reitor, que
ainda algum tempo atrás pedia ao director da Faculdade de Letras
que o propusesse em Conselho para a vaga duma cadeira de história,
mudou assim subitamente de opinião acerca dos méritos dessa Facul-
(48)
dade ? Custa-nos ter de acreditar que para esta mudança contribuísse
a circunstância de tal proposta não ter chegado a ser feita.
Magistrado da absoluta confiança da República, como se diz no
preâmbulo do decreto de 19 do corrente, em vez de fazer valer a sua
influência e a sua força para engrandecer e exaltar a Universidade,
usa, pelo contrário, delas para a deprimir e mutilar !
Em presença de tão graves ocorrências, os signatários preguntam
muito singelamente : pode um tal Reitor continuar à frente do
governo da Universidade ?
A resposta impõe-se.
E' absolutamente indispensável, para evitar maiores males, que o
actual Reitor seja demitido do seu lugar.
Pela nossa parte aqui o pedimos, seguros de que cumprimos o nosso
dever.
Entregue-se o governo da Universidade a um Reitor que mereça a
confiança dos altos poderes públicos ; mas escolha-se quem, pelo seu
prestígio moral, dê também garantias de não atraiçoar os interesses
do estabelecimento que lhe é confiado.
Coimbra, 25 de Maio de 1919.
Angelo Rodrigues da Fonseca.
Fernando Bissaya Barreto.
Luiz W. Carrisso.
José Alberto dos Reis.
José Caeiro da Mata.
João Maria Tello de Magalhães Collaço.
António Garcia Ribeiro de Vasconcelos.
Daniel Ferreira de Matos.
Henrique Teixeira Bastos.
José Bruno de Cabedo e Lencastre.
Luciano Pereira da Silva.
João Emílio Raposo de Magalhães.
Álvaro José da Silva Basto.
Eusébio Tamagnini.
Egas Ferreira Pinto Basto.
4
(49)
Francisco Martins de Sousa Nazareth.
Elysio de Moura.
António José Gonçálvez Guimarãis.
Guilherme Alves Moreira.
Alberto da Rocha Brito.
Manuel José Fernandes Costa.
Fernando de Almeida Ribeiro.
Basílio Augusto Soares da Costa Freire.
Manuel Paulo Mereia.
J. Mendes dos Remédios.
João Duarte de Oliveira.
José Joaquim de Oliveira Guimarãis.
Anselmo Ferraz de Carvalho.
João Serras e Silva.
Alves dos Santos.
Luís dos Santos Viegas.
Eugénio de Castro.
José Cypriano Rodrigues Dinis.
Álvaro da Costa Machado Villela.
Luís Pereira da Costa.
Vicente José de Seiça.
António Luís de Morais Sarmento.
Annibal Ruy de Brito e Cunha.
Bernardo Ayres.
Lúcio Martins da Rocha.
António de Oliveira Salazar.
Filomeno da Câmara Melo Cabral.
João J. D. Souto Rodrigues.
Adelino Vieira de Campos.
Esta representação tem o voto dos professores Drs. D. Carolina
Michaélis de Vasconcelos, Álvaro de Matos, António Faria Carneiro
Pacheco, e Domingos Fesas Vital, que não assinam por não estarem
presentes. Dos professores que se encontram em Coimbra só dois
deixaram de assinar a representação.
8
(50)
Representação ao Parlamento
Ex."'o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados:
Perante o Congresso da República vêem os abaixo assinados, como
representantes da Assembléa Geral dos professores, expor respeitosa
e singelamente os seguintes factos :
O decreto n." 5:491 de 2 de maio do corrente ano reformou a
secção filosófica das Faculdades de Letras, criando ao mesmo tempo
dois novos lugares de professores, que não tardaram a ser preen-
chidos.
Como tudo se fizesse sem audiência prévia das Faculdades, com
ofensa da sua autonomia pedagógica, a Faculdade de Letras de
Coimbra representou ao Governo, em sessão de 14 de maio, acerca
da doutrina do decreto n.» 5:491, contrária às disposições do Estatuto
Universitário.
Era a representação redigida nos termos mais correctos : estranhava
a Faculdade que uma reforma se fizesse, sem a sua colaboração, quási
no fim do ano lectivo, a breve prazo da abertura do Parlamento, e
queixava-se de que, a respeito dos professores nomeados, nem sequer
lhe tivesse sido fornecido um simples curriculum vitae, isto é, um
resumo da sua biografia académica.
Alguém traduziu porventura curriculum vitae por folha corrida,
apesar de ter aquela expressão uma significação precisa, já consagrada
na legislação da República ( decr. de 14 de julho de 1911, art. 127.",
n.o 2.0; decr. n.o 2:652 de 12 de julho de 1918, art. 29.°, n.o l.o).
Segundo o tradutor, grave ofensa era feita aos professores nomeados
e ao Governo que os nomeou ; e não se fez esperar o decreto de cen-
sura de 19 de maio, que ao mesmo tempo demitiu o reitor Dr. Mendes
dos Remédios, professor da Faculdade de Letras, como principal
responsável da pretendida ofensa. .
Neste decreto se anunciava que o Governo tomaria oportunamente
as necessárias medidas para que a Faculdade não reincindisse ; e,
(51)
com efeito, era pouco depois desanexada a Faculdade de Letras e
substituída por uma Faculdade Técnica pelo decreto com força de
lei n." 5:770, a que teve de dar-se a data de 10 de maio, verifican-
do-se então — note-se de passagem — a curiosa anomalia de ser
censurada, em 19 de maio, uma Faculdade extinta em 10 por um
pretendido delito praticado em 14!
São infundados e contraproducentes os considerandos do decreto
n.o 5:770, que pretende justificar a substituição em Coimbra duma
Faculdade de Letras por uma Faculdade Técnica com o facto de ser
Coimbra um meio essencialmente universitário, de fraca actividade
comercial e industrial !
A acusação feita à Faculdade de dar ao ensino uma orientação
tomista de forma escolástica vai directamente incidir sobre a sua
secção filosófica, cujo ensino está precisamente confiado a dois espí-
ritos avançados, de arraigadas convicções republicanas. Basta este
facto para provar a inanidade de tal censura.
Mas o decreto n.f» 5:770 vem ferir de morte a integridade universi-
tária. O que verdadeiramente caracteriza uma Universidade é —
como se sabe — o seu ensino das Letras e Sciências, quer se faça em
duas Faculdades distintas, quer numa Faculdade única ( Faculdade
filosófica das Universidades alemãs. Faculdades das Artes das Univer-
sidades inglesas. Colégio das Universidades americanas ).
As Faculdades profissionais das Universidades modernas podem ser
diversíssimas, compreendendo, além dos ensinos clássicos de direito
e medicina, muitos outros, como se vê sobretudo nas grandes Univer-
sidades americanas : basta esta circunstância para que os ensinos pro-
fissionais não possam ser característica duma Universidade.
A Universidade de Coimbra é, pois, mutilada pelo decreto n.*»
5:770 na sua estrutura fundamental ; e nada, sob o ponto de vista
pedagógico, pode compensar semelhante amputação.
Quando pela reforma pombalina, em. 1772, foi eliminada a Facul-
dade das Artes (Sciências e Letras), criaram-se em seu lugar as Facul-
dades de Matemática e Filosofia, compreendendo esta última quatro
cadeiras — filosofia racional e moral, história natural, física experi-
mental, química teórica e prática. Tendo, porém, 19 anos mais tarde,
(52)
sido destacado da cadeira única de história natural o ensino da botâ-
nica e da agricultura, a carta régia de 24 de janeiro de 1791 suprimiu,
para evitar aumento de despesa, a cadeira de filosofia racional e moral ;
e desde então até 1911 ficou o ensino superior das Letras sem a mínima
representação ém Coimbra.
A reforma de 1911, criando em Coimbra uma Faculdade de Letras,
veio assim reparar uma grave falta e satisfazer uma antiga aspiração
repetidas vezes enunciada ; faz honra ao Governo Provisório e, em
particular, ao seu Ministro do Interior, o Sr. Dr. António José de
Almeida. Desde então voltou a velha escola de Coimbra a merecer
de novo, com razão, o nome de Universidade,
*
* *
Não atribui a Universidade ao Governo a principal responsabilidade
de facto no atentado de que foi vítima. O Governo foi, com efeito,
iludido pelo sr. Coelho de Carvalho, o maior de quantos inimigos
conta a Universidade, desde que não foi prontamente atendido o seu
desejo de entrar na Faculdade de Letras.
Já uma representação dirigida ao Governo pelo corpo docente
pediu a urgente substituição deste funcionário, cuja permanência à
frente da Universidade — entre baionetas — é uma afronta aos seus
professores, com êle justamente incompatibilizados : desatende os
visitantes ilustres da Universidade, desacreditando-a no país e no
estranjeiro ; despreza os seus altos corpos administrativos que nunca
convocou, substituindo à lei a sua vontade soberana ; invade as pre-
rogativas das Faculdades, permitindo-se autorizar inscrições em cadei-
ras anuais, no fim do ano lectivo ; esbanja os dinheiros da Universidade
em aparatos e comodidades pessoais.
Expostos ao sr. Ministro da Instrução os factos mais graves pratica-
dos pelo Reitor da Universidade, o sr Ministro prometeu que o Reitor
seria chamado a Lisboa e não voltaria a Coimbra. Foi o sr. Coelho
de Carvalho chamado efectivamente a Lisboa, mas voltou para Coim-
bra ; e voltou para exercer a corrução e o suborno pela promessa de
perdão de acto. E já os está exercendo, admitindo nesta altura reque-
(53)
rimentos para exames relativos a passada época de outubro, a fim
de que os requerentes aproveitem, correcta e aumentada, uma dis-
pensa de provas concedida em março por um simples despacho
ministerial.
Continua no seu posto o ex-consul de Portugal em Shangai, que o
decreto de 25 de novembro de 1886 exonerou, com perda de venci-
mentos, por haver cometido « faltas graves e repetidas no serviço »,
colocando-o numa disponibilidade de que não saiu até hoje.
Também o sr Ministro da Instrução prometeu à comissão de pro-
fessores que a Faculdade de Letras seria restabelecida em Coimbra, e
teve ensejo de declarar serem inexactas algumas afirmações desfavo-
ráveis à Universidade, que os jornais lhe atribuiam. Mas, passados
três dias, o sr. Ministro da Instrução pronunciou um discurso, na ses-
são de homenagem a Magalhães Lima no CoHseu dos Recreios ; e, a
serem exactos — o que nos repugna acreditar — os extratos dos jor-
nais, ter-se hía referido à Universidade nos termos mais violentos e
mais injustos.
A Universidade não pode deixar de exprimir o seu profundo des-
gosto e a sua estranheza por tais acusações, inteiramente gratuitas ou
improcedentes.
Merecia um pouco mais de respeito a nossa Universidade tradicional,
que data de 1290, poucas se lhe avantajando em antiguidade.
São incontestáveis os seus serviços ao país ; e dela teem saído
individualidades das mais eminentes e muitos dos maiores estadistas
da República.
O seu passado liberal, comprovado até pela história da antiga
Faculdade de Teologia, é um facto inegável ; ainda há pouco o pôs
em relevo no seu relatório de inquérito à Universidade o integérrimo
Juiz do Supremo Tribunal de Justiça, Dr. Vieira Lisboa.
As censuras e ataques à Universidade, se não implicam má fé, par-
tem de quem não a conhece, de quem nunca a visitou, de quem não
sabe o que lá se faz e ensina.
A Universidade deseja ardentemente que todos os seus inimigos a
visitem e investiguem da sua vida académica, que está patente a todos ;
e espera, em particular, do Parlamento Português, a mais alta expres-
(54)
sao da Soberania Nacional, onde nâo deve ter eco senão a voz da
verdade, que
JUSTIÇA
lhe seja feita, a começar pela revogação
do decreto n.^ 5:770 de 10 de maio.
Coimbra, 11 de Junho de 1919.
A Comissão,
Angelo da Fonseca
Filomeno da Câmara Melo Cabral
Henrique Teixeira Bastos
José Alberto dos Reis
Guilherme Alves Moreira
Manuel Fernandes Costa
Fernando Bissaia Barreto
Luís Wittnich Carrisso.
Carta aberta ao Cx.'"° Presidente da República
Ex.mo Sr. Presidente da República.
Perante V. Ex.» vem o professor abaixo assinado, respeitosamente,
submeter à consideração de V. Ex.» os actos do Sr. Ministro da
Instrução Pública e seu delegado pelos agravos ultimamente por eles
feitos à Universidade de Coimbra, e em que avultam factos de tão
extravagante gravidade, que de si afectam o próprio prestígio da
Nação, o que é fácil ver da história do que se tem passado entre
aquele Ministro e a Reitoria.
Primeiramente, e sem o menor respeito pela autonomia da Univer-
sidade, conseguida através de velhas dificuldades, como a mais alta
garantia pedagógica, entendeu o Sr. Ministro da Instrução reformar
a seu belo prazer uma secção da Faculdade de Letras pelo decreto
n.«^ 5.491 de 2 de maio, preenchendo imediatamente, por decreto do
mesmo dia, os dois novos logares criados, com pessoal absolutamente
(55)
desconhecido do Corpo docente, conforme este representou em sua
mensagem de 14 de maio do actual ano corrente.
A seguir, e como represália por esta representação, aliás lavrada
cortesmente e no mais nobre espírito de justiça, entendeu o mesmo
Sr. Ministro dever demitir o Reitor, professor Joaquim Mendes dos
Remédios, dando-o como principal responsável na atitude da sua
Faculdade contra aquele decreto, e substituindo-o pelo Sr. Coelho de
Carvalho.
Ora este Senhor Coelho de Carvalho, em vez de zelar os superio-
res interesses do Estabelecimento a que fora chamado a presidir, de
tal forma se diminuiu no espírito público, e especialmente perante a
população académica do País, que dentro de breve tempo se incom-
patibilizou com os professores da Universidade de Coimbra, que em
seu juízo conjunto o acusaram das graves e seguintes faltas :
l.o) de não possuir o prestígio moral necessário ao seu alto cargo;
2.0) de desprezar os corpos administrativos da Universidade, que
jamais convocou, contra o seu estatuto fundamental ;
3.0) de mendigar a sua entrada no corpo docente da Faculdade de
Letras por nomeação, mediante proposta do Conselho, em que, sem
rebuço, tentou empenhar o seu director ;
4.°) de representar vergonhosamente a Universidade perante hós-
pedes ilustres, quer portugueses quer estranjeiros ;
5.0) e finalmente, de, por todos os meios, tentar o descrédito da
Universidade, tanto particularmente como perante o Governo, após a
repulsa unânime da Faculdade àquela sua solicitação.
Por estes factos representaram ao Governo, efectivamente, os pro-
fessores reunidos sob a presidência do signatário, observando quanto
era atentatório do ensino, e particularmente dos direitos da gloriosa
Universidade, o decreto e subsequentes documentos mandados pela
Secretaria da Instrução, referindo-se especialmente à atitude do Rei-
tor, cuja destituição foi pedida em nome dos superiores interesses
públicos.
E parece que tão patente foi a justiça dos reclamantes, perante o
próprio Sr. Ministro da Instrução, que este, respondendo aos Comis-
sionados da Universidade, que o procuraram em 29 de Maio, em sua
(56)
secretaria, lhes prometeu o restabelecimento da Faculdade de Letras
e a demissão do Reitor.
Ao mesmo tempo os professores, cônscios dos seus deveres, decla-
raram que não se receavam de quaisquer inquéritos, mas antes os
desejavam, bem como a visita de todos os competentes que quisessem
ir informar-se pessoalmente a Coimbra do seu ensino. Posta a questão
nestes termos, nada mais claro e justo, e daí o terem suposto os
interessados sanado o incidente pela realização daquelas, aliás devi-
das, prometidas e naturais reparações por parte do Governo.
Não sucedeu, porem, assim.
E, bem pelo contrário, dentro de pouco era a Universidade publi-
camente atacada no Circo de recreios pelo aludido titular da pasta da
Instrução, com doestos que não só diminuiram o Ministro, como
resultaram impróprios do mesmo Coliseu onde foram proferidos !
O Reitor, Sr. Coelho de Carvalho, foi de facto a Lisboa a rogo
daquele, mas para voltar em breve a Coimbra a exercer o suborno e
a corrução pela promessa dos mais variados perdões de acto.
Repugnante solução ! Como é triste, para salientarmos tais pro-
cessos, termos de recorrer ao exemplo do que se praticou em tempos
idos, onde felizmente, jamais se registou caso similar.
O último perdão de acto foi concedido por decr. de 25 de Abril
de 1852. E, tendo sido pedido, por parte da academia de 1864 um
outro ao Duque de Loulé, por este logo foi negado nos termos mais
alevantados. E de notar, porem, que os antigos perdões de acto não
constltuiam a imoralidade que os de hoje representam, porquanto
aqueles eram concedidos em regime de frequência obrigatória, e
em regra aos estudantes que os Conselhos escolares julgavam habi-
litados.
Como quer que seja, voltou ao seu lugar o ex-consul de Portugal
em Shangai, que o decreto de 25 de Novembro de 1886 exonerara
com perda de vencimentos, por haver cometido faltas graves e repe-
tidas no serviço, do que resultou ser colocado numa disponibilidade,
de que não saiu até hoje.
De facto, nada mais imoral que o que, presentemente, se está
passando na Universidade de Coimbra.
(57)
No actual ano lectivo teem sido concedidos perdoes de acto por
duas formas diferentes :
a) por simples despachos ministeriais, não publicados no Diário do
Governo ;
b) e por decretos ditatoriais.
Pertencem à primeira categoria os perdões de acto concedidos
pelos despachos do Ministério de Instrução Pública de 10 de Março,
14 de Maio e 5 de Junho.
O primeiro dispensou da prova oral os alunos da Faculdade de
Direito de Coimbra que, tendo requerido exame na época de outubro,
haviam prestado as respectivas provas escritas.
O segundo dispensou das provas escritas e orais os alunos da
mesma Faculdade que, tendo requerido o exame em outubro, não
chegaram a prestar provas.
O terceiro ampliou a concessão da dispensa aos alunos que, por
motivos de doença, nem sequer chegaram a requerer exame em
Outubro !
Alguns alunos reprovados na época de Outubro, em vista
das dispensas referidas, requereram a anulação da reprovação ; o
pedido foi atendido por despachos lançados nos próprios requeri-
mentos !
Pertencem à segunda categoria os perdoes de acto constantes dos
decretos 5.787 LLLL e n.o 5.787 VVVVV de 10 de Maio.
O primeiro dispensa de exame, em certas condições, os alunos das
Faculdades de Direito, que comprovem a sua permanência no exército
durante a guerra.
O segundo dispensa o exame de formatura aos alunos da Facul-
dade de Direito de Coimbra, que requereram esse exame na época
extraordinária de maio.
E de notar que o l.<* decreto, embora seja de natureza ditatorial
e para valer como lei, tem apenas a referenda do Sr. Ministro da
Instrução.
Por outro lado, se o acto do Ministro, dispensando as provas dos
exames, já de si é dissolvente, mais extranho é ainda o procedimento
do Reitor, consentindo que os estudantes ponham nos seus requeri-
(58)
mentos Uma data anterior àquela em que tais documentos sao na
realidade feitos, e antedatando os seus despachos !
Da mesma maneira sucede que alguns alunos, que não haviam
requerido em devido tempo exames na época extraordinária de maio,
para aproveitarem o perdão do acto concedido pelos decretos n.^ 5.787,
teem apresentado requerimentos com a data de 29 de Abril e que o
reitor está despachando agora com data de 30 do mesmo mês !
Senhor Presidente da República: — Quando da greve de 1907,
com a qual se solidarizaram alguns dos actuais Ministros, ao tempo
alunos desta Universidade, pretendeu o Secretário de Estado de
então — Sr. João Franco Pinto Castelo Branco, depois de ter fechado
as aulas, mandar fazer os actos antes de ter decorrido o período
normal do ensino. Sendo o signatário já a esse tempo professoi,
publicamente declarou que não iria aos actos, por se não prestar ao
que considerava uma inferior comédia, atentatória da sua dignidade
de professor, que êle não sabia desligar da sua dignidade pessoal.
Anunciaram, por esse tempo, os jornais a perseguição do signatário
por parte do Ministro, e até a sua demissão. Mas o que é certo é
que, contrariamente, aquele reconsiderou, pelo que foi concedida
nova época de aulas para a Faculdade de Medicina, após a qual se
realizaram os actos. Presentemente, vê o signatário com a maior
mágua, arrastar-se, há perto de um mês, tão desgraçada questão,
que, tendo a seu favor as academias do país, e todos os que por sua
categoria especial conhecem da razão que assiste à Universidade,
não tem por si aqueles a quem especialmente a sua justa resolução
cumpria.
Não queríamos aludir mais ao Sr, Coelho de Carvalho, que em
Coimbra se demora ainda na edificante obra de tentar a corrucão
duma geração inteira.
Mas entendemos do nosso dever apelar para V. Ex.^, em quem
pesam no momento as qualidades mais responsáveis, supremas, para
que, por seu definitivo esclarecimento, interrogue o Governo, onde
se encontram alguns dos mais aguerridos da greve académica de 1907,
sobre a resposta que teriam dado ao Reitor da Universidade daquele
tempo, se, para o defenderem, liquidando a greve, esse Reitor lhes
(59)
houvesse suplicado que aceitassem não só um perdão de acto, mas
seis dispensas de acto, que vão desde o primeiro exame até ao exame
da formatura !
Senhor Presidente, se imediatamente o não relegarem, aquele
homem envenenará uma geração : não seria, então, o perigo de uma
legião conservadora que o regime teria de experimentar, dentro dal-
guns anos, mas o de uma geração cuja dignidade, altivez, desassom-
bro e recto proceder o Ministro e o Reitor quiseram comprar com,
perdões de actos, distribuídos em massa !
Há no Governo, há no Parlamento quem atenda a isto ?
Que exemplos teem diante de si os que se estão formando e se
destinam a servir a Pátria ?
Os duma autoridade corruta e corrutora, que em nome do Estado
lhes vem tentando a consciência a perdões de acto !
Reclama-se de todos os lados que as Universidades se não limitem
a instruir, mas que eduquem, que não façam apenas diplomados, mas
homens, que não tratem apenas cérebros, mas consciências.
A governar no professorado da Universidade, que um mesmo sen-
timento de dignidade une, quem se conserva ainda ?
Um homem que sugere aos estudantes que negoceiem sua honesti-
dade por um perdão de acto !
Quando as Universidades de Coimbra e de Lisboa reconhecem, sem
discrepância, que a hora de ensinar se suspendeu e que é chegado o
momento de mostrarem por factos que sabem também educar as
gerações que lhes foram confiadas, patenteando-lhes, com seu exem-
plo, os sentimentos da dignidade e honorabilidade profissionais — o
que fazem este Ministro e o seu Reitor, mantido ainda, por vergonha
nacional, dentro das Escolas ?
Procuram afastá-los duma tal lição, sugerindo-lhes que a releguem
pela vantagem de um, dois, três, quatro, cinco e seis perdões de acto !
Que outros exemplos hão de dar as gerações que com estes se
fizeram e graduaram ?
Que atitude hão de esperar dos outros ?
Para V. Ex.^, Senhor Presidente da República, eu apelo neste
momento, com a indignação de quem vê traficar com os destinos da
(60)
Pátria, pelo tentame de compra das mais nobres g-eraçoes acadé-
micas.
Finalmente, deste relato, aliás tão simples como lealmente feito, do
que se tem passado, verá V. Ex.» quão grosseira e inane resulta a
acusação de que o presente conflito envolva qualquer propósito polí-
tico.
Do que se trata, bem pelo contrário, é dum caso, que, sendo no
começo de natural e especial defesa dos interesses pedagógicos da
Universidade de Coimbra, se transformou, a breve trecho, numa
questão do maior interesse moral e colectivo.
Eis os factos a julgar, e para os quais ouso chamar o alto critério de
V. Ex.», — esgotados os demais meios até agora persistentemente
seguidos para obter justiça em tão melindroso caso.
Tenho a subida honra de me subscrever, com toda a consideração,
De V. Ex.a, at.o v.or e agAo
Angelo da Fonseca,
professor de clínica cirúrgica na Faculdade de
Medicina da Universidade de Coimbra.
Coimbra, 18 de junho de 1919.
Ofícios da Academia de Scíências de Portugal
à Faculdade de Letras de Coimbra
Ex.n^o Senhor Doutor António Garcia Ribeiro de Vasconcelos,
dig.mo Director da Faculdade de Letras :
Tenho a honra de participar a V. Ex.a que o Conselho da Acade-
mia de Sciências de Portugal, reunido ontem em sessão extraordinária,
resolveu, sob proposta do Doutor Teófilo Braga e minha, pedir ao
novo Governo que restabeleça, imediamente, a Faculdade de Letras,
na Universidade de Coimbra, e, caso não seja atendido, apelar para o
f
(61)
Parlamento, em nome da Justiça e dos interesses superiores do
ensino.
Saúde e Fraternidade. — Lisboa, 2 de Junho de 1919.
O Secretário perpétuo servindo de segundo presidente, (a) António
Cabreira.
Ex.""» Sr. Doutor António Garcia Ribeiro de Vasconcelos,
dig.mo Director da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra:
Em nome da Academia de Sciéncias de Portugal, agradeço os
exemplares do brilhantíssimo estudo que V. Ex.* teve a amabilidade
de enviar.
Outrosim, participo a V. Ex.^ que vou propor que a corporação
proteste contra o princípio, verdadeiramente bolchevista, de se casti-
garem professores, sem forma de processo regular, despojando-os,
assim, de direitos que conquistaram pelo seu trabalho.
Aproveito o ensejo para pedir a V. Ex.^ a necessária autorização
para o propor para vogal da Academia.
Finalmente rogo a V. Ex.» que se digne comunicar aos seus doutís-
simos colegas da Faculdade o teor deste ofício, cuja intenção é ren-
der uma homenagem de apreço e afirmar a mais estreita solidariedade
a V. Ex.a e a esses brilhantes ornamentos do nosso magistério supe-
rior.
Saúde e Fraternidade. — Lisboa, 16 de Junho de 1919.
(a) António Cabreira, Secretário perpétuo, servindo de 2.° presi-
dente.
Ex."»» Senhor Doutor António Garcia Ribeiro de Vasconcelos,
dig.mo Director da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra :
Rogo a V. Ex.3 o favor de transmitir a todos os seus ilustres cole-
gas da Universidade que em conferência realizada ontem com o
dr. Magalhães Lima, o convenci da justiça que assiste a esse glorio-
(62)
síssimo instituto, e de que é profundamente anti-jurídico e anti-demo-
crático o procedimento contra os doutíssimos professores da Faculdade
de Letras.
Além disso, eu e todos os que compreendem a função do ensino
superior, entendemos que não há professores monárquicos, nem repu-
blicanos : há apenas professores competentes ou inábeis. Da mesma
forma, não há ensino reaccionário ou liberal : há apenas ensino scien-
tífico, ou impróprio do estabelecimento onde se ministra.
Todo o critério governativo, que se afastar desta orientação, é
iníquo e contrário à essência do próprio regímen. O Dr. Magalhães
Lima abraçou entusiasticamente estas ideias, esperando eu que as
concretize em quaisquer actos.
Autorizo V. Ex.a a fazer dos meus ofícios o uso que julgar conve-
niente, pois tenho a maior honra em que se saiba que estou incondi-
cionalmente ao lado da nossa primeira Universidade, e em, de qualquer
forma, poder contribuir para o seu completo triunfo.
Saúde e Fraternidade. — Lisboa, 16 de Junho de 1919.
(a) António Cabreira, Secretário perpétuo, servindo de 2.° Pre-
sidente.
Ex.'"" Senhor Doutor António Garcia Ribeiro de Vasconcelos,
(Jjg.mo Director da Faculdade de Letras da Universidade
de Coimbra :
Tenho a honra de participar a V. Ex.» que ontem foi expedido ao
Presidente da Câmara dos Deputados um telegrama, assinado pelo
Doutor Teófilo Braga e por mim, em que a Academia de Sciências
de Portugal, invocando a Justiça e os interesses superiores do ensino,
reclama o restabelecimento imediato da Faculdade de Letras na Uni-
versidade de Coimbra e a reintegração de todos os respectivos
Professores e Assistentes, com a excepção apenas dos que, por vir-
tude de processo regular, tenham de ser afastados do serviço.
Outrossim me cumpre comunicar a V. Ex.^ que a Academia lamenta
que se pretenda dar carácter sectário a uma questão puramente peda-
(63)
gógica e jurídica, na qual só devem entrar os competentes. Saúde e
Fraternidade. — Lisboa, 26 de Junho de 1919. — O Secretário per-
pétuo servindo de Segundo Presidente, (a) António Cabreira.
Nova publicação, rectificada, do artigo 2."
do decreto n.*^ 5:491, de 2 de maio de 1919
Artigo 2.0 O quadro dos professores do 6.° grupo é aumentado
de dois professores ordinários e de um assistente.
§ único. O primeiro provimento definitivo das vagas, que fiquem
existindo no quadro dos professores deste grupo, poderá ser feito nos
termos do artigo 55.° do decreto com força de lei n.° 4:554, de 6 de
Julho de 1918, ou livremente pelo Governo, devendo neste caso as
nomeações recair em pessoas de reconhecida competência scientífica.
(Diário do Govcrfio de 10 de Maio de 1919, 1.» Sério, n.° 98).
Rectificações ao artigo 2." do decreto n.** 5:770,
de 10 de maio de 1919
§ 2. o Aos professores colocados na situação de disponibilidade,
por virtude das disposições deste artigo, serão abonados 5/6 do seu
vencimento.
§ 3.0 Aos professores que nos termos dâs disposições do § l.o,
forem encarregados das comissões descritas no mesmo parágrafo,
será abonado o vencimento integral da efectividade.
(Mário do Governo do 27 do Maio do 1919, 1." Serio, n." 101 ).
é
Apenòice 3."
A imprensa e a Faculdade
De todos os artigos publicados na imprensa periódica, em defesa
da conservação em Coimbra da Faculdade de Letras, apenas trans-
crevemos os que pela sua importância nos pareceu deverem ser
arquivados — o que não implica menor apreço pelas que se omitem.
Universidade de Coimbra
Este importante estabelecimento scientífico, que tem, no país e no
estranjeíro, as tradições mais nobres e g"loriosas, está atravessando
neste momento um dos seus períodos mais graves.
Depois da violência injustificada, que se cometeu contra a sua
Faculdade de Direito, e que deu ensejo à mais honrada e leal mani-
festação de solidariedade, pacífica e ordeira, a que temos assistido no
país, o decreto que fulmina a condenação da Faculdade de Letras,
que em poucos anos ganhou raízes e se nobilitou no pensamento
português, é um documento espantoso e inconcebível.
Se nos preguntam se condenamos a criação duma Faculdade de
Letras no Porto, respondemos que a isso nada temos a objectar, e
que a criação de tal estabelecimento scientífico é necessária. A essa
parte do decreto o sr. ministro da instrução não terá certamente
opositores.
O que nós condenamos é o que se fez contra um corpo docente,
que tem de ser respeitado pelo seu saber e pela sua dignidade.
O «[ue nos surpreende é a violência injustificada que condena, sem
9
(66)
qualquer forma de processo, individualidades intelectuais de reconhe-
cido valor, e fecha abrutamente a porta da Universidade a quem
ensinava e a quem desejava aprender.
Professores e estudantes foram envolvidos inesperadamente na
mesma rudeza, antes de findo o ano lectivo e a dois dias da abertura
do parlamento.
Para que semelhante precipitação ? A que critério de justiça se
obedeceu ? Se a paixão política de momento colaborou nesse acto
impensado e arbitrário, diremos que os períodos de agitação não são
os mais próprios para proceder com a serenidade e o espírito de
rectidão, que devem orientar sempre os homens do governo. Já
Diog-o do Couto dizia nos diálogos do Soldado Prático, a propósito
das coisas da índia, que o príncipe apaixonado não pode geralmente
fazer justiça perfeita.
Reflicta o sr. Leonardo Coimbra. Aceite, porque os merece, os
aplausos que lhe são devidos, pela forma como quis beneficiar a
cidade do Porto, que aliás tinha todo o direito a ser lembrada ; mas
não deixe, no seu lúcido espírito, de considerar o carácter do diploma
que firmou, e que a Academia inteira não pode deixar de repudiar,
como uma afronta aos seus brios intelectuais.
(O Primeiro de Janeiro de 25 de Maio de 1919).
Õ ódio íi Universidade de Coimbra
Cadastro dos "jesuítas " da Faculdade de Letras
Enviam-nos o cadastro dos jesuítas da Faculdade de Letras, de
Coimbra, que ali deformavam a mentalidade da mocidade portuguesa.
Por ele se verifica quanta razão assiste ao filósofo Coimbra para as
suas arremetidas, que não tiveram, como se esperava, o condão de
desviar as atenções de certos assuntos algo complicados.
Diz o cadastro :
Os lentes da Faculdade de Letras de Coimbra, que pelo seu jesui-
tismo iam alvorotando a opinião liberal do país, são os Doutores :
António Garcia Ribeiro de Vasconcelos
(67)
Mendes dos Remédios
Alves dos Santos
Oliveira Guimarãis
D. Carolina Michaelis de Vasconcelos
Eugénio de Castro.
Destes só os quatro primeiros é que foram lentes da extinta
Faculdade de Theologia, e dos quatro só o primeiro se não secula-
rizou ( havendo a notar que o segundo não é padre, o terceiro deixou
bigode e registou-se, e o quarto é conhecido pelas suas ideias liberais,
chefiando um partido republicano ).
^ Quem são esses homens ? — Raro se encontrará n*uma corpo-
ração scientifica nomes mais ilustres, espíritos mais abertos. Ha
mesmo o direito de os desconhecer no nosso pobre país ?
O Dr. António de Vasconcelos vale uma Faculdade. É uma das
mais cultas inteligências de Portugal. O seu talento é multiforme e a
sua obra vastíssima.
Como historiador, Francisco Suárez e D. Isabel de Aragão ( para
não falar de obras mais ligeiras, espalhadas nos volumes da Revista
da Universidade, Instituto e Revista Lusitana, etc. ) são modelos de
conscienciosa investigação, que Sampaio Bruno se não cansava de
admirar, e os estranjeiros, mais justos que nós, de citar.
Como pedagogo, as suas Gramáticas da língua portuguesa abrem
uma época nova no estado scientífico da nossa língua. Saíram do
núcleo sábio de professores coimbrãos ( Dr. José Maria Rodrigues,
actualmente da Faculdade de Lisboa, Dr. Gonçálvez Guimarãis,
distinto naturalista e talvez maior ainda filólogo ; Dr. Sousa Gómez
já falecido ), a quem se deve a restauração pedagógica da instrução
secundária, especialmente no tocante ao ensino moderno das línguas
portuguesa e latina.
Como paleógrafo e funcionário, deve-se-lhe a organização do
Arquivo da Universidade de Coimbra, e esse milagre de esforço que é
o edifício da Faculdade de Letras ( com a complicada organização do
seu ensino e os modernos museus anexos — de psicologia experi-
mental € a galeria cpigráfica, sem exemplo na nossa terra). Os pro-
(68)
fessores da Faculdade de Letras de Lisboa honradamente teem
confessado o seu assombro. Se se consumar a sua expulsão desse
edifício, comete-se o maior crime que se tem visto !
Como professor, que falem ( seria um devido acto de justiça )
todos os que foram seus discípulos. Não há, certamente, em todo
o professorado superior de Portugal, quem o seja mais conscienciosa,
mais atraentemente.
Inteiramente afastado da política, não lhe teem faltado injustiças.
Ainda há poucos anos, como fizesse a oração de sapiência, e tivesse
que apreciar a acção de D. João III entregando o ensino aos jesuítas,
consoante se lhe afigurava mais imparcialmente, lhe caiu em cima a
imprensa, representada pelos jornais O Dia e A Nação !
O Dr. Mçndes dos Remédios é uma das mais livres, altivas
consciências de Portugal. Quando na velha Universidade reinava o
dr. Calisto, já ele dava na sua aula de Teologia curso livre ! Como
disse, num momento de franqueza, um inimigo seu e da Faculdade
de Letras, o dr. Teixeira de Carvalho ( Quim Martins ), confessando
que o dizia com toda a alegria, com toda a sinceridade, « não foi ele
que foi ter com a República, a República é que veiu ter com êle ! >
Instâncias para que aceite a pasta da instrução não lhe teem faltado
dos republicanos, mas êle, na nobre intransigência de quem quer viver
só para o estudo, tudo tem repelido. O dr. António José de Almeida
pode dar testemunho de quanto se tem esforçado para o arrancar ão
estudioso remanso de Coimbra. Tão jesuíta, que, após o 14 de maio,
o seu nome prestigioso foi lançado pelos jornais ( sem consentimento
nem conhecimento seu, diga-sf para sua honra) para ministro da
instrução do novo ministério saído da revolução ! Ninguém, como êle,
trabalhou tanto pela criação da Faculdade de Letras, em substituição
da de Teologia — na renovação da Universidade de Coimbra. O fale-
cido republicano dr. Eduardo de Abreu pugnou brilhantemente nas
Constituintes da República por um projeto que queria ser justo e era
honesto, de separação da Igreja e do Estado — era do dr. Mendes
dos Remédios ! Sem sacrificar a sua fé religiosa ( será já um crime
tê-la ? ), na sua História da Literatura Portuguesa deixou exemplo
(69)
da independência ( que muitos julgarão injusta ) com que apreciou os
jesuitas e a inquisição — onde os inimigos de agora contra o jesui-
tismo da Faculdade aprenderam as poucas razões que sabem ao certo
contra os jesuítas.
A sua obra scientífica é uma grande obra de modesta honestidade,
sem alardes — toda consagrada ao amor da nossa literatura. A sua
História da Literatura Portuguesa, com as suas pretensões pouco
ambiciosas, é o breviário bibliográfico de todos que se ocupam de
coisas literárias. Poucos apreciarão devidamente o trabalho conscien-
cioso que ela representa e a sua utilidade, ainda que todos com ela
tenham aproveitado.
A biblioteca qne ele dirige de Subsidiou para a História da Lite'
ratura Portuguesa, benemérita divulgação das jóias da nossa litera-
tura, é uma iniciativa que lhe merece por si só a gratidão nacional —
obra à qual ainda há pouco, na inauguração do curso português na
Sorbona, aludia, com elogios ao autor, o distinto lusófilo francês que
o rege. Historiador dos Judeus em Portugal e em Amsterdam, é sobre-
tudo um pedagogo ilustre, que, com os seus livros elementares
( imitando nisso os maiores mestres alemães ) tanto se tem esforçado
por elevar o nível do ensino português.
O que, porém, lhe tem conciliado a má vontade dos Carvalhos é o
seu altivo, nobre carácter de antes quebrar que torcer. .
O Dr. Alves dos Santos, padre-apóstata, dirige o Instituto de
psicologia experimental ( que ainda não existe na Faculdade de Letras
de Lisboa ) com um amor e uma fé, que não conservou à . . • sua
Igreja. E um professor talentoso. Escreveu uma Filosofia para os
liceus, que, se não é um monumento de boa filosofia, depõi suficien-
temente a favor de • . • quão afastado anda este jesuíta da filosofia
cristã : — livro aquele que os pais cristãos não podem consentir que
por êle somente estudem os seus filhos.
A política evolucionista, de que é marechal, tem-no absorvido bas-
tante. E preciso dissolver esse partido por . . jesuíta L . .
O Dr. Oliveira Guimarãis é um espírito brilhantíssimo — espí-
rito tão moderno, que tem consagrado toda a sua vida a um colégio
(70)
que dirig-e, onde quer adaptar os melhores processos da pedagogia
moderna. É uma iniciativa rasgada, a que se tem todo consagado,
sem que se desinteresse ainda da vida pública, pois que assentou
praça, subindo logo de posto, num dos partidos da República.
A Sr.a D. Carolina Michaêlis é nome tão conhecido e respeitado,
em Portugal e no mundo sábio, que seria ofender o público ensinar-
Ihe o que lhe deve o nosso país, O dr. Leite de Vasconcelos, da
Faculdade de Letras de Lisboa, tem dito dela a amig-os que é « a
mulher mais sábia do mundo ». E não exagera.
Como investigadora literária, apesar de nascer alemã, é seg-ura-
mente o primeiro português. A sua obra é muito vasta para poder
ser aqui apreciada. Basta recordar, entre outras obras e artigos
publicados em revistas nacionais e estranj eiras, o seu Cancioneiro da
Ajuda, no qual ela descobriu para a literatura portuguesa, revelando-
no-los surpresos, os primeiros tempos da nossa poesia, com uma eru-
dição assombrosa.
A dívida de gratidão de Portugal para com ela é tão grande, que o
governo, que nos levou à guerra, abriu para ela uma excepção no
decreto que expulsava os alemães, julgando honrar-se com faze-lo ; e
foi um governo republicano que lhe entregou a sua cátedra universi-
tária.
Doutora por universidades estranjeiras, esta extraordinária senhora,
que veiu a Portugal desatar tantos obscuros problemas da nossa histó-
ria literária, pelo que lhe rendia os maiores elogios Menéndez y Pelayo,
o maior espanhol moderno, nasceu no meio universitário de Berlim,
onde a religião que domina é a protestante, sem prejuízo, aliás, da
maior liberdade scientífica.
Alheia ao catolicismo, a Senhora Dona Carolina Michaêlis de Vas-
concelos é, porem, acusada de Jesuitismo neste sórdido meio politi-
cante ! . . .
O Dr. Eugénio de Castro é o gentil artista das melhores jóias da
poesia moderna portuguesa. A sua obra, moldada em formas perfei-
tas de cor e som, ficará sendo lida, enquanto se falar a língua por-
(71)
tuguêsa — para que sempre se saiba como no IX ano da República
portuguesa se tratou o maior poeta português de então.
Como deve apreciar-se no estranjeiro, onde há o respeito pela
liberdade do espírito e o culto pelas competências, o respeito com
que em Portugal se trata o poeta português lá mais conhecido, tra-
duzido e amado — poeta pagão em tantas das suas preciosas páginas,
para quem toda a sua vida tem sido apenas uma obra de arte !
. . i E são estes os Jesuítas que o jacobiiiisiiiu e a incompetência
de mãos dadas atacam !
(A Época de 27 de Maio de 1919).
Uma campanha
Só conheci ura homem a quem o tempo não chegava, mesmo
quando nada tinha que fazer. Esse homem, que ainda vive, e
oxalá viva por muitos anos e bons, é o meu velho e muito pre-
zado amigo José Agostinho Pereira e Sousa, abastado proprie-
tário cio Alemtejo, diplomado pelo antigo Curso Superior de
Letras. Encontrei-o, um dia, há muitos anos, na Baixa, quase
a correr, e, querendo detê-lo para dois dedos de conversa, êle
declarou-me que não podia demorar-se, e que já chegaria tarde
ao. seu destino.
— Que diabo de homem é você, José Agostinho,- que nàc
tendo nada que fazer, anda sempre apressado ?
— E verdade ; nào tenho nada que fazer, e nunca o tempo me
chega ...
Não quis perguntar-lho para que lhe nào chegava o tempo, e
deixei-o ir, quase a correr, curvado para a frente, como era seu
costume, o passo miudinho, desviando muito, para fora, a ponta
dos pés, como se precisasse, por motivos de equilíbrio, alargar
a base de sustentação.
A celebração do centenário do Marquês de Pombal foi uma
das mais bolas afirmações de espírito livre que se tem feito em
(72)
Portugal, e deveu-se unicamente à mocidade das Escolas, par-
ticularmente à Academia de Lisboa. O José Agostinho foi um
dos mais activos membros da comissão académica, que promo-
veu essa homenagem ao estadista insigne, que é das raras
grandes figuras da nossa história política, tào grande que ainda
não foi igualada por nenhum dos seus sucessores na goveriia-
ção pública.
Bem se pode dizer que a celebração do centenário pombalino
íbi um protesto do espírito liberal contra maquinações reaccio-
nárias, que se faziam sob a protecção dos altos poderes do
Estado.
Ainda vivem muitos dos académicos que promoveram, as
festas pombalinas, e o José Agostinho, sempre muito ocupado,
sem ter nada que fazer, é com certeza o que se conserva mais
novo, mais académico, mais rapaz.
Ao contrário do que sucedia cora êle, o sucede ainda, prova-
velmente, o tempo sobeja-me quando não tenho nada que fazer,
e isso me aconteceu, outro dia, em Aljustrel, onde passei alguns
meses de abençoado repouso, gosando uma felicidade que mal
conhecia, tào pouco a ela me habituara.
E como dispusesse de muito tempo, vinte e quatro horas em
cada dia, para o que me apetecesse, dei-me a folhear a colecção
d'^ Lacta, que é assim uma espécie de cemitério, onde jazem
bons doze anos da minha vida de esj^írito, sob as mais variadas
formas literárias.
Lá encontrei aquela campanha a propósito da greve acadé-
mica de 1907, greve que principiou em Coimbra e quase que a
Coimbra se limitou, não obs cante ter encontrado éco simpático
nas demais Academias do Pais.
E,eli tudo quanto sobre a greve escrevi, muitos artigos, muitos
sueltos, e cheguei ao fim da leitura satisfeito, plenamente con-
vencido de que fizera uma campanha de moralidade e de justiça.
Por vezes, naturalmente, fui agressivo em demasia para com
as pessoas ; mas respeitei sempre a verdade dos factos, e nunca
me guiou a pena um sentimento ruim. A velha faculdade de
direito era tal como eu a mostrava nos meus artigos, e eu mos-
trava-a como a tinha visto no quadro que dela me faziam alguns
dos seus Mestres e a maior parte dos seus discípulos.
Nunca, em toda a minha vida jornalística, fiz uma campanha
èm que tanto queimasse a alma, apaixonado por uma causa que
reputava santa, e que via tratar como se fosse um episódio de
boémia académica, os Professores, com raras excepções, esque-
cendo a função educativa que lhes compete, e os governantes,
sem nenhuma generosidade de sentimentos, sem nenhuma ele-
vação, de idéas, esibrçando-se por levarem os rapazes a um
procedimento indigno.
Ainda hei-de reunir em volume quanto escrevi sobre a greve
de 1907, porque, se há nesse trabalho uma boa porção do meu
espírito, o meu coração é que lateja dentro dele, com as mais
nobres, as mais alevantadas, as mais generosas das suas palpi-
tações.
Sendo assim, o leitor compreende facilmente que eu visse
com simpatia a atitude d'A Lucta na questão da Faculdade de
Letras, transferida de Coimbra para o Porto, questão grave
desde o começo, e que hoje se pode reputar gravíssima, porque
se meteu dentro dela toda a Academia portuguesa.
Em plena ditadura, e apenas à distância de quatro dias da
abertura do Parlamento, mutila-se uma Universidade, a mais
antiga das três que há em Portugal, tirando-lhe uma Faculdade,
alegando-se, sem provas, que ela constitue um perigo para a
República.
O relatório que acompanha o famoso decreto de que se trata,
e que se diz ter sido escrito em Coimbra, e daí enviado para
Lisboa, nada mais contém do que afirmações de carácter abso-
luto, traindo no seu autor, quem quer que êle seja, o vício emi-
nentemente português de ter por demonstrado aquilo que se
afirmou, a afirmação sendo a prova de si mesma.
Não se extingue aqui, para se crear além, uma Faculdade de
Letras, como se tira daqui, para a pôr além, uma secção da
guarda republicana, ou uma secção do registo civil, e se adop-
(74)
tarmos a prática de atribuir méritos scientíficos e dotes pro-
fissionais por decreto, como por decreto se atribuem honrarias
nobiliárquicas, para satisfação de vaidades sem mérito, conver-
teremos o ensino num verdadeiro perigo nacional, talvez o maior
de todos.
A defesa da República !
r
Dizia a senhora Rolland, marchando para o cadafalso: O liber-
dade ! Quantos crimes praticados em teu nome.
*()uantos eiTOs, quantos abusos se teem praticado, em Portu-
gal, de ha anos a esta parte, sempre em nome da defesa da
República !
(A Lucta de 29 de Maio de 1919).
Bkito Camacho.
Universidade de Coimbra
O que o sr. dr. Ângelo da Fonseca pensa
sobre o conflito latente
Para podermos informar seguramente os nossos leitores
sobre a questão da extinção da Faculdade de Letras da Univer-
sidade de Coimbra, fomos hontem procurar o sr. dr. Angelo da
Fonseca, professor da Faculdade de Medicina da mesma Uni-
versidade, que se acha em Lisboa, tratando da referida questão.
Chegados ao hotel de Inglaterra e exposto o motivo que ali
nos levava, aquele professor começou logo por defender com par-
ticular entusiasmo a antiga Faculdade de Teologia, afirmando
que sempre ela se mostrara liberal. Para o comprovar, o sr.
Angelo da Fonseca fornece-nos, mesmo, uma larga exposição
escrita, onde se historiam vários factos da vida daquela Facul-
dade, tais como a revolta dos lentes de Teologia contra a Cúria
romana, de onde resultou que Roma resolveu não tornar a fazer
bispos dos bacharéis formados em Coimbra, indo escolhê-los
entre os diplomados em Roma, no Colégio Português.
(75)
Entende o sr. dr. Angelo da Fonseca que o Governo devia ter
demitido o reitor sr. dr. Coelho de Carvalho, para prestigio da
República, apenas teve conhecimento de que éle se achava
incompatibilizado com o corpo docente da Universidade o com
a Academia. A República só tem a perder tendo à frente da
Universidade um reitor que está sendo constantemente exauto-
rado pelos alunos.
— Mas, perguntámos nós. v. ex.^ pode dizer-nos o que pre-
tende a Universidade?
— A Universidade deseja que a Faculdade de Letras seja
mantida tal como a creou o sr. dr. António José de Almeida,
porque a Universidade deixaria de ser Universidade desde que
se lhe tirasse essa Faculdade. O corpo docente o que deseja é
que o Governo mande fazer um largo inquérito, por pessoa com-
petente, para que sejam severamente castigados os professores
que, por ventura, não tenham cumprido os seus deveres, ou
tenham feito politica de qualquer ordem no exercício das suas
funções docentes. O que nào se pode aceitar é que sejam cas-
tigados professores sem culpa formada. Eu não posso admitir
que seja demitido qualquer professor sem ser sindicado, e, se o
fôr, eu demitir-me hei também.
— De modo que é só isso o que a Universidade deseja?
— Perdão, isto é uma questão de momento. Eu, por exemplo,
trabalho para que se faça a federação geral dos professores de
ensino superior, para manter a autonomia das Escolas que a
tenham, como já propus na assemblêa geral dos professores.
— E V. ex.^ julga que a questão terá rápida solução '?
— Certamente. De resto, desejo que tudo se faça aberta-
mente e absolutamente às claras. Para isso já hoje convidei o
dr. Magalhães Lima a ir a Coimbra, acompanhado por quem
melhor entender, para se certificar, pelo arquivo da Faculdade
de Letras, onde se acham guardados os sumários de todas as
lições, do modo como o ensino ali é ministrado. Quer dizer, este
convite é feito à maçonaria portuguesa. As portas da Univer-
sidade de Coimbra estão abertas.
(76)
Já Íamos para nos levantar quando o ilustre professor nos
disse :
— Quanto à creação duma Faculdade técnica, é inútil pensar
nisso. O ensino técnico só pode ser feito com aproveitamento
em Lisboa, onde já existe o I. S. T., que só precisa do apoio do
Governo para poder dar cabal cumprimento à sua missão.
A Faculdade técnica do Porto está condenada a morrer, por
falta de frequência, e a de Coimbra não poderá viver, por maio-
ria de razões. O que é indispensável é desenvolver o que está
creado. »
( O Século de 30 de Maio de 1919 ).
Da reforma à greve
Soube-se pelos jornais de 15 do corrente, que a Faculdade
de Letras da Universidade de Coimbra resolvera requerer a
suspensão do decreto que reformava a secção de filosofia, bem
como o da nomeação de novos professores feita nos termos do
mesmo decreto, até que as Faculdades dessem sobre êle o seu
parecer. . .
Aqui foi dito como aquele diploma alterava a legislação
vigente, modificando : 1." — o quadro de disciplinas da secção
de filosofia; 2.<* — o modo de recrutamento de professores.
O quadro de disciplinas foi consideravelmente aumentado,
figurando, entre as adições, uma biologia, uma íísica geral e
uma química geral. Parecerá a toda a gente que, sendo as
Faculdades de Letras parcelas das respectivas Universidades,
não havia razão para as dotar com tais cadeiras, que em outras
Faculdades já existem. Precisam os aspirantes a médicos de
conhecimentos de física e de química gerais, de zoologia e de
botânica, e vão colhei os nas Faculdades de Sciências ; precisam
os futuros diplomadas em Direito, de conhecimentos de medi-
cina legal, e ministra-lhos o professor que rege essa matéria
nas Faculdades de Medicina. Se amanhã julgarem, e pôde ser
I
(77)
que julguem, necessárias aos futuros médicos umas noções de
lingua grega, ninguém pensará, por certo, em criar uma cadeira
de grego nessas Faculdades. Eles irão às de Letras adquirir
tais conhecimentos. Esta orientação é razoável, é económica, e
até já era seguida no tempo em que Lisboa e Porto não tinham
Universidades, e somente Escolas independentes.
Pessoas, que escondem o vazio de pensamentos por trás de
frases campanudas c de afirmações dogmáticas, respondem a
isto que há uma fisií^a geral e uma química geral próprias para
futuros filósofos. É um argumento que pôde colher em Cascais
e em Aveiras de Cima.
Mas não foi propriamente contra a criação das novas cadei-
ras que representou a Faculdade de Letras de Coimbra, e sim
pelo modo como foi feita, sem consulta às Faculdades, na ver-
dade sem consulta a ninguém. A última reforma de estudos
vem duma ditadura, e as Universidades aceitaram-na com
prazer. Mas teve, essa reforma, um demorado estudo e a cola-
boração de muita gente. Por exemplo, a dos estudos médicos
teve por base trabalhos efectuados pelas três Faculdades de
Medicina, os quais duraram por alguns anos. Foi a final elabo-
rada por uma comissão de três professores, delegados das
mesmas Faculdades, sendo ouvidas ainda a Associação dos
Médicos Portugueses, que havia eleito uma comissão de estudo,
a Associação Médica Lusitana, cremos que a Associação dos
Médicos do Centro de Portugal, e até os estudantes. Por fira,
o sr. Alfredo de Magalhães pôz-lhe a sua assinatura . . e fez
muito bem.
Agora foi o Governo que decretou de sciéncia certa, sem
querer saber do Parlamento, que ia eleger-se de aí a nove dias,
nem tomar conselho com as pessoas que pela sua situação
oficial mais garantias dão de conhecer tais assuntos. Decretou,
e nomeou logo quatro professores.
Com aquela proficiência que adquirem todos os que passam
nas escadas do Terreiro do Paço perante vénias de contínuos e
de pretendentes, o Governo também escolheu umas pessoas
(78)
para professores, sem consulta a ninguém, aos homens de
quem estes iam ser colegas e cuja opinião conviria ouvir, ainda
que isso não fosse uma velha e respeitada tradição. São, natu-
ralmente, pessoas de muitos méritos os escolhidos ; mas
melhor era que esses méritos fossem reconhecidos pelos espe-
cialistas, do que tão somente pelo Governo.
Representara, pois, a Faculdade de Letras de Coimbra ; e
logo em seguida, por um lado os actuais e antigos alunos de
idêntica Faculdade de Lisboa, por outro os graduados desta
Universidade, protestaram no mesmo sentido. Pediam que
fossem ouvidos os conselhos das Faculdades sobre a reforma,
que as nomeações de professores só pudessem sev feitas pelo
anteriormente estatuído, que se cuidasse da selecção do corpo
docente, e finalmente que fosse revogado o decreto. Passava-se
isto em 14 de Maio corrente.
A resposta não se fez esperar. Seis dias depois era demitido
do cargo de reitor da Universidade de Coimbra o sr. dr. Mendes
dos Remédios, e nomeado o sr. dr. Coelho de Carvalho, que já
exercia esse lugar interinamente. No dia seguinte, era extir-
pada a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e
enxertada na Universidade do Porto. Na primeira daquelas
cidades criava-se uma escola de Belas Artes, à qual, segundo
se disse mais tarde, se juntariam umas disciplinas de Letras,
não se sabendo afinal, ao certo, a qualidade daquele enxerto —
se artes, se letras, se tretas.
Havemos de ver os motivos destas graves deliberações : os
constantes do curto relatório que antecede o decreto, e os que a
imprensa trouxe a público, e que são inteiramente diversos.
A verdade é que toda a população universitária, tanto professo-
res como alunos, se manifestou desfavoravelmente. O Senado
universitário de Coimbra perfilhou a doutrina expendida pela
Faculdade de Letras ; o de Lisboa apoiou o de Coimbra ; os
estudantes manifestaram-se no mesmo sentido. Houve uma
unanimidade de vistas, que nem sempre se encontra, dos cor-
pos docentes e discentes.
(7f)
Os estudantes ouviram do Governo que não cederia, e resol-
veram a parede, que começou em Coimbra. Em 27 do corrente,
os alunos das Escolas superiores do Lisboa deixavam também
de ir às aulas.
Ano tão mau para estudos, cortado, quàsi no começo, por uma
revolução, e depois por acidentes de toda a espécie ! Que pre-
paração scientífica podem adquirir os rapazes num ano lectivo
assim cerceado, e agora perturbado ainda, quàsi no seu final?
Esta consideração deve pesar no ânimo de todos, e principal-
mente no do Governo.
F. MlBA.
/^^ i^Mcía de 31 de Maio de 1919).
 questão universitária
Com vista ao Sr. Ministro da Instrução Pública
I
A geração de Coimbra de 1907 e o actual Governo
Eu pertenci em Coimbra aquela ala dos irreverentes, que
contra a Universidade de então tiveram a coragem e a inde-
pendência de levantar o seu grito de protesto e de revolta.
Êle ecoou então por todo o país ; e desse movimento — que
foi a greve de 1907, cuja memória há de perdurar na história da
Universidade, porque foi uma afirmação de aspirações, nobili-
tada por uma afirmação de carácter — desse movimento saiu a
primeira reclamação da remodelação do ensino e dos velhos
estatutos universitários, que devia fazer daquele feudo decrépito
uma Universidade digna do nosso tempo.
E esse grito partiu da mocidade ; daquela ala de irreverentes,
a que me orgulho de ter pertencido bambem. E aquele movi-
mento, se nos lembrarmos do encadeamento dos factos, dar-lhe
hemos o valor que lhe cabe na história da nossa vida política.
Êle intensificou as campanhas contra o governo de João
Eranco e precipitou a sua queda, actuando assim no desencadear
(80)
dos acontecimentos, que representavam o rápido desmoronar da
monarquia.
E essa mocidade, que, integrada no espírito da sua época,
traduzia e reflectia a esperança numa organização melhor, foi
a colaboradora, a mais fiel e desinteressada, a mais entusiasta
e confiante, em todos os momentos de luta e de perigo, até ao
triunfo da República.
E tão alto e tão longe ecoara o nosso protesto, tanto êle tra-
duziu uma afirmação de aspirações e de princípios, e de tal
maneira abalou a consciência nacional, que um dos primeiros
actos da República foi a reforma da Universidade de Coimbra.
Neste simples registo de factos, não posso analisar o que
foram essas primeiras tentativas de reformas, inconsistentes
e imperfeitas ; mas elas marcam uma tendência renovadora, e
é esse todo o seu valor histórico.
Um dia, mais tarde, os estudantes entraram nas aulas, e derru-
baram a machado as cátedras e os velhos bancos.
Já nós, no nosso tempo, tinhamos proclamado aqueles actos
violentos de sahotage, sem os levarmos a efeito. Mas a ideia
subsistiu, com essa independência de todas as ideias consub-
stanciadas, que representam uma aspiração indestructivel.
Os espíritos graves e ponderados haviam de se ter chocado
— é justo e justificável — perante os excessos da mocidade ;
mas, após a violência daquele gesto, aparece-nos uma Univer-
sidade transfigurada : em vez dos velhos bancos esguios —
carteiras cómodas para cada aluno, como exprimindo o respeito
pela pessoa do estudante ; e em vez da cátedra evocando os
púlpitos — uma simples mesa, com que o professor desceu ao
nivel dos seus alunos.
E é o fundo significado moral desta simples mudança de
indumentária.
Eu quis evocar rapidamente todos estes factos passados,
para neles encandear, como remate, os líltimos decretos que
novamente vieram pôr em foco a Universidade de Coimbra.
(81)
Porque se dá a circunstância do actual Governo incluir entre
os seus membros três estudantes dessa plêiade revolucionária
de 1907. Um deles, o ministro das finanças, fora um dos estu-
dantes expulsos ; outro, o da justiça, fazia parte comigo da
comissão da Academia, encarregada de ir a Lisboa apresentar o
seu protesto ao Parlamento.
Foi uma gloriosa jornada aquela, em que nós fomos deante
do ditador, com toda a insolente altivez da nossa idade, e com
o desassombro das nossas convicções, lêr as reclamações da
Academia de Coimbra.
E o que nós reclamávamos era isto. . . apenas : a remode-
lação do ensino e dos estatutos universitários, em harmonia
com as novas aspirações, a as tendências e as necessidades da
nossa época.
Poderá parecer que um ódio velho, uma espécie de fobia
latente contra a Universidade de Coimbra, acordou agora na
alma do Governo. Mas não ; por certo.
Nem a Universidade de hoje, remodelada já pela República, é
a velha Universidade do nosso tempo, nem o sr. ministro da
instrução, que deve ser o único autor dos últimos decretos
(que melhor seria que tivessem adormecido na sua pasta ),
pertenceu a essa geração revolucionária de Coimbra de 1907.
Mas, por considerar nesta circunstância de três membros do
Governo de hoje terem sido os meus companheiros das lutas de
ontem, eu venho proclamar, com a autoridade que esse passado
me dá, o meu desacordo com as recentes medidas do ministro
da instrução, pelo que elas têem de atentatório às garantias e
direitos individuais, à dignidade profissional e à liberdade da
cátedra ; ao mesmo tempo que representam um golpe injusto e
extemporâneo naquela que pela tradição, pelo direito, pelo
trabalho, por todas as suas condições, e ainda por ser o nosso
estabelecimento de ensino mais conhecido no estranjeiro, deve
ficar a nossa primeira Universidade.
Não se apregoe insidiosamente, neste meio em que, por nosso
mal; as palavras ocas fazem éco e as ideias são apanhadas ao
10
(82)
vento, que a Universidade de Coimbra é retrógada, reaccionária
e jesuíta.-
E, ai ! quantos na sua servil coerência de oportunismo e de
covardia, fazem agora coro com os puritanos simplistas, apoiando
o Governo contra a Universidade, reformada já pela República,
tendo-a bajulado antes, no tempo da monarquia, quando a regiam
ainda os decrépitos estatutos de Pombal ! . . .
Os actos do sr. ministro da instrução referentes à Universi-
dade, como todos os actos que representam uma arbitrariedade
e uma violência, e ao mesmo tempo uma leviandade, de forma
alguma podem orgulhá-lo, se êle, calando as suas paixões e
fugindo às exortações das turbas, tiver ouvidos para ouvir
apenas a voz da sua consciência.
Teve recentemente o sr. ministro da instrução o malogro das
sindicâncias feitas a quatro lentes da Faculdade de Direito.
Suspenderam-se antecipadamente esses lentes, com o simples
fundamento de umas vagas acusações anónimas, e indicavam-se
ao mesmo tempo já os nomes que os substituíssem. A portaria,
que posteriormente lhes determinava a sindicância, representou
um recurso de que foi preciso deitar mão em face do movimento
de solidariedade que se afirmou.
E de tudo isso, sr. ministro, — deve-se reconhecer e confes-
sar, — os únicos documentos honrosos que ficaram, foram as
« respostas » dos sindicados I
Não sou procurador desses lentes, que nem conheço, mas tão
pouco me retraio em dizer o que sinto e o que penso, lamen-
tando que os nossos homens públicos prosigam em erros velhos,
que não dignificam, nem aqueles que os praticam, nem o regime
que os sanciona.
Então fomentou- se no espirito público que a Faculdade de
Direito era gcrmanófila e reaccionária ; agora o golpe foi contra
a Faculdade de Letras, e espalha-se aos quatro ventos que ela
é retrógrada e jesuíta. . .
I
(83)
Sempre o mesmo velho processo das insinuações que se nâo
demonstram, na certeza de que elas se propagam na incon-
sciência do vulgo.
— Há professores que saem fora da lei e fora das suas atri-
buições escolares, atentando contra a Eepública ? Que a
República os chame à responsabilidade, aplicando-lhes as leis
que ela tem para se defender.
— São maus ou são deficientes os actuais programas de
ensino? Pois que esses programas se. modifiquem e se
remodelem.
Tudo isto é justo ; e é, cumulativamente, um direito e uma
obrigação da República.
Está bera, e assim deve ser.
II
Os antecedentes da questão
Chegámos agora, depois deste longo preâmbulo que repre-
senta um encadeamento de ideias e de factos, à questão moir.en-
tosa da Universidade.
Publicou o sr. mini.stro da instrução, para execução imediata,
nesta altura do ano lectivo e a dois passos da abertura do
parlamento (estes reparos não são do^^cabidos), o decreto que
remodelou os estudos filosóficos na Faculdade de Letras.
E o decreto n." 5:491 de 2 do corrente. E tanta pressa se
dava ao provimento dos lugares creados, que, com a mesma
data de 2 de maio, se nomeavam os novos professores.
Notemos, sem comentar, esta faculdade que o ministro agora
se arrogou, consignando-a na lei.
Que autoridade reconhecerá o mesmo ministro amanhã a
qualquer sucessor na sua pasta, para avaliar da competência de
cada um (é este o espírito do artigo) e começar a nomear pro-
fessores como muito bem lhe parecer e aprouver?
Mas eu não venho apreciar aqui esse decreto de remodela-
ção, porque seria desviar a questão do aspecto por que a
encaro, e do pé em que a coloquei.
(84)
Sobre esse decreto manifestaram- se logo os estudantes da
Faculdade de Letras de Lisboa, verberando o seu protesto e
pedindo ao Governo a sna revogação.
Em seguida manifestou-se o Conselho da Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra.
A sua atitude é altiva mas correcta, e as razões, que no
seu protesto alega, calam em todos os espíritos justos e
imparciais.
« A Faculdade não pretende apreciar o decreto sob os
múltiplos aspectos em que ele poderia ser encarado. Não é
aqui o logar, nem a oportunidade. A Faculdade quere tão
somente referir-se a considerações de ordem pedagógica, úni-
cas que poderiam ter inspirado esse documento. E, sendo
assim, como explicar, a ponco mais dum mês do termo do ano
lectivo,- a publicação desse decreto remodelando uma secção
completa do quadro das Faculdades de Letras, sem se ouvirem
os respectivos professores dessas Faculdades ? Se o ano vai
terminar brevemente, se não bá alunos, nem há possibilidade
de matrículas, como pôr em prática a doutrina do decreto ^á 710
ano corrente ? Se foi para atender a uma imperativa necessi-
dade scientífica, dificilmente se explicará a exclusão de maté-
rias mais intimamente relacionadas com as especulações
filosóficas, que algumas das que figuram com larga representa-
ção e como privativas do quadro.
« Se estas considerações são razoáveis, como se nos afigura,
a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra ousa pensar
que a sua colaboração, se fosse solicitada, só auxiliaria os bons
propósitos de V. Ex.', servindo simultaneamente os altos interes-
ses do ensino,
« Mas a sua colaboração não só não foi solicitada, como nem
sequer lhe foi dado conhecimento prévio do importante diploma
a que vimos aludindo. Tal atitude só pode ser interpretada
como um profundo agravo feito à Faculdade.
a E tendo essa demonstração, injusta e imerecida, partido do
próprio ministro da instrução, até V. Ex.* levamos desassom-
(85)
bradamente a razão do nosso protesto, como cidadãos amantes
do nosso país, como professores ciosos das nossas responsabi-
lidades e, acima de tudo, orgulhosos da Universidade, a que
pertencemos e em que fomos educados. »
Não são menos justas as observações ao decreto no referente
à nomeação dos novos professores.
« E, se a Faculdade lamenta não ter podido colaborar com
V. Ex.' na remodelação do quadro das sciéncias filosóficas,
maior motivo de reparo tem por não ser ouvida quanto à desi-
gnação das pessoas nomeadas pelo decreto de 2 do corrente.
Claro, que não se trata da legalidade das nomeações. Essa está
assegurada pela doutrina do decreto citado, n." 5:491, Mas,
tratando-se de professores, que amanhã ingressarão na Facul-
dade, porque não observar com ela, pelo menos, a simples
deferência duma consulta ?
« Exige o decreto que sejam pessoas de reconhecida competência
scientifica; mas o facto é que os professores da Faculdade labo-
ram no mais profundo desconhecimento dos méritos dos
nomeados, tornando-se, por isso, indispensável que lhes tivesse
sido dada notícia, pelo menos, dum simples curriculum vitae
para sua elucidação. Nestes termos recorrer à nomeação
directa, pura, simples, formal, sem proposta nem consulta da
Faculdade, pode ter precedentes com que se abone, mas não se
nos afigura a mais conforme com os interesses do ensino, o
prestígio da Universidade, e o bom nome dos próprios agra-
ciados. »
O sr. ministro da instrução melindrou-se com aquele curri-
culum vitae, que traduziu -çor folha corrida.
Substituímos os nossos comentários pelos próprios do Con-
selho da Faculdade de Letras, porque nada tendo a juntar, eles
servem para demonstrar ao mesmo tempo os termos « desres-
peitosos e ofensivos », em que a sua representação foi con-
cebida.
(86)
III
A desanexação da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
e a suspensão do reitor
Como se castigam meninos, o sr. ministro da instrução pública
respondeu àquela representação com um decreto demitindo o
reitor, e com outro desanexando da Universidade de Coimbra a
Faculdade de Letras.
E não se poderá também chamar a isto um verdadeiro abuso
do poder?
São incitamentos à subserviência tanto um como outro decreto,
porque é essa subserviência afinal que se proclama, ao taxar- se
de ofensivo e desrespeitoso o protesto desassombrado, mas
sereno, dos professores da Faculdade de Letras, na legítima e
justa defesa dos seus direitos lesados, e no uso de livre aprecia-
ção, exclusivamente profissional !
Só a má fé pode atribuir, no decreto de demissão do antigo
reitor, a atitude dos professores de Letras de Coimbra a um
« acto intencional de indisciplina » e nele filiar a atitude dos
seus alunos.
Anteriormente aos estudantes e aos professores de Coimbra,
já se tinham manifestado os estudantes de Lisboa.
As causas justas têem este poder coesivo, mostrando assim
que a justiça não é apenas uma palavra vã.
E que orientação criteriosa é essa, a que plano ponderado se
pode ter obedecido, quando, decretando ainda em 2 de maio a
remodelação do grupo de filosofia da Faculdade de Letras na
Universidade de Coimbra, se vem já em 10 de maio (oito dias
apenas mais tarde ! ) desanexar da mesma Universidade de '
Coimbra aquela Faculdade de Letras?!
E a incoerência de todas as coisas que se escrevem leviana-
mente sobre o joelho ; ao mesmo tempo que se evidencia o espí-
rito de vindicta que presidiu à factura daqueles decretos.
#
E, no fim de contas, com todos aqueles considerandos em que
se baseia a extinção da Faculdade de Letras de Coimbra, esse
(87)
decreto ( de 10 de maio do corrente ano ) é o mais honroso
atestado que o ministro lhe podia passar.
De facto, reconhece-se ali, « que a cidade de Coimbra é um
meio essencialmente universitário, vivendo o professorado e o
corpo docente da Universidade como que insulados no seu tra-
balho especulativo, literário e scieutifico » (3." considerando ),
Reconhece-se tam.bém « que a Faculdade de Letras da Ilni-
versidade de Coimbra tem orientado. . . notavelmente a cultura
dos seus alunos » ( õ." e ultimo considerando) ; com quanto se
acrescente que essa orientação tende a dar « preferencia à eru-
dição livresca sobre as especulações originais do espírito
moderno, manifestando- se na filosofia, revelada nas obras dos
seus principais professores e alunos laureados, uma quasi com-
pleta orientação tomista de forma escolástica ».
( O sr. ministro queria talvez dizer antes « orientação esco-
lástica de forma tomista » ).
O certo é que os ecos, propagados ao vento, já espalharam
esta afirmação de s. ex.».
Hoje, uma boa dose da opinião pública já está realmente
convencida que sim, que a Universidade de Coimbra é germa-
nófila, escolástica e tomista !
Muito proveitoso é o éco !
#
Mas afinal, sr. ministro, daqueles dois considerandos do decreto,
e ainda mais do outro que salienta que « as condições sociais da
cidade do Porto sào de mais larga actividade que as de Coimbra »
^4." considerando ), o que se deduz é exactamente o contrário do
que o decreto deduziu :
Que na cidade do Porto, meio social em que as mais variadas
manifestações da actividade se exercem, deve ficar a Faculdade
Técnica e a Escola das Belas Artes ; e em Coimbra, meio essencial-
mente universitário, mais próprio para o trabalho especulativo, lite-
rário e scientifico, deve ficar a Faculdade de Letras, que nada
tem que ver com o movimento das docas, ou das praças, a
indústria ou o comércio de vinhos finos.
(88)
*.
Para nada faltar às razões que o decreto alega para a extin-
ção da Faculdade de Letras de Coimbra, resta apenas referir o
l.*' considerando, onde se fala no professorado liceal, e o 2." consi-
derando, que eu não traduzo em português corrente para lhe
não tirar o sabor original.
Diz assim :
« Convindo que quem se destina ao ensino secundário — que
é neste que se forma o carácter dos alunos e porque não pode
ser bom educador quem não tenha o conhecimento prático da
vida — siga os seus estudos superiores num meio social em que
as mais variadas manifestações da actividade se exerçam ». . .
Não sei se o leitor poudé seguir bem o fio da ideia através da
escabrosidade da prosa ; mas é o que lá está.
J
Quanto à tal orientação tomista de forma escolástica ( eu
embirrei com isto, como o sr. ministro embirrou com o curri-
culum vitae) é lá com os professores. Eles que se expliquem.
Mas com respeito à erudição livresca, eu não a vejo realmente
mais justificada do que numa Faculdade de Letras. E, de resto,
essas tais especulações originais do espirito moderno, que o decreto
apregoa, também não as compreendo sem os livros.
O que vejo afinal nestas frases todas, sr. ministro — é apenas
uma filarmónica de instrumentos de sopro.
Abre-se o decreto :
« E desanexada da Universidade de Coimbra a Faculdade de
Letras, creada em substituição da extinta Faculdade de Teo-
logia. . . u Cá está o alçapão, a ratoeira, aqui, logo à entrada da
porta.
A opinião alarma-se com esta revelação tremenda.
Mas acalmem- se ! São apenas quatro os professores vindos
da Faculdade de Teologia, e durante já quasi nove anos de Repú-
(89)
blica, e sob os Governos mais radicais, ainda lhe não tinham
desmerecido a sua confiança nem negado o seu concurso.
Um jornalista, baralhando datas e ideias, chegou a aclamar
este decreto, por êle ter extinguido a Faculdade de Teologia !
E a Faculdade de Teologia fora extinta em 1910 ! !
Mas, continuando...
— Com a incoerente aplicação dos seus fundamentos, o decreto
fechava a Faculdade de Letras de Coimbra ( art. 1.° do dec. ).
— No desprezo absoluto pelos direitos creados à custa de
trabalho e ao abrigo da lei, punham- se professores na disponi-
bilidade, transferiam-se outros para o Porto, atirava-se com
outros para bibliotecas e arquivos ( se chegassem a mandá-los
para lá ) e nomeavam-se professores novos ao belo prazer do
ministro ! ( artt. 2.» e 3.» ).
— Os alunos, se terminavam o curso, que fossem para Lisboa
fazer os seus exames ; aos outros, dispensavam-se-lhes as pro-
vas finais ! (art. 4.").
— Aplicava-se a uma instituição diferente um edifício não
concluído ainda, e propositadamente estudado e construído para
a Faculdade a que se destina, com as suas aulas montadas já e
a sua biblioteca privativa, uma das mais interessantes do país !
( artt. 5.0 e 6.» ).
— E, finalmente, para se prover a esta tão urgente, tão impe-
riosa e tão radical transformação, aumentam-se as despesas,
arrogando-se o Governo a faculdade de abrir para isso os crédi-
tos especiais necessários ! ( art. 7.** ).
E é isto o glorioso decreto, cuja precipitação chega a fazer
vertigem, tão urgente, tão inadiável era a sua execução, nesta
altura, a dois passos do fim do ano escolar, sem ao menos haver
tempo para se efectivar toda esta tranquibernia, e quando nem
se podiam já abrir matrículas, quer nas novas escolas de Coimbra,
quer na nova Faculdade do Porto.
(90)
Parece-me que se tem realmente abusado muito dos concei-
tos dinâmicos do futurismo.
Eu procurei seguir o encadeado desenrolar dos factos ; e, a
respeito dos últimos decretos, que nenhum aspecto e nenhum
ponto escapasse à minha atenção.
Peço desculpa, sr. ministro da Instrução Pública, se me faltou
ainda dizer mais alguma coisa contra eles.
Está finalmente satisfeita esta grande aspiração, aparecida
assim, de chofre, no ix ano da República ; e, como garantia, lá
teem um reitor de absoluta confiança na Universidade de
Coimbra !
« Da absoluta confiança da República », sim ! E o decreto
que o diz.
Não sei ( mas que importa que eu não saiba ? ) de que mila-
gre ou artes mágicas surdiu esta inopinada confiança.
Desde que o proclama quem sabe, isto basta para que todos
o reconheçam.
E, por isso, numa explosão de gáudio, estrugem o ar os vivas,
as aclamações, as apoteoses.
E um delírio !
— Valha-nos o Reino dos Céos, onde essas vozes não chegam,
6 que é ainda, neste século de crença apagada, o refúgio de tan- .
tos espíritos ! !
IV
Ultimas considerações
Perante o atentado feito não só à Universidade de Coimbra,
mas ao ensino português, devemos registar, consoladoramente,
a nobre solidariedade do Senado Universitário e da Academia •
das três cidades.
Contudo, não fique ao mesmo tempo sem reparo, que com
tristeza fazemos, a atitude, ou dúbia ou subserviente, dos que
neste momento palpitante deviam ser os primeiros a firmar o
seu protesto, altiva e desassombradamente.
(91)
Mas ai ! a noção do que a nós próprios devemos, acima de
tudo, pela nossa probidade intelectual e moral, representa real-
mente uma qualidade de raros ; é dos eleitos apenas.
*
O reitor, que deve zelar pelos interesses da Universidade ; a
Câmara, que deve zelar pelos interesses do município ; o gover-
nador civil, que deve zelar pelos interesses do distrito ; — sáo
precisamente estas entidades ( ressalvadas, individualmente,
algumas excepções da Câmara) que saíram da sua ambiguidade
apenas para se manifestarem pelo Governo, contra os interesses
que lhes cumpria defender.
— Quanto ao actual reitor da Universidade, basta o que se
diz na mensagem do dia 25, dirigida ao sr. Presidente do Minis-
tério e ao sr. Ministro da Instrução, divulgada pelos jornais, e
assinada por todos os professores que se encontravam em
Coimbra, à excepção apenas de dois.
— Da Câmara Municipal, consta-me que no início deste movi-
mento fora rejeitada uma proposta, pedindo que uma comissão
se encarregasse de elaborar uma representação ao ministro.
Da mesma Câmara municipal, dão os jornais a notícia deste
protesto raquítico consignado no seguinte telegrama :
« Ex.'"» Ministro da Instrução — Lisboa — Como presidente
do município, significo a v. ex." que a cidade de Coimbra não
concorda com a desanexaçâo da Faculdade de Letras, e reclama
a conservação desta escola no organismo universitário — Ahea
dos Santos ».
( O sr. dr. Alves dos Santos era também professsor da Facul-
dade de Letras. . . e é deputado. )
— Do governador civil, os jornais falam em proibição de
manifestações à Universidade, e incidentes desagradáveis.
Nada mais sei. . . mas basta.
O que porém sobre tudo me fere, a mim que vivo longe das
turbas e alheado da? paixões, é a inconsciência com que se
(92)
atiram ao vento palavras ocas, que perderam o seu sentido, de
tal maneira se abastardaram das ideias que representam ; este
impudor ou leviandade, com que se afirma sem se saber, e se
cirtica o que se não conhece ; tudo isto enfim que constitue um
sintoma do nosso tempo, e dá a medida moral do que nós
somos !
*
E agora quero terminar, rematando com o comentário mais
sentido, e com um apelo o mais veemente.
Dirijo-me aos estudantes republicanos, àqueles que não
acompanharam o grosso da Academia no justo protesto que a
sua solidariedade firmou.
Verbero o seu procedimento, e apelo para a sua mocidade.
Que perante a inutilização dos homens de hoje, possamos ao
menos ter esperança ainda nas gerações de amanhã.
Da moção aprovada por uma pequena minoria (valha-nos
isto ! ) de estudantes republicanos da Faculdade de Sciéncias
de Lisboa, extratâmos estes considerandos :
« considerando que todos os actos de indisciplina são
prejudiciais ao regímen e ao destino da Pátria. . . que a
política não é extranha a este movimento . . . que a aca-
demia só pôde defender os seus interesses mantendo-se
alheia a todas as lutas políticas . . . que a única entidade
a quem compete discutir perentóriamente os actos do
poder executivo é o Parlamento .. . que o conselho da
Faculdade de Letras foi o próprio a reconhecer a legali-
dade com que o sr. ministro da instrução tem conduzido
a questão com a mesma Faculdade. . . »
Mas tudo isto é degradante, como documento de subserviên-
cia, de sofismas, de contrasenso e de chicana política, para
uma mocidade republicana que devia, se um verdadeiro espírito
republicano a inspirasse, ser a primeira a clamar, a pugnar,
pelas justas reivindicações.
(93)
E em vez disso, que pruridos de ordem e de legalismo !. . ■
Que desconsolo !
Mas faltou o último considerando :
« considerando que uma greve nesta altura pode ter
graves consequências, não só para a academia, como
para o pais. . . »
E é também com este fundamento, de recearem as conse-
quências graves para a Academia, evocado e declarado publi-
camente, sem pejo, por esses estudantes republicanos, que eles
resolvem rejeitar ioda e qualquer proposta de greve com o fim de
secvndar os movimentos iniciados !
Eles podem declarar-se republicanos, mas falta-lhes a condi-
ção fundamental, essencial, estrutural, para o serem, como a
República requere que eles sejam e como precisa deles para
bem a servirem !
28 de Maio de 1919.
J. M. DE Sant'Iago Fkezado.
(Gazeta da Figueira de 31 de Maio de 1919).
Elogio da Faculdade de Letras
na Academia de Sciências de Portugal *
O sr. dr. António Ferrão comunica que visitou, na recente ida a
Coimbra, o edifício da Faculdade de Letras desta cidade, na compa-
nhia do director e de alguns professores do estabelecimento. Con-
fessa que não podia ser mais lisonjeira a impressão que lhe ficou
dessa visita, quer pelos métodos de ensino ali seguidos e que lhe
foram descritos pelos professores presentes, quer pelais instalações de
que já dispõe essa florescente escola. Pelo que viu, pode concluir que
essa Faculdade não deseja limitar-se a fornecer a preparação scientí-
fica para as profissões de professores do ensino secundário, mas tra-
balha para preparar investigadores.
(94)
Descreve a aula de paleografia e de diplomática, com o seu magni-
fico mostruário, que classifica de uma autêntica maravilha da iniciativa
e do esforço portugueses ; fala com minúcia da aula-museu de epigra-
fia, que sendo já alguma coisa de importante, apesar de ainda se
encontrar em construcção, será de futuro, certamente, um belo museu
de '' monlages » para o ensino da arqueologia e da arte antiga e
moderna ; refere-se à aula e gabinete de psicologia experimental, de
que é professor o sr. dr. Alves dos Santos, gabinete esse que é já
alguma coisa de prometedor, e que muito mais progressivo estaria, se
a guerra não viesse tornar impossível a acquisição de aparelhos ; e
descreve a biblioteca privativa da Faculdade e as pequenas bibliotecas
especializadas das aulas e salas de trabalho, que ainda convém des-
envolver mais.
Ouviu louvar as instalações das aulas de geografia do professor
Ferraz de Carvalho, mas não as visitou.
A Faculdade de Letras de Coimbra, pelo que é já e pelo que
promete vir a ser, é a primeira Faculdade de Letras do país, podendo
mesmo dizer-se que é a única « em instalações e material didático
que temos possuído até hoje ».
A seguir, traça o perfil scientífico de alguns professores dessa
Faculdade, falando especialmente da obra notável da sr.» D. Carolina
Michaelis, e dos trabalhos dos srs. drs. António Ribeiro de Vascon-
celos, Gonçalves Guimarãis, Mendes dos Remédios, Alves dos
Santos, etc.
Faz notar que todos os professores da Faculdade, com quem falou,
se lhe confessaram sumamente gratos para com a República, no que
não fazem mais que ser justos, pois o novo regime, além de crear a
Faculdade de Letras e de conceder à Universidade a mais rasgada
autonomia pela constituição universitária de 1911, uma das mais belas
obras do Governo Provisório, tem sido enormemente generosa nas
verbas concedidas, tanto para a melhoria das condições de vida do
professorado, como para as instalações escolares.
A seguir, o sr. dr. António Ferrão faz notar que sendo as Acade-
mias de Scíências a verdadeira cúpula de todo o organismo scientí-
fico de uma nação, e que convindo dar, neste momento, uma realização
(95)
prática às nossas aspirações de correlação de esforços entre as Aca-
demias e as Universidades, não pode a Academia de Sciências de
Portugal ficar indiferente ante o conflito entre o Governo e a Univer-
sidade de Coimbra, conflito esse que bem pode generalizar-se e agra-
var-se mais, se não fôr desde já solucionado. A Academia deve
intervir, pois tal estado de cousas é maximamente prejudicial ao
ensino e ao progresso scientífico.
A seguir, diz o sr. dr. António Ferrão que o Governo tem todo o
direito — e, mais do que isso, o incontestável dever — de defender
a República dos seus inconciliáveis inimigos ; mas necessário é que se
apure onde eles estão, e se prove quem são, para que um gesto,
melhor intencionado que conduzido, não venha a ter consequências
contraproducentes.
Termina por dizer que, sendo do maior interesse para o prestígio
do regime, para o sossego público, para a boa marcha do ensino, e
para o progresso da sciência portuguesa, solucionar o actual conflicto,
que pôde agravar-se, entende o orador que esta Academia deve
oferecer ao Governo a sua interferência, no sentido de ser solucionado
desde já o lamentável incidente, sem o mais leve menoscabo para o
prestígio da República, e sem. quebra de continuidade no alto ensino
das sciências de erudição na Universidade de Coimbra.
O sr. dr. António Cabreira diz que o sr. dr. António Ferrão tem
tríplice autoridade para tratar do assunto, por ser um perfeito conhe-
cedor dos organismos universitários, por ser o chefe da Repartição
pedagógica da Direcção geral de Instrucção superior, e porque é um
antigo, intemerato e integro republicano.
(A Época de 31 de Ma'o de 1919 ).
JSm torno do conflito universitário de Coimbra
A Faculdade de Teologia era reaccionária ?
Interview com o professor snr. dr. Angelo da Fonseca
A momentosa questão da Faculdade de Letras, que veio pro-
vocar ura conflito, ainda nfto sanado, entre os eleu.entos acadé-
(96)
micos do país — estudantes e professores universitários — su-
geriu-nos naturalmente desejo de ouvir alguém, que no assunto
pudesse manifestar o seu parecer com a independência e a
autoridade que tão necessárias se tornam em questões como a
de agora, visto implicarem com o ensino e naturalmente cora
os interesses morais e materiais do país.
Soubemos que estava em Lisboa o snr. dr. Angelo da Fonseca,
e logo aí vimos a fonte a que cumpria recorrer.
Solicitando do ilustre catedrático, que é uma das mais pres-
tigiosas mentalidades da sciéncia médica portuguesa, uma
interview sobre tão momentoso assunto, amavelmente anuiu ao
nosso pedido, convidando-nos a procurá-lo no Grande Hotel de
Inglaterra, onde se acha há dias hospedado.
Abandonado o telefone, a que impertinente o haviamos
retido, pouco depois tínhamos o prazer de ser recebidos na
sala do elegante hotel, pelo snr. dr. Angelo da Fonseca, que
vindo ao nosso encontro, nos disse :
— Um instante apenas . . .
E foi com efeito o tempo necessário para uma última troca
de palavras e de cumprimentos com dois amigos, que aprovei-
tamos observando a animação do largo de Camões, ainda risonha
nesta véspera de deserção para as viligiaturas.
Por fim sentamo-nos no sofá — o snr. dr. Angelo da Fonseca,
delicadamente, emfira, á nossa disposição, e o autor destas
linhas.
— Sabe V. ex." ao que vimos. . .
O insigne homem de sciéncia sorriu e, como se no diálogo de
ha pouco ao telefone não tivesse havido solução de continui-
dade, disse :
— Para compreender todo este incidente, convém fazer um
exame retrospectivo. . .
Não pediamos tanto.
Es. ex.« continouu :
I
(97)
— Estamos, pois, em 1885, a 2 de outubro. . . Foi na sessão
ordinária do Conselho Superior de Instrução Pública desse dia
que o vogal, dr. Damásio Jacinto Fragoso, lente de Teologia,
fez duas propostas que deviam ficar memoráveis : uma para
que de futuro os lugares de professores dos seminários não
pudessem ser providos senão por concurso de provas públicas,
no qual só tivessem ingresso os formados pela Faculdade de
Teolçgia com informações de Bom ou de Muito bom ; outra para
que ninguém fosse provido em dignidades eclesiásticas e em
canonicatos sem a dita formatura. . .
Percebendo que á nossa inteligência escapava a importância
destas propostas, o snr. dr. Angelo da Fonseca apressou-se a
acentuar :
— E fácil de vêr o alcance das propostas do dr. Damásio
Fragoso. . . Tratava-se de obrigar a frequentar a escola oficial
do Governo, onde, sob a inspecção deste, se ministrava o ensino
da religião, todos os que aspirassem ás funções de ensino ou de
governo na igreja.
— E os lentes de teologia ? inquirimos.
— Os lentes de teologia, em congregação, felicitaram o seu
colega, e fizeram suas as propostas.
— E o bispo-conde ?
— Quanto a esse, numa longa carta dirigida ao Núncio
Apostólico em Lisboa, monsenhor Vicente Vanutelli, insurgiu-
se contra tais projDOstas, pretendendo que a Faculdade de
Teologia, parte integrante de um estabelecimento de ensino, —
a Universidade, — fundada na sua diocese, estivesse sujeita à
sua jurisdição ordinária como prelado diocesano, censurando-a
por ter perfilhado aquelas propostas sem consentimento seu, e
censurando-a de querer ingerir- se no governo das dioceses e
pôr peias aos bispos na livre escolha dos professores dos semi-
nários e das dignidades eclesiásticas. Era isto, no parecer do
bispo, uma insurreição dos lentes de teologia contra êle . . .
E claro que estes repeliram energicamente esta ingerência, que
o prelado pretendia arrogar-se em assuntos de ensino universi-
11
(98)
tário, e proclamaram alto a isenção da Universidade, da juris-
dição episcopal. E aqueles lentes, que eram também professo-
res do seminário, demitiram-se deste cargo.
A narrativa interessava-nos, e tanto que, como se receás-
semos que ela ficasse suspensa, á guisa áefeuiUeton, fizemos :
— E depois. . .
O snr. dr. Angelo da Fonseca prosseguiu :
— Seguiu-se uma enérgica campanha, que durou anos, em
que o bispo recorreu a todos os meios, inclusive á consulta ás
congregações romanas, sentenças da Santa Sé, por ele provo-
cadas, contra a doutrina regalista dos lentes, condenação e
inclusão no Index dos livros por eles publicados, etc, etc. ; pelo
seu lado os lentes mantiveram-se energicamente, apesar de todas
aquelas condenações, sem tergiversarem, embora se encontras-
sem sempre desajudados dos Governos. Sabe ? A bibliografia
desta questão é tão larga, quanto interessante. . . E dela resalta
o vigor com que a Faculdade de Teologia vitoriosamente
combateu sempre a doutrina ultramontana. Por fim o bispo e
Roma viram que nada obtinham, e calaram-se ; mas a Facul-
dade sofreu os ataques da vingança e do ódio, surdos, anó-
nimos, vindos sempre da sombra, implacáveis. . .
E nunca mais desde aquela data saiu nenhum bispo da
Faculdade de Teologia. Os lugares de professores dos semi-
nários eram prosados em sacerdotes educados e graduados em
Roma, para onde iam, por missão dos bispos portugueses, os
estudantes mais inteligentes dos seminários. Eram os doutores
romanos preferidos para os mais elevados cargos das dioceses,
e os de Coimbra desprezados, afastados, obtendo por vezes com
dificuldade uma das mais pobres paróquias. Como resultado a
Faculdade, abandonada dos Governos e perseguida pelos bispos,
viu-se cada vez menos frequentada.
— Assim, quando o Governo Provisório da República a
extinguiu. . .
— ... Já ela estava quasi morta por ter tido o atrevimento
do resistir ás ordens de Roma. . .
(99)
Infelizmente aproximara- se o momento de uma conferencia,
pelo que o sr. dr. Angelo da Fonseca teve de estender-nos a
mão.
— Pode contar o meu jornal com a continuação de tão inte-
ressante narrativa ? preguntámos.
Ao que amavelmente o nosso ilustre interlocutor volveu logo:
— Da melhor vontade.
(À República de 1 de junho de 1919),
O caso de Coimbra
O mandado de despejo da Faculdade de Letras
e uma Faculdade Técnica surgindo na Via Latina
Nova interview com o professor sr. dr. Ângelo da Fonseca
Quiz ter o sr. dr. Angelo da Fonseca a amabilidade de apra-
zar para domingo um novo encontro, para prosseguir na interes-
santíssima exposição que, ácêrca da Faculdade de Letras de
Coimbra, os leitores da República já conhecem.
E tão vivo era da nossa parte o interesse de ouvir a conti-
nuação da narrativa, que, desta feita, fomos contra a feição por-
tuguesa, pontualíssimos,não tendo feito aguardar o sr. dr. Angelo
da Fonseca um minuto sequer por nós.
Como se vai vêr, o que o ilustre professor disse não desme-
receu de tamanho interesse.
#
— Quando era 1911 o ministro do Governo provisório sr. Antó-
nio José de Almeida criou a Faculdade de Letras em Coimbra,
— começou o nosso entrevistado, — fê-lo não só no intuito de
satisfazer a uma velha aspiração universitária da extinta Facul-
dade de Teologia, mas também para atingir um fim pedagógico
notável. De facto, os professores da Faculdade de Teologia,
possuidores de uma alta competência e de uma vastíssima cul-
(100)
tnra hlimanista, conhecendo profundamente as línguas mortas,
a história, a literatura, etc, achavam-se em condições admirá-
veis para com eles ser organizado o núcleo da futura Faculdade
de Letras. Homens de tradições liberais, tendo rompido com a
reacção — na mais violenta das campanhas — na defeza da supre-
macia GO poder civil, constituíram em tempos a elite intelectual
da Universidade de Coimbra. Procedeu, portanto, muito bem o
sr. dr. António José de Almeida, permitindo-lhe o ingresso na
Faculdade de Letras então criada.
— E todos o fizeram?
— Nem todos. Muitos desses lentes não aceitaram o convite.
— Assim presentemente. . .
— Presentemente na Faculdade de LetrAs quatro apenas são
os professores da extinta Faculdade de Teologia : — o dr. Alves
dos Santos, deputado evolucionista; o dr. Mendes dos Remédios,
que não é padre como por aí se diz, pois somente possui a
ordem de subdiácono, que era o indispensável para tomar o
grau de doutor e apresentar-se a concurso ; o dr. Eibeiro de
Vasconcelos, professor notabilíssimo, e que foi um dos principais
vultos na defesa das regalias universitárias contra o poder
episcopal ; o dr. Oliveira Guimarãis, que se acha filiado em um
dos partidos da República. Ora, sendo de mais de vinte o qua-
dro dos professores da Faculdade de Letras, apenas quatro
vieram, por conseguinte, da antiga Faculdade de Teologia.
O ilustre catedrático, que de quando em quando voluntaria-
mente interrompe a sua calma e interessantíssima exposição, a
fim de nos deixar apontar nomes, datas, outros detalhes, que à
memória escapariam, — e tudo isto num assunto desta natureza
' convém fixar, — prosseguiu, com a mais amável e encantadora
das paciências :
— Até 1911 a Universidade de Coimbra não era uma verda-
deira Universidade. Faltava-lhe o ensino das Letras. E foi sem
dúvida para satisfazer a esta indicação de ordem puramente
pedagógica, que o sr. António José de Almeida a criou. Dis-
cutia-se então, acaloradamente, se conviria ou não reunir numa
(101)
s6 faculdade o ensino das Sciéncias e das Letras, como sucede
em dezassete das vinte Universidades alemãs ( Faculdade Filo-
sófica ) e nas Universidades americanas ( Colégio ) ; ou, pelo
contrário, se conviria manter as duas Faculdades separadas, à
maneira francesa. Optou-se por esta última forma, sendo, por-
tanto, as Faculdades de Sciéncias e Letras os ensinos funda-
mentais duma Universidade.
E com mágua- num tom mais vivo, acrescentou :
— O que se fez agora à Universidade de Coimbra, não passa
de uma barbara mutilação, que nada compensa sob o ponto de
vista pedagógico.
— Não há então séria razão para exaltar-se a instituição
duma Faculdade técnica ? preguntámos.
O sr. dr. Angelo da Fonseca volveu :
— As escolas profissionais não podem constituir núcleos de
Universidade. Elas são da mais variada natureza. Se na Europa
as Faculdades profissionais se reduzem, na grande maioria dos
casos, ao Direito e à Medicina, na América há-as diversíssimas,
chegando a existir na Universidade de Colúmbia uma escola de
jornalismo, devida a um donativo de um milhão de dolars do
director do World. Por outro lado, a Universidade de Princeton,
de que Wilson foi reitor, reduz-se simplesmente ao Colégio
( ensino de Sciéncias e Letras ). '
A Escola Técnica e a Escola de Belas Artes, prometidas a
Coimbra, em vez da sua Faculdade de Letras, não correspondem,
meu amigo, a uma necessidade nacional.
— Mas ...
O eminente professor, adivinhando o que poderíamos, respei-
tosamente, observar sobre a importância do ensino técnico num
país como o nosso, em que o trabalho tanto deixa a desejar, tanto
pelos seus métodos como pela sua productividade, interrompeu
logo:
— Há já, como sabe, uma Faculdade técnica no Porto, e. . .
infelizmente a sua frequência é reduzidíssima. Para que crear
outra no centro do país, num centro de tão altas tradições
(102)
humanistas?. . . Ora vamos agora crear tantas Escolas Técni-
cas Superiores e Escolas de Belas Artes, quantas as Universi-
dades. Mas tal coisa não tem precedente em qualquer país do
mundo.
E por último :
— E um erro, sabe? — o supôr-se que a frequência duma
Universidade é proporcional ao número dos seus ensinos.
E preferivel ter poucos, mas bem organizados. Não acha?. . .
Que havíamos de responder ?
Falava um dos mais doutos professores, e a sua pregunta era
apenas, na sua tão natural e insinuante delicadeza, uma ama-
bilidade.
(República de 3 de Junho de 1919).
A questão de Coimbra
Ponho hoje um parêntese nas considerações sobre a política
nacional, para me ocupar do conflito universitário. A questão
oferece múltiplos aspectos ; mas só tratarei daqueles, sobre os
quais possuo dados seguros de apreciação.
As origens do conflito parecem ter sido o decreto que refor-
mou a secção de filosofia das Faculdades de Letras, e as
nomeações dos novos professores. Pelo que respeita à reforma,
há a considerar a reforma em si mesmo, e o modo como ela foi
decretada, sem um estudo prévio por pessoas competentes, sem
a consulta às Faculdades interessadas.
A reforma, em si, é muito discutivel, e, como todas as coisas
discutíveis, devia ter sido largamente discutida por quem tem
competência para o fazer.
Em primeiro logar, a tendência para multiplicar o número de
cadeiras sem motivo justificável, vício este, de resto, comum a
todo o nosso ensino superior, como se o nosso país sofresse de
uma pletora de sábios sem trabalho. E a eterna confusão entre
(103)
cadeiras e cursos. A designação de « cadeira » corresponde a um
ramo especializado do saber ; o « curso » é uma série de lições
sobre um assunto determinado. O número de cadeiras varia
com o movimento da especialização scientííica; o número de
cursos varia com as necessidades do ensino. Assim, por exem-
plo, quando os anatómicos eram, ao mesmo tempo, histologis-
tas, anatomia e histologia constituíam uma só cadeira ; a
histologia adquiriu, porém, no fim do século xix, um desenvolvi-
mento tal, que se tornou difícil ao mesmo individuo abranger a
anatomia e a histologia como objecto de estudo aprofundado;
logo começou a aparecer nalgumas Faculdades a cadeira de
histologia. A cadeira é única, mas o seu ensino pode desen-
rolar-se, ou num curso único, exaustivo, ou num curso funda-
mental e cursos complementares, ou em vários cursos parciais ;
histologia geral, histologia do sangue, histologia do sistema
nervoso, etc.
Já na reforma dezembrista, da história da filosofia se fizeram
três cadeiras : história da filosofia antiga, história da filosofia
medieval, história da filosofia moderna e contemporânea. Por-
quê? Desenvolveram-se então, entre nós, com uma exuberân-
cia tal, os estudos de história da filosofia, que já não possam
caber dentro do crânio do nosso filósofo ?
Agora, pela última reforma, temos ainda mais cadeiras :
uma cadeira de teoria da experiência^ uma cadeira de metafísica,
e outras mais. Será, realmente, de mais cadeiras, que o nosso
ensino superior está precisado? Não chego mesmo a compreen-
der como é que, num Estado republicano, se pode ensinar a
matafísica, a não ser historicamente, na cadeira de história da
filosofia. Ensinará o professor a sua metafísica ? Haverá uma
metafísica do Estado f
Também não chego a compreender muito bem a creação das
cadeiras de matemáticas gerais, física geral, química geral e biolo-
gia. Compreendo que S. Ex.* o ministro da instrução tenha
querido dar aos estudantes da secção de filosofia uma educação
scientifica, mais completa do que aquela que levam do liceu.
(104)
tnas, ô (jUô nâo compreendo é que, mantendo a divisão em
Faculdade de Sciéncias e Faculdade de Letras, vá introduzir
nesta última matérias scientíficas, que pertencem ao quadro da
primeira. Esta colocação de matérias só é indiferente naquelas
Universidades em que as duas Faculdades estão reunida
nuraa só, denominada Faculdade das ArieSj como na Inglaterra,
ou Faculdade de Filosofia^ como na Alemanha.
Tudo isto mostra, sem entrar em muitas outras questões
que o problema implica, que, por mais ponderosas que fossem
as razões de S. Ex.^ o ministro para decretar a sua reforma, as
Faculdades interessadas deviam ser ouvidas, tanto mais que
assim o exigem os modernos métodos de governar.
Também a forma como foi feita a nomeação dos professores
não pôde ser aprovada. Quem escreve estas linhas teve a
honra de ser convidado por S. Ex.'" para professor de uma das
novas cadeiras, convite que muito o penhorou, — tanto mais que
não era das relações pessoais de S. Ex.*, mas que declinou, sem
manifestar a sua discordância, porque não tinha sido para isso
que S. Ex.* o convidava.
Passo á extinção da Faculdade de Letras de Coimbra. E-me
de todo» impossível aprová-la. Muito antes da E-epública, criti-
quei a organização e o espírito pedagógico da Universidade de
Coimbra, contestando-lhe o carácter de Universidade, visto fal-
tur-lhe aquela Faculdade que dá às Universidades as suas cara-
cterísticas principais.
Não são as Faculdades de Medicina e Direito, Faculdades
profissionais e, portanto, especiais, que dão à Universidade o
sou carácter de Universidade ; é sim, a « Faculdade das Artes »,
a « Faculdade de Filosofia » que reúne a universalidade do saber
geral, aqueles studia gentralia, que constituem o tronco de que
todos os outros são ramos e de onde tiram a seiva que os ali-
menta. E nessa Faculdade fundamental, para onde convergem
todos os estudos? Para o conhecimento do homem e dos pro-
dutos do espírito humano — as línguas, us religiões, as scién-
ciaSj as estéticas, as instituições, os deveres, os costumes.
(105)
Nos países que seguiram a orientação da França, a Facul-
dade de Filosofia encontra-se dividida em Faculdade de Sciéncias
( sciéncias matemáticas, físicas e biológicas) e Faculdade de
Letras (sciéncias psicológicas e sociais). A Universidade de
Coimbra, que tinha tudo o mais que era necessário para ser uma
Universidade, faltava-lhe, pois, a Faculdade de Letras. Fiel ao
meu ponto de vista, no plano geral de reorganização de ensino
mandado elaborar pelo ministro do interior do Governo provisó-
rio, o sr. dr. António José de Almeida, apressei-me a introduzir
na organização da Universidade de Coimbra a Faculdade que
tanta falta lhe fazia, muito embora ela a não sentisse
A verdade é que, assim como as sciéncias físicas e biológicas
são a base indispensável dos estudos médicos, as sciéncias psi-
cológicas e sociais são o alicerce dos estudos jurídicos.
Para se vêr a importância que tem nos outros países a
Faculdade de Letras, citarei o seguinte caso : Tinha eu fre-
quentado em Paris o curso de psicologia experimental, regido
pelo sr. Vaschide, chefe dos trabalhos práticos de psicologia da
Escola dos Altos-Estudos, e Vurpas, médico do Asilo de alie-
nados de Villejuif. O sr. Vaschide, que era o secretário da
redacção do Index philosophique, publicação destinada a dar
noticias de todas as obras de filosofia e psicologia do mundo
inteiro, convidou-me para ser o correspondente do Index em
Portugal. Aceitei, mas fui-lhe logo dizendo que a colheita
seria muito escassa, que aparte alguns raros trabalhos sobre
sistema nervoso e psichiatria, o movimento psicológico e filo-
sófico em Portugal era nulo. — Mas os senhores têem uma
Faculdade de Letras em Lisboa. — Tive que lhe dizer o que era
nesse tempo ( 1903 ) o Curso Superior de Letras, ainda sem con-
sciência do seu destino próprio. — Et votrc vieille Université de
Coimbra ? il y a lá une Faculte de Philosophie. — Sim, uma Facul-
dade filosófica natural^ no sentido que se dava a estas palavras
no século xviii ; filosofia é coisa que lá se não ensina. Expli-
quei-lhe o que constituía a esse tempo, a Faculdade de Filosofia
em Coimbra, disse-lhe que a única filosofia que se ensinava na
(106)
Universidade era a teologia. O meu interlocutor não manifestou
a mínima censura, mas conheci que, aos seus olhos, todo o pre-
stigio da nossa vieille Université de Coimbra se tinha evaporado.
Eis porque não posso aprovar a mutilação da Universidade
de Coimbra. Mas há ainda outra razão : são os serviços pre-
stados ao país, no domínio da filologia e da história, pela sua
Faculdade de Letras, a publicação apreciável, sob todos os pon-
tos de vista, das obras de Damião de Góes, Garcia de Rezende,
Camões, a colecção dos Subsídios para o estudo da história da
literatura portugueza, dirigida pelo sr. dr. Mendes dos Remédios.
José de Magalhães.
(A Lucta de 3 de Junho de 1919).
A questão de Coimbra
Está ainda para resolver a questão de Coimbra. E sempre
assim entre nós : questões, que seria facílimo solucionar em
vinte e quatro horas, protelam-se indefinidamente, como se não
houvesse consciência dos inconvenientes que daí resultam, ou
como se nós vivêssemos em tão fastienta tranquilidade, que
fosse necessário, de vez em quando, quebrar-lhe a monotonia
com uma agitação episódica. Com o adiamento, a questão com-
plica-se, enreda-se, repercute-se, azeda-se e alastra ; e, o que
era no começo uma questão especial, técnica ou profissional,
converte-se numa questão politica.
Esta marcha dos fenómenos sociais, que se caracterizam pela
luta de crenças, de opiniões e de dopejos opostos, é uma coisa
conhecida, uma lei geral ; não í nisso que está a nossa par-
ticularidade. Todas as vezes que uma das correntes que con-
stituem a actividade social -económica, jurídica, pedagógica,
linguistica, religiosa, estética, scientifica, diplomática, militar,
(107)
etc. — é embargada ou sobreexcitada, o abalo produzido reper-
cute-se em todo o corpo social, e a questão deixa de ser mera-
mente técnica para ser política. Foi assim que a condenação
de Dreyffus, simples fenómeno jurídico, no começo, veiu a dar
na questão Dreyffus; foi assim que entre nós, o tratado de
Lourenço Marques, negociação diplomática, se converteu em
questão política ; foi assim que, mais recentemente, o emprego
das línguas alemã e tcheque na Bohemia, simples divergência
linguística, passou a ser a questão das línguas^ e a fundação de
uma Universidade tcheque, questão pedagógica e administrativa,
tomou desde logo um aspecto político.
A agitação, determinada pela transformação de uma diver-
gência técnica em questão politica, tem como efeito : ou a con-
vergência unânime das vontades numa direcção determinada
— como no caso de ruptura de relações diplomáticas — ou o
que, infelizmente, é o caso mais geral — a divisão do agregado
nacional em dois grandes blocos irreductiveis, intratáveis, um
que diz perentòriamente — sim — , outro que diz perentòria-
mente — não.
Por aqui se vê, que, aparte os casos raros de primeira cate-
goria, favoráveis à coesão nacional, convém aos governantes
evitar o mais possivel que as discordâncias técnicas ou profis-
sionais se transformem mais em questões politicas. Meramente
técnico, o conflito é uma pequena fenda, facilmente reparavel ;
tornado questão politica, é uma racha funda apanhando o edifí-
cio de lado a lado, e, por vezes, também, de cima a baixo.
Se algumas ve^es vemos os governantes praticarem questões
politicas, é com o fim, ou de despertarem um sentimento ador-
mecido — agitações fomentadas contra os judeus em Portugal,
no século XV r, contra os huguenotes em França, — ou de fazer
diversão a uma questão politica mais grave. Em qualquer dos
casos o objectivo imediato do governante é aumentar a coesão
nacional, dirigir as correntes de crenças ou de interesses, de
desejos ou de receios, no sentido da sua maior convergência
(primeiro caso) ou da sua menor divergência (segundo caso).
(108)
Qual êj então, a nossa particularidade ? E que, em geral, os
nossos governantes e os seus partidários, em vez de procurarem
evitar que as divergências técnicas se transformem em ques-
tões politicas, fazem todo o possivel para que assim aconteça.
Compreende-se que o façam os adversários, porque está no seu
plano criar dificuldades ao regime, e imbecilidade seria espe-
rar deles outro procedimento.
Mas quer seja a imprensa governamental, quer sejam os
próprios ministros que, em discursos públicos, venham esca-
motear a questão meramente técnica, para nos fazerem vêr nela
uma questão política, eis o que é original.
Que diriamos nós de um troço de bombeiros que, em presença
de um incêndio ainda limitado, em vez de o circunscreverem,
se pusessem a atiçá-lo, a generalizá-lo, com a ideia, por ventura,
de cometerem façanha mais retumbante, combatendo um pavo-
roso incêndio ?
— Que há por detrás da questão do Coimbra uma especula-
ção política, dizem. Que ingenuidade ! Como se os governantes
não tivessem obrigação de saber que a questão politica aparece
sempre que tem um pé para aparecer. Para que dão azo a que
ela apareça? Porque não fazem as coisas como elas devem ser
feitas? Porque tratam com tanta sem-cerimónia as normas
jurídicas e sociais mais elementares ? Porque desprezam os
métodos scientificos de governar? Porque não colocam as
questões nitidamente no terreno técnico, embargando, por esta
forma, todas as veleidades de especulação politica ?
A verdade é que a questão, em si, nada tem de politica, é
meramente técnica. Quer-se evitar que dela se faça especula-
ção política ? E muito simples, é recolocá-la no seu verdadeiro
terreno : o terreno pedagógico no que se refere à Faculdade de
Letras, o terreno jurídico no que respeita aos professores. E o
caso do ovo de Colombo ? Pois é assim mesmo.
José de MagaluIep.
(A Lncta de 9 de Junho de 1919 ).
(109)
C ódio à Universidade de Coimbra
Suplemento ao cadastro
dos « jesuítas » da Faculdade de Letras
A Época publicou há dias o Cadastro dos . . jesuítas da Facul-
dade de Letras de Coimbra, que afinal se viu, se pecavam, era pelo . . •
contrário. Esse artigo, que punha a nú a mais miserável mentira que
em Portugal se tem espalhado em certa imprensa sem escrúpulos, fez
no País a maior impressão. Hoje damos mais algumas notas —
para que se veja como na nossa terra se conspira contra a verdade.
Acusa-se a Faculdade de Letras de ser uma reedição da extincta
Faculdade de Teologia. — Ora, o corpo docente da actual Faculdade
de Letras, entre professores provisórios, professores contratados, e
assistentes, compõe-se de 19 membros (não contando o dr. Teixeira
de Carvalho, que o é, indevidamente, de uma cadeira anexa ) ; e os
professores que o foram da gloriosa Faculdade de Teologia são
apenas 4 !
Mesmo que o tivessem sido todos, estes não são todos os profes-
sores que o eram da Faculdadp de Teologia ao tempo em que foi
extincta, pois só foram chamados a ensinar na de Letras os que pelos
seus trabalhos ou Índole de estudos revelaram especial competência
( ficando de fora os doutores Silva Ramos, Bernardo de Madureira,
Lino, Araújo e Gama, aliás ilustres teólogos ).
O seu amor pelos estudos literários era já tão provado, que, ainda
no tempo da Monarquia, no ministério João Franco, representaram ao
Governo a favor da criação de uma Faculdade de Letras — pelo que
desencadearam contra eles uma grande parte da opinião, que queria
a conservação da Faculdade de Teologia, a qual tinha gloriosíssimas
tradições.
E, que esse amor não era um capricho de padres com desejo de
se . . . despadrarem, aí estão a atestar a competência em assuntos
literários desses ilustres professores — fructo de muitos anos de tra-
(110)
balho — as suas obras, todas anteriores à criação da Faculdade de
Letras : a D. Isabel de Aragão e o Francisco Suárez, ( como obras
históricas citadas no estranjeiro e apreciadas em Portugal por escri-
tores como Sampaio Bruno e José Caldas ) e as Gramáticas da língua
portuguesa ( como trabalho filológ-ico, que renovou o ensino secundário
então antiauado ) do dr. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos ; os
Judeus em Portugal, a História da Literatura Portuguesa, com a
benemérita biblioteca de Subsídios para o seu estudo, além de outros
trabalhos didáticos, por onde teem estudado todas as novas gerações
portuguesas e brasileiras, inclusive os . . . actuais ministros que ainda
sabem vagamente que tivemos um . . . Luís de Camões, do dr. Mendes
dos Remédios ; os trabalhos sobre a nossa Escola e a história da
instrução primária, não falando na sua passagem pela Inspecção do
Círculo escolar de Coimbra, do dr. Alves dos Santos ; a obra de peda-
gogo, a que se tem consagrado inteiramente e até ... o sr. Homem
Cristo louva no seu jornal, onde escreve em vez de escrever nas . . .
paredes, do dr. Oliveira Guimarãis.
Eis os quatro teólogos que, na Faculdade de Letras, fazem perigar
o ensino . . . aos olhos dos que nos Liceus ainda ensinam ( os que
ensinam . . .) pelos seus livros ! De alguns destes e de outros partiu,
quando ainda não havia Faculdade de Letras, o movimento de restau-
ração e renovação filológica, então conhecido pelo nome ridículo de
os kikeros, mas que tão bons resultados produziu. A alguns destes
se deve a melhor e a maior parte do levantamento pedagógico do
• nosso ensino médio.
P. S. — O dr. Teixeira de Carvalho, um dos que tem dirigido
a campanha contra a Faculdade, escreveu na Província, jornal, repu-
blicano de Coimbra, em 20 de Junho de 1913, o seguinte, a respeito
do dr. Mendes dos Remédios : « Não foi êle que reconheceu a Repú-
blica. Foi a Republica que o reconheceu a êle no lugar que ocupava
dos que trabalhavam na vanguarda pelo progresso deste pais, defen-
dendo a causa principal da Instrução A Faculdade de Letras, em
que hoje é professor, foi da criação da República, mas de iniciativa
sua em- pleno ultramontanismo monárquico.
(111)
2o Suplemento ao Cadastro
dos « Jesuítas » da Faculdade de Letras
Continuámos a publicação, à imitação dos suplementos do Diário
do Governo com leis novas com data atrazada, das notas que tanta
impressão tem feito. Os nossos suplementos não trazem aumento
de despesa . .
* *
• . . Acusa-se a Faculdade de Letras de ser um. coió de jesuitismo.
— Que o fosse, só seria para louvar os seus mestres, pois que a gente
que o odeia costuma chamar nomes -ao que é bom.
Bom ou não ( é bom ), a Constituição da República garante a todo
o cidadão a completa liberdade de consciência, ninguém podendo ser
perseguido por motivo de crença religiosa. Na Sorbona há professo-
res que são católicos praticantes e militantes, como, por exemplo,
Strowski, e como o era o chorado filosofo Victor Delbos ; nas Uni-
versidades francezas ( do Estado ) ensinam padres-apostolos com o zelo
de um J. Guiraud, o valente historiador e polemista, que tem evisce-
rado os livros oficiais adoptados pelo Governo — sem que lá se pense
lícito, nem útil, nem possível, privá-los de um direito que a lei reco-
nhece a todos. . . que tenham talento e competência.
O Estado não é uma igreja, que opõe a sua doutrina a outra,
definindo-a no ministério da instrucção : não há ensino republicano,
como não há ensino monárquico ; o ensino do Estado, ministrado pelas
Universidades, só pode ser scientíflco.
Mas é falso que a Faculdade de Letras propendesse para o . . .
jesuitismo. Não é ela a redução da de Teologia ; mas, se fosse, o
dr. Domingos Pereira, bacharel nas letras sacras, pode testemunhar
como a tradição dessa Faculdade ( que vinha de longe ) era anti-
jesuítica, e aí o está a afirmar a notável memória do lente Mota
Veiga, Esboço histórico-literário da Faculdade de Teologia. Basta
dizer que dos quatro lentes que o foram de Teologia, SÓ um se não
secularizou ; mandando a justiça que se diga que outro não se chegara
a ordenar . . . mesmo para entrar nessa Faculdade, e que apostatou
francamente um deles !
(112)
Não há seguramente na velha Universidade ( nem porventura em
qualquer das duas mais ) outra Faculdade que ofereça o espectáculo
das mais variadas opiniões, aparte o ser talvez a única onde se não
aponta um monárquico militante. Entre os dezanove elementos de que
se compõe o seu corpo docente, conta-se um padre-apostata ( Dr.
Alves dos Santos) e outro secularizado ( Dr. Oliveira Guimarãis);
dois protestantes, a menos que a segunda seja racionalista (John
Opie e D. Carolina Michaelis); dois que, tendo-a começado, desisti-
ram de seguir a vida sacerdotal ( Drs. Mendes dos Remédios e
Simões Neves); doIs llvres-pensadores reconhecidos. ( Drs. Joa-
quim de Carvalho e Simões Ventura ) ; e não sabemos quantos que
não praticam a religião ... E católico-praticante ( com muito orgulho
o dizemos ) o sábio naturalista e filólogo dr. Gonçalves Guimarãis,
que gerações sucessivas de estudantes teem admirado e respeitado —
mas o seu valor impõe-se tanto, que, quando ministro da Instrucção,
o dr. Domingos Pereira o mandou louvar em portaria.
Os professores da Universidade de Coimbra ainda teem a inge-
nuidade de crerem que o Estado lhes paga . • . para cumprirem as
suas obrigações. Não pensa assim o ministro (e com ele e a sua
imprensa), que entendem que é- . • para se inscreverem em centros
políticos. Vivendo para o estudo, alheios às refregas políticas, ( sem
aliás hostilizarem a República, como se demonstrou), não admira que
sejam poucos os que teem larga folha de serviços políticos. Ainda
assim talvez nenhuma outra Faculdade possa apresentar uma propor-
ção de republicanos militantes egual à de Letras. — Quanto ao dr.
Mendes dos Remédios, « não foi êle que reconheceu a República, foi
a República que o reconheceu a êle », como disse o dr. Teixeira de
Carvalho : instado pelos republicanos de todos os matizes para que
aceite os mais altos cargos, tudo tem repelido, havendo duas cousas
que será incapaz de atraiçoar : o seu dever de professor, e a sua fé
de cristão. O dr. Alves dos Santos c marechal do evolucionismo.
O dr. Oliveira Guimarães está à frente de outro partido republicano.
O dr. Joaquim de Carvalho, com a autoridade de quem lutou arden-
temente na mesma barricada, acusa o sr. Leonardo Coimbra de ter
atraiçoado a obra, em que já se encontraram ambos.
(113)_
•
O Mundo, enfim, apresentou há tempo, num eco, a terrível prova
do . . . jesuitismo da Faculdade : — o dr. Simões Neves não foi pro-
posto para professor por . . . tendo ordens sacras, haver pedido ao
Papa licença para casar ! — Ora o caso é o seguinte : o dr. Simões
Neves foi condiscípulo do dr. Simões Ventura, ambos assistentes de
Filologia Clássica. Nenhum deles tem ainda concurso, se bem que o
primeiro tenha já começado as suas provas, faltando o segundo por
motivo de doença. Sucede ainda que só há uma vaga na secção, e o
segundo concorrente é mais classificado que o primeiro. Considere-sc
por último que, enquanto o dr. Neves pede de Roma licença para
casar (com tanto aplauso do Mundo), o dr. Ventura não se casou
religiosamente e nem sequer tem o filho baptizado ! . . . Por onde se
conclue que a Faculdade não propôs um . . . católico, para não preju-
dicar um . . . que o não é : — donde se vê o jesuitismo da Faculdade !
(A Época de 10 de Junho de 1919).
A questão universitária
O procedimento do ministro
No dia 29 de Maio o ministro da instrução recebeu a comissão
dos professores da Universidade. A conferência foi longa e
manteve-se, de principio a fim, num tom de absoluta correcção
e cortesia. Quanto á questão principal, que era a conservação,
da Faculdade de Letras ern Coimbra, a comissão procurou
demonstrar que não ha hoje Universidade bem cons<"<ituida, e
que mereça rigorosamente o nome de Universidade, em que não
apareça o ensino das Letras, ou organizado era Faculdade
autónoma, ou associado ao ensino das Sciências. As Letras e
as Sciências são os dois ensinos fundamentais, o núcleo essencial
de unia Universidade, havendo até Universidades americanas
formadas exclusivamente por esses dois ramos da alta cultura.
Em nome destes princípios, exclusivamente scientificos e
pedagógicos, é que a comissão pedia a conservação da Facul-
12
(114)
dade dè Letras, para que a Universidade de Coimbra nâo ficasse
mutilada num dos seus ensinos fundamentais. O ministro nada
objectou ás razões da comissão, e declarou perentòriamente
que a Faculdade de Letras seria restabelecida em Coimbra.
Passados, porém, três dias, vai ao Coliseu dos Recreios, e
aproveita uma sessão de festa de homenagem a Magalhães
Lima, para lançar sobre a Faculdade extinta e sobre a Univer-
sidade de Coimbra arguições e doestos, que um ministro não
tem o direito de fazer de ânimo leve, porque só os pode produzir
quando tenha meio de os provar. Se o sr. Leonardo Coimbra
tivesse falado no Coliseu como simples orador de comícios, com
as responsabilidades inerentes apenas ao seu nome, a sua
verrina contra a Universidade nào teria importância ; discursou,
porém, como ministro da instrução, e isto é que imprime gravi-
dade ás acusações. Constituiu-se, assim, o ministro no dever
indeclinável de fazer a prova do que avançou, sob pena de
deixar entrever um estranho conceito a respeito das responsa-
bilidades do poder executivo.
Afinal o que se apura é que o ministro procurou transformar
uma questão pedagógica numa questão politica, de caracter
sectário e truculento. Não podendo defender a sua obra, ou
antes a obra de Coelho de Carvalho, no puro domínio das razões
e dos princípios, foi, perante a multidão apaixonada, agitar o
espectro da reacção e áo jesuitismo, para colher efeitos políticos,
para recobrar a força que sentia faltar-lhe, e para excitar contra
a Universidade os ódios dos que a não conhecem. Estes
processos são familiares aos agitadores, aos profissionais da
desordem e do motim ; usados por um ministro de Estado,
deve reconhecer- se que é inédito e edificante !
Akgelo oa Fonseca.
( De A Manhã de 12 de Junho de 1919 ).
I
(115)
Õ que quer a Universidade de Coimbra?
A sua atitude para com o Governo. A sua atitude
para com o Reitor
Explica-o o sr. dr. Ângelo da Fonseca
Pois que a quevStão da Universidade de Coimbra continua na
ordem do dia, sendo de confessar que a série de informações
sobre o assunto dadas à publicidade, não raro contraditórias,
em vez de concorrerem para esclarecer, só teem concorrido para
a tornar menos compreensivel das pessoas que estão fora dela,
o que não quer dizer que ela não as interesse, aproveitámos a
cjrcunstánoia da chegada a Lisboa do sr. dr. Angelo da Fonseca,
para tornar a ouvi-lo sobre o assunto, no sentido, porém, de
principalmente o colocar era termos que todos o percebam.
Assim, começámos por lhe preguntar :
— Qual é, em última análise, a atitude da Universidade
perante o Governo e o Reitor?
— Estimo — respondeu-rae o nosso entrevistado — ter ensejo
de, através da grande publicidade do Século, poder esclarecer o
país sobre esse e ainda outros pontos da questão.
Pela leitura de alguns jornais, fica-se com a impressão de
que, ou o Governo quer jogar as cristas com a Universidade, ou
a Universidade com o Governo. Pois, posso assegurar-lhe que
não é esse o espírito com que na Universidade se olha e espera
a « suite » do conflito.
— O que há então de fundamental nesse conflito?
— Apenas isto : O Governo reformou a secção de filosofia e
nomeou professores sem concurso para a Faculdade de Letras
de Coimbra, sem ouvir, oficial ou oficiosamente, a Faculdade.
— Foi contra isso que a Faculdade representou ?
— Justamente — e tão somente. As leis universitárias esta-
belecem que as nomeações de professores devem ser feitas por
concurso e só abrem excepção para o caso das Faculdades, em
(116)
proposta fundamentada e aprovada por Ys dos seus professores,
apresentarem ao Governo o nome de individualidades eminentes
para professores. Por outro lado, estabelecem, como é natural,
que as Faculdades sejam ouvidas sobre a reforma do ensino,
Pode, é evidente, o ministro discordar do seu voto ; mas nào há
memória, em tempos próximos, de ser reformado o ensinb de
uma Faculdade sem ela ser. ouvida.
— E que se seguiu ?
— A Faculdade representou ao Governo contra um e outro
decreto, solicitando a sua suspensão, em nome dos princípios
estabelecidos no Estatuto Universitário. E foi então que o
Governo enviou um decreto de censura à Faculdade, anun-
ciando que tomaria medidas para que o facto não viesse a
repetir-se. ^
— E extinguiu-a, não é verdade ?
— Deveria dizer-lhe que sim. . . mas vejo-me forçado a dizer-
Ihe que não ...
— Como assim ?
— E que se dá a particularidade extravagante da Faculdade
ter sido extinta por um decreto de 10 de maio de 1910, e ser cen-
surada a 19 de maio, por causa duma representação feita em 14
de maio. Compreende isto ?
— Compreendo ; ou, melhor, suspeito que, naturalmente, para
extinguir a Faculdade era precisa uma lei, e o Governo só teve
poderes legislativos até 10 de maio.
— Vejo que se dispensou de ir a Coimbra para saber direito
E bem natural, em tempos de perdão de acto !
— Extinta a Faculdade, que se seguiu ?
— O Senado Universitário reuniu e deu toda a sua adesão á
representação da Faculdade de Letras, por a achar em termos
absolutamente correctos e conformes ao Estatuto. A breve
trecho, reunia também o Senado Universitário de Lisboa e fazia
sua a moção do Senado Universitário de Coimbra, acrescentan-
do-lhe reputar inadmissível qualquer procedimento contra pro-
fessores que nâ,o se baseasse em processo regular.
(117)
— Qual era o sentido deste voto ?
— Era bem claro. Tendo extinguido a Faculdade de Letras
em Coimbra, com fundamentos ou considerandos que mostram,
ao contrário, ser Coimbra o meio adequado para o ensino e
cultura das letras, o Governo reservou-se o direito de colocar
na disponibilidade os seus professores. Nào averiguou, e todos
os meios tinha ao seu alcance para o fazer, se o ensino era
tendencioso ou confessional. Julgou por autoridade própria,
sem ouvir professores e alunos, e íirredou assim da efecti-
vidade do serviço muitos professores, todos de merecimento, e
alguns sem par entre nós : a dr." D. Carolina Michaêlis, os
drs. Mendes dos Bemédios, Gonçálvez Guimarãis, António de
Vasconcelos, etc.
— Mas não houve qualquer procedimento disciplinar ?
— Nenhum. E é a respeito desse modo de proceder que as
Universidades manifestam a sua oposição.
— E qual a atitude do reitor? E certo que regressou a
Coimbra?
— Seria inverosímil a suposição, e é certo o facto. Está em
Coimbra. Tais faltas cometeu no exercício do seu cargo, que a
Universidade, em representação assinada, teve de apontá-lo ao
público como pessoa destituída da honorabilidade pessoal neces-
sária para dirigir uma Universidade. Esse homem não terá
hoje, em Coimbra, senão um ou dois professores, que lhe
apertem a mão, ou que condescendam em o ouvir. Disso teve
já a prova, ha perto de três semanas, o sr. Coelho de Carvalho,
no dia em que o Senado teve de reunir por direito próprio.
— E então verdadeiro o facto de, ao passarem pelo seu gabi-
nete para a sala do Senado, os membros deste não lhe haverem
falado e terem- se limitado a passar através?
— Em absoluto. E apenas lamento nào ter sido dos que se
limitaram a passar através . . Mas posso e devo acrescentar
que a Universidade não disse ainda ao Governo e á nação tudo
quanto esse reitor tem feito na Universidade. Ha noticia e
rumores de faltas bem graves, em assuntos particulares e em
(118)
assuntos oficiais, de natureza tão delicada, que a Universidade
quis poupar a sua divulgação.
— O que quer então a Universidade ?
— Já ela o expôs, em conferência, ao Governo, e não tenho
dúvida em lho revelar aqui : a Universidade insta pela demis-
são do reitor, e reclama seja revogado o decreto que extinguiu a
Faculdade de Letras em Coimbra. A Universidade significa ao
Governo que os professores desta Faculdade não podem conti-
nuar na disponibilidade, sofrendo uma pena, sem haverem sido
julgados nem ouvidos.
— A Universidade reclama então que todo o corpo docente
da Faculdade de Letras volte, desde já, ao exercício das suas
funções ? Não admite, sequer, que o Governo ordene uma sin-
dicância ao seu ensino, e apure se há, realmente, professores
que fazem ensino confessional ou tendencioso?
— Perdão ! Mas reconheço, uma vez mais, que não se conhece,
em Lisboa, o verdadeiro objeto das reclamações da Universidade.
Ela não tem a estulticia de negar ao Governo o direito de refor-
mar o ensino, e de o fiscalizar o sindicar com todo o rigor, quer
sob o ponto de vista político, quer sob o ponto de vista pedagó-
gico. Há notícia de que o ensino de qualquer professor é ten-
dencioso ou confessional, contrário, por isso, à neutralidade do
ensino oficial, que a Constituição Universitária é a primeira a
exigir? Provado isso no processo, posso assegurar-lhe que nem
um momenro mais a Universidade lhe prestará a sua solidarie-
dade. Uma vez mais indico: a Universidade não está a jogar as
cristas com o Governo. A Universidade de Coimbra, como a
Universidade de Lisboa, apenas luta pelo respeito a este prin-
cípio ! um professor não deve ser dimitiuido na sua dignida^^e e
honorabilidade profissional, nem nas suas vantagens materiais,
se não em seguida a um processo disciplinar, em que seja arguido
e ouvido. Ordena o Governo a formação de processos discipli-
nares por pessoa de idoneidade moral e intelectual, e exerce a
sua acção disciplinar em harmonia com as leis e regulamentos,
(j^ue não faltam? A Universidade nada terá a opor, garanto-lhe,
(119)
e limitar-se há a aguardar 08 acontecimentos. Vendo-a assim,
apenas na defesa legal dos seus professores, haverá quem a
acuse de rebelde, ou de instigadora à rebeldia?
Considerávamos a entrevista concluída, e iamos a retirar-nos,
quando o sr. dr. Angelo da Fonseca nos reteve :
— Já agora, depois das explicações, um pequeno desabafo.
Deixe-me acrescentar quanto tristemente me impressionou a
manifestação, levada a efeito ontem, em frente do Avenida-
Palace, aliás por um reduzido número de indivíduos que soltavam
morras à Universidade de Coimbra, na presença do presidente
Epitácio Pessoa. Como eu me senti vexado. Sou do tempo em
que a Coimbra eram enviados os alunos mais distintos do Bra-
sil para se formarem em Direito. Citarei um apenas : Pinto da
Rocha, o poeta e jurisconsulto de tão grande nomeada. Sabe-
riam os manifestantes que o presidente Epitácio Pessoa é um
jurista, e que não há jurista algum do Brasil que não ame a
Universidade de Coimbra, e não cite sempre os trabalhos dos
antigos e actuais professores de Direito dessa mesma Univer-
sidade?. . . »
( O Século de 12 de junho de 1919 ).
A questão da Universidade
O ensino na Faculdade de Letras
Uma curiosíssima entrevista
O eminente Poeta e professor Eugénio de Castro
fala a um redactor do « Diário de Noticias »
A questão da Universidade e, especialmente, a do ensino na Facul-
dade de Letras de Coimbra tem sido largamente tratada em toda a
imprensa. Ainda não foi ouvido nenhum dos professores dessa FacuI-
dade. Embora pouca gente o saiba, Eugénio de Castro, o glorioso
(120)
poeta da Constança, o artista original e raro dos Oaristos, faz
parte do corpo docente dessa Faculdade. Nâo é fácil imaginar na sua
cátedra de magister duma Universidade o rebelde e precioso artífice
do verso, o mago da poesia estranha e decadente, que hoje se trans-
formou no clássico e no purista vate, tão português e sereno, dos
amores e do passado ...
Mas Eugénio de Castro não nos falou como poeta. Falou-nos como
professor — e eis o que ele nos disse, na sua linguagem nobre e literária.
— A despeito dos meus já bem experimentados cinquenta anos,
da serenidade com que há muito me habituei a presenciar os aconte-
cimentos mais absurdos, confesso que caí das nuvens ao ver desenca-
dear-se contra a Faculdade de Letras de Coimbra a furiosa campanha
dos seus inimigos. Porque essa campanha não tem a justificá-la um
só facto positivo — e fácil era aos que a promovem assistir às lições
dadas perante os cursos, ouvir os alunos e examinar os programas e
sumários das lições, rigorosamente conservados na Faculdade.
A Faculdade está organizada em cinco secções: Filologia clássica,
filologia românica, filologia germânica, sciências históricas e geográ-
ficas, e sciências filosóficas. Como compreende, as duas únicas secções
comportando disciplinas que azadamente se prestariam a explorações
tendenciosas são as duas últimas.
— Pode descrever-nos o ensino feito nelas ?
— Com inteiro prazer e verdade. Deixe-me porém dizer-lhe que,
ainda nas outras secções, todos os meus colegas, os professores
Mendes dos Remédios, D. Carolina Michaélis, o saudosíssimo Carlos
de Mesquita, Gonçálvez Guimarãis, e os assistentes Ventura, Neves,
Pimentel, e Providência orientaram sempre rigorosamente o seu ensino
na leitura conscienciosa e comentada dos textos. Perdoe-me falar-lhe
de mim, neste instante, para dizer que nem um momento me abando-
nou, na regência dos meus cursos, a preocupação de velar discreta-
mente os meus pontos de vista pessoais, deixando assim aos meus
alunos a máxima liberdade de emoção e de crítica, e discorrendo no
mesmo tom sobre os escritores que mais admiro, como Racine, e
sobre aqueles que mais aborreço, como Boileau. Mas perguntava-me
como era feito o ensino nas outras secções ?
(121)
A secção de história. Os arquivos, galerias
e museus da Faculdade
— Comecemos pelo de história. Este estudo é apoiado no exame
directo das fontes, iniciando assim os alunos nos processos de inves-
tigação histórica. Na cadeira de História de Portugal, que servirá de
exemplo, os exercícios marcados ou versam trabalhos no Arquivo da
Universidade, ou monografias de história local das terras da naturali-
dade dos alunos. Devo indicar-lhe que existem algumas notavelmente
interessantes. A Faculdade tem oito anos de vida : nesses oito anos,
através dos quais tudo teve de criar-se — até o próprio edifício —
construiu-se o -salão de trabalhos práticos de paleografia, a aula de
paleografia e a galeria epigráfica com um material tão rico de repro-
duções em gesso dos monumentos epigráficos do centro do país, que
é o permanente assombro daqueles que um dia visitam a Faculdade.
Em seguida o requintado poeta e erudito professor dá-nos mais
pormenores sobre o museu que ainda há pouco foi visto pela pri-
meira vez pelos srs. drs. Barbosa de Magalhães, Lino Neto e António
Ferrão, e constituiu para eles uma verdadeira surpresa e um deslum-
bramento. Não é apenas um museu para prender a atenção exterior :
é uma verdadeira sala de trabalhos, assim como a aula de epigrafia,
anexa ao Arquivo da Universidade. Desta última, teem já saído tra-
balhos de valor, e prometem-se outros, em via de publicação. E o
nosso entrevistado destacou, em trabalhos de alunos, o quadro estatís-
tico da frequência da Universidade desde a reforma joanina até à
pombalina, e, do assistente Dr. Cerejeira, a coordenação dos cadernos
de ordenações, até agora dispersos, e qu€ vão desde 1400 e 1657.
— « Mas repare que não aludi ainda à secção de esfragistica — con-
tinuou — já começada, e professada a par da diplomática, com interes-
santes exemplares autênticos de selos portugueses e estranjeiros, de
cera, chumbo e papel, assim como à de numismática, onde a Faculdade
possui uma importante colecção de moedas portuguesas e romanas.
« Tudo isso se deve ao fervor e à apaixonada devoção do dr. Antó-
nio de Vasconcelos pela sua Faculdade. Ele tudo tem sido : o mestre
(122)
de obras, o olheiro do edifício e o organizador de todos os serviços !
Será um crime afastá-lo do ensino e da direcção da Faculdade. As
colecções e secções por ele criadas, como estabelecimentos da Facul-
dade, são únicas no país e não terão par em muitas Faculdades
estranj eiras:
A orientação da Faculdade no ensino da história
— « Quanto ao ensino doutrinal, ele é acentuadamente crítico —
crítica das fontes e dos factos. Dá disso exemplo o dr. Vasconcelos,
sempre ansioso de renovar a matéria dos seus cursos e algfo de
novo colher para a história. »
Em seguida, o sr. dr. Eugénio de Castro, recordou os escritos
desse professor sobre a verdadeira data da fundação da Universidade
e seu primitivo estabelecimento, as suas lições magistrais sobre a
coirecção necessária a dados cronológicos de Fernão Lopes ( cerco
de Lisboa de 1383 ), sobre classificação de crónicas, e a revisão dos
dados históricos acerca da batalha de Ourique e das lendas que lhe
estão ligadas.
— «O assistente dr. Cerejeira é o encarregado do curso da história
medieval, e, em contacto com o que há de mais moderno, tem feito
um ensino de alta crítica, procurando, como resultado nos seus alunos,
não tanto saberem história como compreendê-la. Apaixonado da
cultura latina, foi quem primeiro combateu o livro pangermanista de
Chamberlain, em lições ao seu curso. O professor dr. Alves dos
Santos rege, nesta secção. História moderna e contemporânea. Repu-
gna-lhe ensinar história feita e compraz-se, como despertador de
ideas, em descobrir vocações e iniciar os seus discípulos na crítica
das fontes originais e narrativas. A sua orientação pode talvez resu-
mir-se em duas palavras : síntese e crítica.
A orientação filosófica da Faculdade
— Quanto ao ensino na secção de sciências filosóficas ? — inter-
rogámos.
(123)
— Creio ser" a secção, politicamente, mais combatida. Terá havido
o elementar cuidado de reparar em que, havendo nessa secção só
dois nomes, o do professor Alves dos Santos e o do asssistente dr.
Joaquim de Carvalho, precisamente sucede que as convicções políticas
destes professores não se prestam a equívoco nem suspeição ?
A' arguição de livresco feita a esse ensino, posso replicar que o
professor Alves dos Santos não usa, recomenda nem adopta compên-
dio, nem aos alunos sugere livros, cuja leitura satisfaça para o exame.
Criou na Faculdade um laboratório de psicologia experimental, onde
realiza estudos de psicologia quantitativa, designadamente do fenó-
meno da atenção, memória e trabalho mental, e, como documento
ainda da sua orientação scientífica, há que apontar o estudo sobre
O crescimento da criança portuguesa. Acrescente que na cadeira de
Lógica a sua orientação é afim do empírio-criticismo de Mach e
Pearson, e que no curso de Moral procura ainda e sempre nos factos
solução ao problema da obrigação moral. O assistente desta secção,
o dr. Joaquim de Carvalho, foi um aluno distintíssimo, verdadeiramente
notável. Não é um escolástico, e com brilho o demonstrou recente-
mente, no seu folheto A minha resposta, pois é um neo-kantista. Tem
a seu cargo os cursos práticos de Moral e rege há dois anos o curso
de História da filosofia moderna.
Naqueles, comenta Kant e Guyau, e, versando neste a filosofia do
renascimento, estuda a obra de Descartes, através da qual chamou a
atenção dos seus alunos para alguns problemas de metafísica.
Sinceramente me pregunto neste instante o que fica de tudo isto,
para que o ensino da Faculdade de Letras de Coimbra possa ser
taxado tão indignadamente de mil vícios imaginários . . ,
Ao concluir o último período, era visível o cansaço do nosso emi-
nente entrevistado. Só então notámos quanto excessivamente havia
sido aproveitada por nós a sua indulgência em nos ouvir. Agradece-
mos a sua amabilidade ; e o glorioso Poeta, num sorriso cortês,
inclinou-se numa invencível modéstia.
(Diário de Notícias de 12 de Junho de 1919).
(124)
A questão da Universidade
A Universidade de Coimbra, não combate nem põe qual-
quer obstáculo à criação de uma Faculdade de
Letras no Porto : apenas reclama a conservação
da sua
Diz- nos o sr. dr. Ângelo
A questão da Faculdade de Letras da Universidade de
Coimbra atingiu neste momento o seu auge. Discutem-na as
Universidades, a Imprensa e o Parlamento. Não tendo lugar
no Parlamento nenhum dos membros da comissão que os pro-
fessores da Universidade de Coimbra constituíram para os
representar, e defender os seus interesses, dirigimo-nos ao sr.
dr. Angelo da Fonseca, ilustre presidente dessa comissão, para
nos elucidar sobre o estado actual da questão.
Sua Ex.**, recobendo-nos com toda a gentileza, imediatamente
se prontificou a esclarecer-nos sobre este assunto.
— Deixe-me dizer-lhe em primeiro lugar, para evitar todo o
mal entendido e pôr imediato cobro a intrigas persistentes e
daninhas, que a Universidade de Coimbra, lutando por que lhe
seja restituída a sf/a Faculdade de Letras, não se opòe, por forma
alguma, à idea de a Universidade do Porto ser completada com uma
Faculdade de Letras.
Como sabe c repetidas vezes se tem dito, o ensino das
Letras e das Sciéncias é que caracteriza uma verdadeira Uni-
versidade. Ora se tirassem o ensino das Letras à Universidade
de Coimbra — só no nome esse instituto continuaria a ser uma
Universidade, pois de facto, deixara de o ser desde esse dia.
Pela mesma razão, dando-se à Universidade do Porto o ensino
das Letras — ês«e estabelecimento passa a ser. real e efectiva-
mente, uma Universidade.
(125)
Os outios ensinos (direito, medicina, institutos politécni-
cos) sào de carácter profissional e nào indispensáveis para
que uma escola tenha o nome de Universidade.
— Nesse caso e a manter-se o actual estado de coisas,
passaria a haver em Portugal duas verdadeiras Universidades :
a de Lisboa e a do Porto. A de Coimbi a, deixou de existir !
— Clnro que sim. E veja o absurdo, absurdo que se torna
ridículo à vista dos considerandos ou das razões, que o legisla-
dor enumerou, para tran>>ferir a Faculdade de Letras de Coim-
bra para o Porto, e que, como corre ter dito o dr. Álvaro de
Castro, dào a impressão de que o legislador queria, ao contrário,
justificar a transferência de unia Faculdade de Letras do Porto
para Coimbra ! ,
E portanto, para não deixar de ser nunca uma verdadeira
Universidade, que a Universidade de Coimbra reclama, com
todas as suas forças, a sua Faculdade de Letras.
— E o Porto não pode ter também uma Faculdade de Letras ?
— Claro que sim. Não se combate nem se dificulta de modo
algum que a Universidade do Porto obtenha uma Faculdade de
Letras. Esta opinião não é d'hoje : é a de sempre, e posso
provar-lho completamente. No ano lectivo de 1912-1913 coube
ao prof. António de Vasconcelos fazer a liçào inaugural do ano
lectivo na Universidade de Coimbra. Escolheu para tema, sabe
o quê ? — Faculdades de Letras.
Essa oração está publicada desde 1912, e, nessa altura,
houve alguém que na imprensa entendeu serem demais duas
Faculdades de Letras em Portugal e propôs a extinção da
da Universidade de Coimbra.
E quer ouvir o que a esse propósito disse, na sua lição, o
director da Faculdade de Letras de Coimbra? Reproduzo lho
textualmente, porque tem toda a oportunidade, parecendo
escrito para o momento act' ai :
« Que se propuses.se a criação de uma terceira Faculdade huma-
nística na Universidade do PortOy nada teria de estranháveis e pode-
ria sustentar-íie tal proposta com razões plausíveis.
(126)
« Dizer-se porém que, depois de conquistada pela antiga e
benemérita Universidede de Coimbra a tantas vezes reclamada
Faculdade de Letras, se lhe deve tornar a tirar, com o funda-
mento da exiguidade do país, eis o que parece um simples
gracejo.
« Menor extensão territorial tem a Bélgica, entretanto man-
têm quatro Faculdades de Letras ; e quatro existem também
na Holanda, cujo território pouco ultrapassa a um terço do de
Portugal. Na Suissa, que tem metade da extensão territorial, e
menos de metade da população do nosso país, funcionam acti-
vamente sete destas Faculdades. »
Se a Universidade de Coimbra falou sempre assim, como
haveria agora de contrariar a pretensão da Universidade do
Porto? De forma alguma 1 Simplesmente, a Universi ade de
Coimbra reclama que não seja à custa da sua Faculdade de
Letras que a Univei sidade do Porto passe a ser, de verdad, uma
Universidade e a de Coimbra deixe de o ser.
— Entretanto o Porto pretende também uma Universidade,
de facto.
— Perfeitamente, e essa pretenção é justa ; mas não é justo
que a consiga à custa da mutilação da Universidade de Coim-
bra. Tenha o Porto uma nova Faculdade de Letras e não a
desanexada da Universidade de Coimbra. Esta seria no seu
organismo um corpo estranho, dolorosamente arrancado a
outra Universidade. Seria uma chaga permanente... se as
cousas neste país fossem, por natureza, duradoiras.
Mas não é assim. E, visto que não é assim, porque não há
de proceder-se já como viria a proc- der-se fatalmente dentro de
pouco ? O Porto terá a sua Faculdade de Letras, mas não a da
Universidade de Coimbra, que deverá ser-lhe restituida. A^sim,
as duas Universidades poderão progredir e brilhar, lado a lado,
sem ressentimentos nem emulações.
Assim deve ser — assim há de ser, espero-o bem !
( O Primeiro de Janeiro de 27 de Junho de 1919 ).
índice
I — A Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra tem
o dever moral de falar
II — Sig-nificado do seu protesto
III — O Sr. Ministro da Instrução responde
IV — O Reitor Sr. Coelho de Carvalho
V — Supostas acusações à Faculdade, — isto é — a 4 dentre os
seus 19 Professores e Assistentes I
VI — Da Faculdade de Teologia à Faculdade de Letras
VII — O Dr. António José de Almeida cria a Faculdade de
Letras
VIII — O « Curriculum vitae * dos 19 Professores c Assistentes
da Faculdade de Letras
IX — Dois Assistentes
X — Uma scena histórica
XI — Orientação do ensino da Faculdade • .
XII — Material de ensino e instalações da Faculdade
XIII — Concluindo
Phíí.
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19
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23
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53
Apênòices
Apêndice I — « Curricula vitae » dos Professores e Assistentes (3)
Apêndice II — Documentos (29)
a) — Decreto que reformou a secção de filosofia • (29)
b) — Decreto de nomeação de professores (31)
c) — Representação da Faculdade de Letras contra os
Decretos anteriores (31)
d) — Decreto demitindo de Reitor o Dr. Mendes dòs
Remédios • . (34)
e) — Decreto desanexando a Faculdade, da Universidade
de Coimbra (35)
f) — Excerpto da acta da última sessão do Conselho da
Faculdade de Letras • (37)
g) — Telegrama dirigido ao Ex.»"o Presidente da Repú-
blica pelo Conselho da Faculdade de Letras a 21 de
maio (41)
hj — Moção do Senado da Universidade de Coimbra (41)
(128)
Pág.
i) — Representação dos Professores da Universidade
contra o Reitor . (43)
j) — Representação ao Parlamento (50)
kj — Carta aberta ao Ex.^° Presidente da República do
Prof. Ângelo da Fonseca (54)
l) — Ofícios da Academia de Sciências de Portugal à
Faculdade de Letras de Coimbra (60)
m) — Nova publicação, rectificada, do art. 2° do Decreto
n.o 5:491, de 2 de maio de 1919 (63)
n) — Rectificações ao art. 2.° do Decreto n.o 5:770 de 10
de maio de 1919 (63)
Apêndice III — A Imprensa e a Faculdade (65)
a) — Universidade de Coimbra (65)
b) — O ódio à Universidade de Coimbra — Cadastro
dos « jesuítas » da Faculdade de Letras (66)
c) — Uma campanha ( Brito CAMACHO ) (71)
d) — Universidade de Coimbra. Entrevista com o Dr.
Ângelo da Fonseca (74)
e) — Da reforma à g-réve ( F. MlRA ) (76)
/) — A questão universitária. Com vista ao sr. Ministro
da Instrução Pública (J. M. DE SaNT'IaGO PrEZADO • (79)
g) — Elogio da Faculdade de Letras na Academia de
Sciências de Portugal ( ANTÓNIO FeRRÃO ) - . • (93)
h) — Em torno do conflito universitário de Coimbra. —
A Faculdade de Teologia era reacionária ? Interview
com o Prof. Dr. ÂNGELO DA FONSECA (95)
í) — O caso de Coimbra. Nova interview com o Prof.
Dr. Ângelo da Fonseca (99)
j) — A questão de Coimbra ( JOSÉ DE MAGALHÃES ) . (102)
k) — A questão de Coimbra ( JOSÉ DE MAGALHÃES ) • • (106)
Z) — O ódio à Universidade de Coimbra. Suplemento
ao cadastro dos « Jesuítas » da Faculdade de Letras (109)
m) — A questão universitária. O procedimento do Mi-
nistro (Prof. Ângelo da Fonseca ) (113)
n) — O que quer a Universidade de Coimbra ? Expli-
ca-o o Dr. Angelo da Fonseca • (115)
o) — A questão da Universidade. O ensino na Facul-
dade de Letras. Entrevista com o Dr. EUGÉNIO DE
Castro (119)
p) — A questão da Universidade. Entrevista com o Dr.
Ângelo da Fonseca (124)
4
NOTA
A extrema escassez de tempo não deixa publicar aqui
outros documentos de importância relativos à questão da
Faculdade de Letras, alguns muito honrosos para a
Universidade de Coimbra. Especializam-se os dima-
nados da Universidade de Lisboa e da respectiva Fede-
ração Académica. Publicar-se hão oportunamente em
suplemento.
FeZ'Se deste folheto uma tiragem de 1.500
exemplares, sendo 500 para a venda pelo
custo de $40 e o produto liquido destinado
à Sociedade Filantrópico' Académica.
V
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0000723